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O DIREITO EA PAIXÃO

Tese: O DIREITO EA PAIXÃO. Pesquise 860.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  2/11/2014  •  Tese  •  6.257 Palavras (26 Páginas)  •  129 Visualizações

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DIREITO E PAIXÃO

Luís Roberto Barroso

Professor Titular de Direito Constitucional

da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Master of Laws pela Universidade de Yale.

Procurador do Estado e advogado no Rio de Janeiro.

SUMÁRIO: I. A Paixão. II. Paixão pelo Direito. Limites e possibilidades. 1) A Ciência do Direito; 2) O Direito Positivo; 3) O Direito Subjetivo. III. A Paixão pela Palavra. IV. Conclusão.

I. A PAIXÃO

O pensamento intelectual e, mais notadamente, o pensamento jurídico, por longo tempo, guardou-se isolado numa auto-suficiência excludente, que limitava o seu objetivo e, de certo modo, amesquinhava o conhecimento que produzia. O formalismo e o positivismo jurídicos, sem embargo de sua justificação histórica contribuíram para este quadro, que talvez pudéssemos chamar de narcisismo científico.

É certo que a Ciência do Direito sempre utilizou, aqui e ali, elementos da História, da Filosofia, da Política, da Economia. Mas estas sempre foram relações inevitáveis ou de convivência, aproximações racionais entre afins. Relações tensas, de desconfiança. O golpe militar de 1964, por exemplo, foi a vitória da Economia sobre o Direito, do discurso da eficiência sobre o discurso da legalidade, dos economistas sobre os bacharéis. Uns e outros, hoje, irmanados na solidariedade do fracasso. Os fatos demonstram, contudo, que é mais fácil reconstituir a ordem jurídica que a ordem econômica.

Mas, retoma-se o raciocínio, este narcisismo supostamente científico do mundo do Direito, excessivamente apegado à lógica formal e ao racionalismo, jamais se considera espaço para reflexões que incorporassem valores, princípios e conceitos de domínios menos ortodoxos. Como a psicanálise e os limites insondáveis do inconsciente. Como o domínio das paixões.

Gostaria de trazer, assim, para a discussão jurídica – ou, antes, para incorporá-la como um dos elementos do discurso jurídico – a paixão, deslocando para o espaço público um tema que até pouco tempo estava “circunscrito ao domínio privado”.

A paixão, que é a expressão de um sentimento ou de uma emoção, sempre intensos, movida pelo inconsciente, é, quando não a pièce de resistance, ao menos o tempero necessário à razão científica. O domínio das paixões é muito vasto. Para além da paixão amorosa e da paixão sexual, os sentidos passam pela glória, pelo medo, pela inveja, pelo ciúme, pela cobiça , pela amizade, pela liberdade.

A paixão, em si e por si, não é ética, não é politicamente correta, não é engajada. Mas é possível canalizá-la , dar-lhe um sentido valorativo e explorar-lhes as potencialidades. A paixão bem direcionada é uma energia poderosa a serviço da causa da humanidade.

É impossível, aqui, abstrair do sentido mais corrente da palavra paixão, que identifica o envolvimento entre pessoas, um envolvimento sexual, convencionalmente entre homem e mulher, mas que comporta, também, um amplo espaço alternativo.

Notem que falo de paixão, e não de amor. Com isto não quero endossar a oposição ideológica que se faz entre amor e paixão, captada com maestria por Maria Rita Kehl, “em que a paixão é representada como o momento fulgurante – mas impossível – do encontro entre duas pessoas, enquanto o amor é visto como a água morna do dia-a-dia cinzento, com o qual somos obrigados a nos conformar”.

Ao contrário, creio no amor apaixonado e cúmplice, que supera a paixão narcísica de cada um. O amor sublime, que não exige o rebaixamento do erotismo e nem o conformismo imposto – e não eleito espontaneamente – a certos deveres sociais e legais. Ainda nas palavras de Maria Rita Kehl, “o amor sublime é amor de escolha e, portanto, amor de liberdade. É união com base em afinidades eletivas e, portanto, uma aliança A FAVOR, e não CONTRA , o vôo de cada um pela vida”.

Na verdade, não falo do amor porque ele é um ponto de chegada, um porto de repouso. Quem ama encontrou e se encontrou. Falo da paixão, que é a procura. Quem está apaixonado está em busca do ponto de equilíbrio. O desejo é a falta. Por isto mesmo, a paixão é o exercício de uma busca. Encontrar é ter de partir para outro lugar. A paixão não é feita de realidade, senão que de imaginação.

É a paixão, ou são as paixões, mais que o amor, a energia essencial que move o mundo. Há as paixões menores, como a cobiça, a vaidade, a ambição de poder. Mas há paixões redentoras, como a da liberdade e da justiça.

A paixão que nos move aqui na academia, no mundo universitário, é a paixão intelectual, a paixão do conhecimento. Nós vivemos do pensamento. E a tarefa do pensamento, como observou Roberto Mangabeira Unger, “é a de confortar os aflitos e afligir os confortados”.

Uma observação final, ainda uma vez tomada por empréstimo a Maria Rita Kehl: “A paixão intelectual tem uma característica oposta à paixão sexual: enquanto esta quer exclusividade, aquela quer adesões. Quer ser compartilhada pelo maior número possível de pessoas” . É o que se pretende conseguir aqui.

II. PAIXÃO PELO DIREITO. LIMITES E POSSIBILIDADES

O Direito, como forma de expressão humana, envolve criação, sentimento, estilo. Ao lado de sua vocação pragmática, voltado para a realidade e a solução de problemas, o Direito existe, também, para satisfazer ao espírito, para ser bonito, para acenar ao dia seguinte. Por trás das ortodoxias sisudas e dos formalismos caricatos, Direito também é arte.

Em passagem bem inspirada, citada por Ferrara, constatou lhering que “com um saber moderado pode-se ser um jurista distinto; e nunca chegar a sê-lo, tendo-se, embora, um conhecimento vastíssimo” . É que por trás do saber objetivo, existe uma dimensão subjetiva: quem professa o conhecimento, em nome de quem, para atender que desígnios? Também o Direito – ou, sobretudo o Direito – está no domínio dos sentimentos e das paixões.

Remarque-se que não se vai proceder à análise da paixão no Direito, ou seja, as hipóteses em que a norma jurídica acolhe o elemento paixão, seja para neutralizá-la, estimulá-la ou incriminá-la. A paixão está dentro da norma, por exemplo, quando a lei penal permite a redução da pena em um

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