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O FICHAMENTO CASA VELHA

Por:   •  24/11/2018  •  Trabalho acadêmico  •  8.290 Palavras (34 Páginas)  •  297 Visualizações

Página 1 de 34

Livro: Memorias Póstumas de Brás Cubas  

Autor (a): Machado de Assis

Publicado originalmente em folhetins, a partir de março de 1880, na Revista Brasileira.

Resumo

Palavras-Chaves

Memórias Póstumas é uma narrativa confusa e sem linearidade. O personagem principal, Brás Cubas, resolve, depois de morto, contar a história da sua vida através de uma seleção dos episódios mais relevantes, desde o seu nascimento até a sua morte. Essa história não segue nenhuma sequência cronológica. Ele inicia pelo seu delírio e morte, depois conta o seu nascimento e vai alternando entre episódios de diversas fases da sua vida, sempre com uma alta dose de humor e visão pessimista.

Fichamento

P-1. Brás Cubas e um homem que depois de morto decide contar sua história, mas não sabe se começa do seu nascimento ou de sua morte. “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. ”

P-2. Ao seu ver seria mais galante começar pela sua morte, então eis que o Cubas começa o enredo de sua história pela sua morte. Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncio {...} Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que foi menos a pneumonia, do que uma ideia grandiosa e útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me não creia, e, todavia, é verdade. Vou expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo. ”

P-3.  Após expor sua morte, surge o conto de uma ideia, que para ele foi o grande motivo de seu falecimento. ” Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplastro anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. {..}. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas. ”

P-4.  É então entre seus devaneios, surge que a sua ideia era fixa nada mais nada menos. Usa de seu humor também, para brincar com o leitor sobre ainda não ter chegado na parte esperada por ele. “A minha ideia, depois de tantas cabriolas, constituíra-se ideia fixa. Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho. {...} Era fixa a minha ideia, fixa como.... Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo: talvez a lua, talvez as pirâmides do Egito, talvez a finada dieta germânica. Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias”

P-5.   Cubas estava ocupado na invenção de seu emplasto quando recebeu um golpe de ar frio que o deixa doente. Logo após ele conta que tentou se tratar, mas depois acaba morrendo e continua a defender que foi sua ideia que o matou.  “Senão quando, estando eu ocupado em preparar e apurar a minha invenção, recebi em cheio um golpe de ar; adoeci logo {...}. No outro dia estava pior; tratei-me enfim, mas incompletamente, sem método, nem cuidado, nem persistência; tal foi a origem do mal que me trouxe à eternidade. Sabem já que morri numa sexta-feira, dia aziago, e creio haver provado que foi a minha invenção que me matou. ”

P-6.    Brás se recorda agora da mulher que ele conheceu quando criança e que agora estava no seu leito para visitá-lo e trazer notícias de fora com uma língua afiada que agradava o doente, ”O que por agora importa saber é que Virgília — chamava-se Virgília — entrou na alcova, firme, com a gravidade que lhe davam as roupas e os anos, e veio até o meu leito. {...} Virgília tinha agora a beleza da velhice, um ar austero e maternal; estava menos magra do que quando a vi, pela última vez, numa festa de São João, na Tijuca; e porque era das que resistem muito, só agora começavam os cabelos escuros a intercalar-se com alguns fios de prata.

P-7.   Virgília conversava com Cubas quando ele veio a delirar, um delírio que teria durado cerca de vinte a trinta minutos. “Primeiramente, tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim, que me pagava o trabalho com beliscões e confeitos: caprichos de mandarim. Logo depois, senti-me transformado na Suma Teológica de São Tomás, impressa num volume, e encadernada em marroquim, com fechos de prata e estampas {...} vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino.

P-8.   Depois de se ver transformar em várias coisas e até de viajar em um hipopótamo, eis que chegou a um ponto que ele encara uma grande face feminina. “um vulto imenso, uma figura de mulher me apareceu então, fitando-me uns olhos rutilantes como o sol. Tudo nessa figura tinha a vastidão das formas selváticas, e tudo escapava à compreensão do olhar humano, porque os contornos perdiam-se no ambiente, e o que parecia espesso era muita vez diáfano.” Neste momento ele descobre que acabe de conhecer a mãe natureza. ” — Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga. ”

P-9.   Neste momento ele acreditando que ela veio para levá-lo de vez a morte e então a suplica mais alguns anos. “— Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração este amor da vida, senão tu? e, se eu amo a vida, por que te hás de golpear a ti mesma, matando-me?” Mas era um devaneio ela não estava ali para leva-lo, isso tudo era ainda o seu delírio falando mais alto.

P-10.   A viagem ou melhor seu delírio continuava de século em século, interessante e monótono, passava pelo seu presente, futuro, até chegar ao final. Quando do nada surge um nevoeiro e tudo desaparece, e então ele percebe que o hipopótamo era seu gato. “o hipopótamo que ali me trouxera, e que aliás começou a diminuir, a diminuir, a diminuir, até ficar do tamanho de um gato. Era efetivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato Sultão, que brincava à porta da alcova, com uma bola de papel...”

P-11.   Agora o autor se encontra em dois estados mentais que o dominava, que era a razão e a sandice que suplicava para a razão que a deixasse um pouco mais, pois ela já estava desvendando os mistérios da vida e da morte. A razão se opõem, e a sandice e colocada para fora. “E dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando.”.

P-12.    Nesse momento que acontece uma transição na história. Agora Cubas conta o seu nascimento: “ Naquele dia, a árvore dos Cubas brotou uma graciosa flor. Nasci; recebeu-me nos braços a Pascoela, insigne parteira minhota, que se gabava de ter aberto a porta do mundo a uma geração inteira de fidalgos. Não é impossível que meu pai lhe ouvisse tal declaração; creio, todavia, que o sentimento paterno é que o induziu a gratificá-la com duas meias dobras. ” Ele conta também como foi um bebe muito visitado em seus primeiros dias de vida. “Sei que a vizinhança veio ou mandou cumprimentar o recém-nascido, e que durante as primeiras semanas muitas foram as visitas em nossa casa. Não houve cadeirinha que não trabalhasse; aventou-se muita casaca e muito calção. Se não conto os mimos, os beijos, as admirações, as bênçãos, é porque, se os contasse, não acabaria mais o capítulo, e é preciso acabá-lo. ”

P-13.   Brás foi criado livremente, tornando-se mal-educado e desagradável: era chamado de “o menino diabo”, pois enganava os adultos, maltratava os escravos, em especial o Prudêncio, um dos escravos que ele fazia com que fosse seu cavalo. “Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepavalhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, — algumas vezes gemendo, — mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um — “ai, nhonhô! ” —  ao que eu retorquia: — “Cala a boca, besta! ”. ”

P-14.    O pai o adorava, mesmo com todas as suas traquinagens, e não dava atenção as preocupações do tio cônego do menino, que sempre falava sobre o excesso de liberdade que o pai dava ao filho. Meu tio cônego fazia às vezes alguns reparos ao irmão; dizia-lhe que ele me dava mais liberdade do que ensino, e mais afeição do que emenda; mas meu pai respondia que aplicava na minha educação um sistema inteiramente superior ao sistema usado; e por este modo, sem confundir o irmão, iludia-se a si próprio. ”

P-15.   Brás não irá passar adiante a história sem contar uma pequena parte que ele deseja lembrar da sua infância quando tinha nove anos, foi em 1814: Napoleão, quando eu nasci, estava já em todo o esplendor da glória e do poder; era imperador e granjeara inteiramente a admiração dos homens. Meu pai, que à força de persuadir os outros da nossa nobreza, acabara persuadindo-se a si próprio, nutria contra ele um ódio puramente mental. ” O ódio pelo Bonaparte, veio a ser útil para que o pai de Brás viesse a fazer um jantar para comemorar a queda do imperador, com intuito de agradar a família real Portuguesa, mas não era um simples jantar. “Não era um jantar, mas um Te-Deum; foi o que pouco mais ou menos disse um dos letrados presentes, o Dr. Vilaça, glosador insigne, que acrescentou aos pratos de casa o acepipe das musas. ”

P-16.   Foi no meio do grande jantar e das grandes falas dos convidados, que Brás veio a dar um chilique, pois só queria apenas uma sobremesa. “Pedi em voz baixa o doce; enfim, bradei, berrei, bati com os pés. ” Brás esperava que seu pai atendesse seu pedido, mas não ouve tempo de ser servido, pois a tia Emerenciana decidiu que o garoto merecia um castigo pelo mal comportamento. “ Meu pai, que seria capaz de me dar o sol, se eu lho exigisse, chamou um escravo para me servir o doce; mas era tarde. A tia Emerenciana arrancara-me da cadeira e entregara-me a uma escrava, não obstante os meus gritos e repelões. ”

P-17.   Após isso, Brás se pôs a   vingar-se do doutor glosador, que para ele foi o motivo de demorar sair a sobremesa. Então ele seguiu o homem e o viu aos beijos com Dona Eusébia, dessa forma saiu correndo no meio de todos dizendo que eles estavam se beijando, ouve grande repercussão pois o doutor era casado e isso foi motivo para ele ser ridicularizado em meio a todos. “Foi um estouro esta minha palavra; a estupefação imobilizou a todos; os olhos espraiavam-se a uma e outra banda; trocavam-se sorrisos, segredos, à socapa, as mães arrastavam as filhas, pretextando o sereno. Meu pai puxou-me as orelhas, disfarçadamente, irritado deveras com a indiscrição; mas no dia seguinte, ao almoço, lembrando o caso, sacudiu-me o nariz a rir: Ah! brejeiro! ah! brejeiro! ”

P-18.   Nessa pequena parte da história, Cubas dá um salto no seu período escolar, para se lembra de um dos garotos mais travessos e mimados da escola o famoso Quincas Borda. “Uma flor, o Quincas Borba. Nunca em minha infância, nunca em toda a minha vida, achei um menino mais gracioso, inventivo e travesso. {...} Era um gosto ver o Quincas Borba fazer de imperador nas festas do Espírito Santo. De resto, nos nossos jogos pueris, ele escolhia sempre um papel de rei, ministro, general, uma supremacia, qualquer que fosse. Tinha garbo o traquinas, e gravidade, certa magnificência nas atitudes, nos meneios. ”

P-19.   A história agora pula para 1822, quando Cubas encontra seu primeiro amor e consegue seu primeiro beijo. Era um belo rapaz e também era desejado por algumas moças, mas uma em especial recebeu a atenção do rapaz essa se chamava Marcela. “A que me cativou foi uma dama espanhola, Marcela, a “linda Marcela”, como lhe chamavam os rapazes do tempo. E tinham razão os rapazes. ” Marcela, no entanto, morria de amores por outro rapaz. Naquele ano, morria de amores por um certo Xavier, sujeito abastado e tísico, — uma pérola. ”  Após três dias Cubas chama seu tio para ir em uma ceia de moças na casa de Marcela, eles vão e na hora de partir ele se despede da moça, roubando um beijo. ” Ela ia abrir-me caminho para tornar à sala; eu segurei-lhe nas mãos, puxei-a para mim, e dei-lhe um beijo. Não sei se ela disse alguma coisa, se gritou, se chamou alguém; não sei nada; sei que desci outra vez as escadas, veloz como um tufão, e incerto como um ébrio. ”

P-20.   O Cubas levou trinta dias para conquistar o coração de Marcela, mas a paixão deles teve duas fases “consular”, quando seu amor era dividido com Xavier, depois a segunda fase “cesariana”, quando dominava o coração da espanhola. Mas não foi tão barata a passagem da primeira fase para a segunda, Brás precisou arrecadar dinheiro do pai, mãe e até sacar sem o consentimento dos pais, tudo para bajular Marcela. “ Era meu o universo; mas, ai triste! não o era de graça. Foi-me preciso coligir dinheiro, multiplicá-lo, inventá-lo. Primeiro explorei as larguezas de meu pai {...}. Então recorri a minha mãe, e induzi-a a desviar alguma coisa, que me dava às escondidas. Era pouco; lancei mão de um recurso último: entrei a sacar sobre a herança de meu pai, a assinar obrigações, que devia resgatar um dia com usura. ”

P-21.   Marcela mantinha em sua casa diversos presentes de antigos amantes, o que irritava Brás. Mas ela alegava que o amor que tinha por ele não precisava desses artifícios, ao mesmo tempo que comentava sobre uma joia que gostou. “ Assim foi que um dia, como eu lhe não pudesse dar certo colar, que ela vira num joalheiro, retorquiu-me que era um simples gracejo, que o nosso amor não precisava de tão vulgar estímulo. ”

P-22.   O romance entre Brás Cubas e a prostituta Marcela que o explorou por vários messes, que ele resume em sua frase: “...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil. ” O pai logo decide mandá-lo para estudar na Europa e esquecer Marcela. “disse ele, vais para a Europa; vais cursar uma Universidade, provavelmente Coimbra; quero-te para homem sério e não para arruador e gatuno. E como eu fizesse um gesto de espanto: — Gatuno, sim senhor; não é outra coisa um filho que me faz isto...”

P-23.   Cubas não poderia partir e deixar a sua bela Marcela, então foi aí que teve a ideia de convidá-la para acompanhá-lo. Mas ela negou o convite e lhe deu uma desculpa inventada. “— Não posso, disse ela com ar dolente; não posso ir respirar aqueles ares, enquanto me lembrar de meu pobre pai, morto por Napoleão...” O rapaz fica enfurecido e sai pela cidade. “Saí desatinado; gastei duas mortais horas em vaguear pelos bairros mais excêntricos e desertos, onde fosse difícil dar comigo. ”

P-24.    No caminho uma ideia surgiu, ele precisava deslumbrar Marcela e sabia como fazer. “Era nada menos que fasciná-la, fasciná-la muito, deslumbrá-la, arrastá-la; lembrou-me pedir-lhe por um meio mais concreto do que a súplica. Não medi as consequências; recorri a um derradeiro empréstimo; fui à Rua dos Ourives, comprei a melhor joia da cidade, três diamantes grandes encastoados num pente de marfim; corri à casa de Marcela. ” Voltando a casa de Marcela, entregou-lhe o presente e insistiu que ela fosse com ele para Portugal, ela resistiu um tempo, mas logo topou o convite. “Marcela refletiu um instante. {...} ela me respondeu resolutamente: — Vou. Quando embarcas? ”

P-25.     Saindo pelo corredor o jovem Brás tinha em sua mente a imagem de Marcela, corrompida por uma joia, mas ainda acreditava em seu amor. Estava neste pensamento quando surgiu três homens que o agarraram pelos braços. “Com efeito, olhando para a porta, vi na calçada três dos correeiros, um de batina, outro de libré, outro à paisana, os quais todos três entraram no corredor, tomaram-me pelos braços, meteram-me numa sege, meu pai à direita, meu tio cônego à esquerda, o da libré na boleia, e lá me levaram à casa do intendente de polícia, donde fui transportado a uma galera que devia seguir para Lisboa. Imaginem se resisti; mas toda a resistência era inútil. ”

P-26.     Brás agora estava a caminho de Lisboa. Ele pensou em suicídio, mas seu pai parece ter adivinhado, e teria comunicado o capitão: ele sempre estava à espreita do rapaz. Em uma noite Brás pretendia lançar-se ao mar, mas o capitão aparece conversando sobre a noite e as estrelas, até receber um chamado da mulher. O empenho do capitão valeu a pena, Brás foi dormir; “Uma noite, logo no fim de uma semana, achei ensejo propício para morrer. Subi cauteloso, mas encontrei o capitão, que junto à amurada, tinha os olhos fitos no horizonte. {...}. Fitei-o; ele pareceu saborear o meu espanto. No fim de alguns segundos, pegou-me na mão e apontou para a lua, perguntando-me por que não fazia uma ode à noite; respondi-lhe que não era poeta. {...} — Lá vou, disse ele; e recitou-me o terceiro soneto, com pausa, com amor. Fiquei só; mas a musa do capitão varrera-me do espírito os pensamentos maus; preferi dormir, que é um modo interino de morrer. ”

P-27.    Após alguns dias chega a notícia que a mulher do capitão não aguentaria mais a viagem. Brás foi vê-la:  Fui vê-la; achei-a, na verdade, quase moribunda, mas falando ainda de descansar em Lisboa alguns dias, antes de ir comigo a Coimbra, porque era seu propósito levar-me à Universidade. ” Mas uns dias e estava morta, foi jogada ao mar. Brás consolava o capitão, observando as ondas do mar, ouviu algumas poesias e elogiando-as. “fui achar o marido a olhar para as vagas, que vinham morrer no costado do navio, e tratei de o consolar; ele agradeceume, relatou-me a história dos seus amores, elogiou a fidelidade e a dedicação da mulher, relembrou os versos que lhe fez, e recitou-mos.”

P-28    No dia seguinte o capitão veio a recitar mais alguns versos para Brás, “No dia seguinte veio ler-me um epicédio composto de fresco, em que estavam memoradas as circunstâncias da morte e da sepultura da mulher; leu-mo com a voz comovida deveras, e a mão trêmula; no fim perguntou-me se os versos eram dignos do tesouro que perdera. ” Brás disse a ele que seus versos eram dignos, e então ele tornou a recitar o verso e desejou a Brás um futuro grandioso. “Ele levantou os ombros, olhou para o papel, e tornou a recitar a composição, mas já então sem tremuras, acentuando as intenções literárias, dando relevo às imagens e melodia aos versos. No fim, confessou-me que era a sua obra mais acabada; eu disse-lhe que sim; ele apertou-me muito a mão e predisse-me um grande futuro. ”

P-29    Sob o pensamento de “grande futuro” que o capitão lhe concedeu, Brás recuperou-se finalmente do mal que Marcela lhe causava. “Um grande futuro! Enquanto esta palavra me batia no ouvido, devolvia eu os olhos, ao longe, no horizonte misterioso e vago. Uma idéia expelia outra, a ambição desmontava Marcela. ”  Então ele desembarca em Lisboa e segue até Coimbra. Quando se formou admitiu que não trazia em seu cérebro o conhecimento condizente com o grau de bacharel. “E foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra. A Universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, — principalmente de saudades. {...}. No dia em que a Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. ”

P-30     Brás agora conta quando estava montado em um jumento que empacou. Após tentar fazê-lo andar com alguns saltos sobre suas costas, o bicho sacudiu e fez com que Brás caísse. Seu pé estava preso ao estribo e o animal iniciava uma disparada: quando surge um almocreve (um carregador) que o ajudou. “Digo mal: tentou disparar, e efetivamente deu dois saltos, mas um almocreve, que ali estava, acudiu a tempo de lhe pegar na rédea e detê-lo, não sem esforço nem perigo. Dominado o bruto, desvencilhei-me do estribo e pus-me de pé. ” Muito agradecido ao homem, Brás pensou em recompensá-lo, com apenas uma moeda. “Com efeito, uma moeda era bastante para lhe dar estremeções de alegria. Examinei-lhe a roupa; era um pobre-diabo, que nunca jamais vira uma moeda de ouro. Portanto, uma moeda. ”

P-31    Brás chamou-o e deu-lhe apenas uma moeda, e de prata! Ao sair no animal, ainda via seu salvador à distância, que se despedia alegre com a recompensa. “Ri-me, hesitei, meti-lhe na mão um cruzado em prata, cavalguei o jumento, e segui a trote largo, um pouco vexado, melhor direi um pouco incerto do efeito da pratinha. Mas a algumas braças de distância, olhei para trás, o almocreve fazia-me grandes cortesias, com evidentes mostras de contentamento. Adverti que devia ser assim mesmo; eu pagara-lhe bem, pagara-lhe talvez demais. ”

P-32. Chegando ao Rio Brás relata a sensação renovadora de rever os locais de sua infância; “Vim. Não nego que, ao avistar a cidade natal, tive uma sensação nova. Não era efeito da minha pátria política; era-o do lugar da infância, a rua, a torre, o chafariz da esquina, a mulher de mantilha, o preto do ganho, as coisas e cenas da meninice, buriladas na memória. Nada menos que uma renascença.”  Lá estava seu pai, sua irmã, já casada com Cotrim, seu tio João e dona Eusebia, todos tristes. Quando ele encarou sua mãe, que não via a nove anos. “ Meu pai abraçoume com lágrimas. — Tua mãe não pode viver, disse-me. {...} Minha irmã Sabina, já então casada com o Cotrim, andava a cair de fadiga. Pobre moça! dormia três horas por noite, nada mais. O próprio tio João estava abatido e triste. D. Eusébia e algumas outras senhoras lá estavam também, não menos tristes e não menos dedicadas.{...} Mal poderia conhecê-la; havia oito ou nove anos que nos não víamos. Ajoelhado, ao pé da cama, com as mãos dela entre as minhas, fiquei mudo e quieto, sem ousar falar, porque cada palavra seria um soluço, e nós temíamos avisá-la do fim. ”

P-33.   Brás abalou-se com a morte da mãe, ele nunca havia falado sobre um tema profundo da sua existência. Até então ele se comparava a um cabelereiro que conheceu em Módena, ele fazia seu trabalho, sem nenhuma opinião sobre nada. “Para lhes dizer a verdade toda, eu refletia as opiniões de um cabeleireiro, que achei em Módena, e que se distinguia por não as ter absolutamente. Era a flor dos cabeleireiros; por mais demorada que fosse a operação do toucado, não enfadava nunca; ele intercalava as penteadelas com muitos motes e pulhas, cheios de um pico, de um sabor...”. Agora morto, alegra-se de poder expor tranquilamente sua mediocridade. Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. ”

P-34.    Sete dias após a morte de sua mãe, Brás retirou-se para a chácara da família na Tijuca. “No sétimo dia, acabada a missa fúnebre, travei de uma espingarda, alguns livros, roupa, charutos, um moleque, — o Prudêncio do capítulo XI, — e fui meter-me numa velha casa de nossa propriedade. ”  Lá permaneceu melancólico, resignado do mundo. “Renunciei tudo; tinha o espírito atônito. Creio que por então é que começou a desabotoar em mim a hipocondria, essa flor amarela, solitária e mórbida, de um cheiro inebriante e sutil. ” No entanto, passados sete dias ele se reanimava: era preciso viver! “Com efeito, ao cabo de sete dias, estava farto da solidão; a dor aplacara; o espírito já se não contentava com o uso da espingarda e dos livros, nem com a vista do arvoredo e do céu. Reagia a mocidade, era preciso viver. ”

P-35.    Passados alguns dias Brás estava indo visitar dona Eusébia, quando seu pai trazia notícias da cidade. ”Súbito ouço uma voz: — Olá, meu rapaz, isto não é vida! Era meu pai, que chegava com duas propostas na algibeira. ” Seu pai havia recebido uma carta de pêsames de um dos Regentes (na época D. Pedro segundo tinha cinco anos e o poder estava na mão de um grupo chamado Regência) “quando meu pai fez recair a conversa na Regência: foi então que aludiu à carta de pêsames que um dos Regentes lhe mandara. Trazia a carta consigo, já bastante amarrotada, talvez por havê-la lido a muitas outras pessoas. Creio haver dito que era de um dos Regentes. ”

P-36.     O pai de Brás pede a ele que volte ao Rio para agradecer ao Regente e, além disso, tinha planos de torna-lo deputado e casa-lo. “A proposta, porém, desdizia tanto das minhas sensações últimas, que eu cheguei a não entendê-la bem. {...}. Riu-se meu pai, e depois de rir, tornou a falar sério. Era-me necessária a carreira política, dizia ele, por vinte e tantas razões, que deduziu com singular volubilidade, ilustrando-as com exemplos de pessoas do nosso conhecimento. Quanto à noiva, bastava que eu a visse; se a visse, iria logo pedi-la ao pai, logo, sem demora de um dia.”. De início Brás recusou, mas após a insistência do pai e alguns momentos de reflexão, a ideia já não era tão má. “Uma parte de mim mesmo dizia que sim, que uma esposa formosa e uma posição política eram bens dignos de apreço “

P-37.    O pai de Brás, cobra uma resposta definitiva, e revela o nome de sua pretendente: Virgília.  “És tu, meu rapaz; a tua noiva chama-se justamente Virgília. ”  Sim, a pretendente de Brás era a mesma Virgilia que em 1869, acompanharia seus últimos dias de vida. “A mesma; era justamente a senhora, que em 1869 devia assistir aos meus últimos dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas mais íntimas sensações. ”  Mas naquela época ela era uma moça de quinze ou dezesseis anos, era bonita, mas que tinha lá seus defeitos. “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que ia lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. ”

P-38.    Após falar de Virgilia, Brás volta a proposta do pai, e afirma que atendera ao pedido do pai com uma condição:  “— Contanto que não fique obrigado a aceitar as duas; creio que posso ser separadamente homem casado ou homem público. ”  O pai aceita a contraproposta do filho, contanto que saísse da vida inútil: “Contanto que não te deixes ficar aí inútil, obscuro, e triste; não gastei dinheiro, cuidados, empenhos, para te não ver brilhar, como deves, e te convém, e a todos nós; é preciso continuar o nosso nome, continuá-lo e ilustrá-lo ainda mais.” E foi pelo desejo da nomeada, e fama, que Brás foi seduzido: “E foi por diante o mágico, a agitar diante de mim um chocalho, como me faziam, em pequeno, para eu andar depressa, e a flor da hipocondria recolheu-se ao botão para deixar a outra flor menos amarela, e nada mórbida, — o amor da nomeada, o emplasto Brás Cubas. ”

P-39.    Feito o acordo, o pai de Brás despede-se, seu filho partiria só no dia seguinte- precisava visitar dona Eusébia ainda. “Eu, na tarde desse mesmo dia, fui visitar D. Eusébia. ”  Na casa da senhora, com quem conversou sobre sua finada mãe. Vendo que o rapaz se entristece, a senhora muda o assunto. “D. Eusébia começou a falar de minha mãe, com muitas saudades, com tantas saudades, que me cativou logo, posto me entristecesse. Ela percebeu-o nos meus olhos, e torceu a rédea à conversação; pediu-me que lhe contasse a viagem, os estudos, os namoros...

P-40.     No dia seguinte Brás se preparava para partir quando uma nova borboleta preta entra em seu quarto e pousa em sua testa: “No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior do que ela. {...} A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. ”  Ele se sacode ela sai e pousa no retrato de seu pai, ele irritado por ela não sair de lá, bate nela com uma toalha. A borboleta cai quase morta e já não aguentava voar, sem forças ela morre. Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado. ”

P-41.    Depois do acontecido, pronto para partir quando se depara com dona Eusébia: “Ai, não contava com D. Eusébia. Estava pronto, quando me entrou por casa. Vinha convidar-me para transferir a descida, e ir lá jantar nesse dia. Cheguei a recusar; mas instou tanto, tanto, tanto, que não pude deixar de aceitar; demais, era-lhe devida aquela compensação; fui. ”A forma simples como Eugenia estava vestida, chamava a atenção de Brás: “Um simples vestido branco, de cassa, sem enfeites, tendo ao colo, em vez de broche, um botão de madrepérola, e outro botão nos punhos, fechando as mangas, e nem sombra de pulseira. ”

P-42.   Os três seguiram a caminhada com a dona da chácara apresentando cada canto, enquanto Brás e Eugênia cruzavam olhares: “Vimos toda a chácara, árvores, flores, tanque de patos, tanque de lavar, uma infinidade de coisas, que ela me ia mostrando, e comentando, ao passo que eu, de soslaio, perscrutava os olhos de Eugênia...

P-43.     O dia seguinte foi chuvoso e Brás se deixou ficar mais um tempo na chácara. Os convites para estar com dona Eusébia e sua filha Eugênia continuavam, a descida   para a cidade estava adiada há uma semana. Eugenia cada vez mais despertava o desejo de Brás, que conseguiu o beijo de Eugenia, e dona Eusébia não suspeitou de nada:  A filha, nessa primeira explosão da natureza, entregava-me a alma em flor. {...}. Não desci, e acrescentei um versículo ao Evangelho: — Bem-aventurados os que não descem, porque deles é o primeiro beijo das moças. Com efeito, foi no domingo esse primeiro beijo de Eugênia {...}. Tanto melhor! D. Eusébia não suspeitou nada. ”

P-44.     Após oito dias, Brás anuncia há Eugenia que na manhã seguinte partiria: “Foi na varanda, na tarde de uma segunda-feira, ao anunciar-lhe que na seguinte manhã viria para baixo. — Adeus, suspirou ela estendendome a mão com simplicidade {...}. Alcancei-a a poucos passos, e jurei-lhe por todos os santos do Céu que eu era obrigado a descer, mas que não deixava de lhe querer e muito; tudo hipérboles frias, que ela escutou sem dizer nada. ” Eugenia entendeu e achou que ele fazia bem. E então ele foi: “Desci da Tijuca, na manhã seguinte, um pouco amargurado, outro pouco satisfeito. ”

P-45.    Enfim, se encontraria Brás Cubas e Virgília. Conselheiro Dutra recebeu o genro e apadrinhado político com gosto. “Fomos dali à casa do Dutra. Era uma pérola esse homem, risonho, jovial, patriota, um pouco irritado com os males públicos, mas não desesperando de os curar depressa. Achou que a minha candidatura era legítima; convinha, porém, esperar alguns meses. ” E a moça rapidamente encantou Brás: Eu, que levava idéias a respeito da pequena, fitei-a de certo modo; ela, que não sei se as tinha, não me fitou de modo diferente; e o nosso olhar primeiro foi pura e simplesmente conjugal. No fim de um mês estávamos íntimos. ”

P-46.    Em uma ida para um jantar que Dutra havia lhe convidado, Brás deixa seu relógio de bolso cair e quebrar-se. Entrou numa ourivesaria onde, para sua surpresa encontra sua antiga amante Marcela: Crê-lo-eis, pósteros? essa mulher era Marcela. Não a conheci logo; era difícil; ela porém conheceu-me apenas lhe dirigi a palavra. Os olhos chisparam e trocaram a expressão usual por outra, meio doce e meio triste. Vi-lhe um movimento como para esconder-se ou fugir; era o instinto da vaidade, que não durou mais de um instante. Marcela acomodou-se e sorriu. ”

P-47.    Brás agora enxergava naquela mulher a cobiça que a movia, ela não parecia ter falta de dinheiro, mas ainda assim empenhava esforços em gerar fortuna. Ele estava a refletir sobre isso quando: Enquanto eu fazia comigo mesmo aquela reflexão, entrou na loja um sujeito baixo, sem chapéu, trazendo pela mão uma menina de quatro anos. ”  Esse sujeito conta para Marcela que a garota tem adoração por ela: É um namoro, uma paixão, como a senhora não imagina... A mãe diz que é feitiço...

P-48.    Com o relógio consertado, Brás despediu-se rapidamente e subiu para seguir até a casa de Dutra. “Nisto entrou o moleque trazendo o relógio com o vidro novo. Era tempo; já me custava estar ali; dei uma moedinha de prata ao moleque; disse a Marcela que voltaria noutra ocasião, e saí a passo largo. ”  O dia teria começado alegre: “Notem que aquele dia amanhecera alegre para mim. ” Mas o futuro havia batido com o passado, deixando assim Brás abalado até a chegada ao seu destino. “Pois eu tinha esse vento comigo; e, certo de que ele me soprava por achar-me naquela espécie de garganta entre o passado e o presente, almejava por sair à planície do futuro. O pior é que a sege não andava. ”

P-49.    Ao chegar à casa de Dutra, Brás e recebido por Virgília de maneira estranha. Ele enxergava em seu rosto marcas de velhice. “De repente morre-me a voz nos lábios, fico tolhido de assombro. Virgília... seria Virgília aquela moça? Fitei-a muito, e a sensação foi tão penosa, que recuei um passo e desviei a vista. ”  Depois Virgília senta-se no sofá, Brás voltou a observar sua pretendida e as estranhas marcas haviam sumido: “Virgília afastou-se, e foi sentar-se no sofá. {...} encaminhei-me para Virgília, que lá estava sentada e calada. Céus! Era outra vez a fresca, a juvenil, a florida Virgília. Em vão procurei no rosto dela algum vestígio da doença; nenhum havia; era a pele fina e branca do costume. ”

P-50.    Após o delírio, Virgília era uma travessa. “Angelical, mas travessa. Positivamente, era um diabrete Virgília, um diabrete angélico, se querem, mas era-o, e então...”. De repente surge em seu caminho Lobo Neves, um homem que em breve se tornaria ministro: “Então apareceu o Lobo Neves, um homem que não era mais esbelto que eu, nem mais elegante, nem mais lido, nem mais simpático, e todavia foi quem me arrebatou Virgília e a candidatura, dentro de poucas semanas, com um ímpeto verdadeiramente cesariano. ”  A garota caiu na lábia de Lobo e coube a Dutra informar Brás que ele não seria mais noivo de sua filha, de Virgília só restaria as lembranças: “Dutra veio dizer-me, um dia, que esperasse outra aragem, porque a candidatura de Lobo Neves era apoiada por grandes influências. ”

P-51.    O pai de Brás foi quem mais se abalou ao saber do fracasso dos planos para seu filho. Com tanto desgosto o pai acabou adoecendo e morrendo: “Morreu alguns dias depois da visita do ministro, uma manhã de maio, entre os dois filhos, Sabina e eu, e mais o tio Ildefonso e meu cunhado. Morreu sem lhe poder valer a ciência dos médicos, nem o nosso amor, nem os cuidados, que foram muitos, nem coisa nenhuma; tinha de morrer, morreu. ”

P-52.    Após a morte do pai de Brás Cubas, surge um grande embate entre ele, sua irmã Sabina e seu cunhado Cotrim, na divisão da herança. O interesse nas pratas, gerou grande discussão: “Tínhamos falado na prata, a velha prataria do tempo de D. José I, a porção mais grave da herança {...} — Quanto à prata, continuou Cotrim, eu não faria questão nenhuma, se não fosse o desejo que sua irmã tem de ficar com ela; e acho-lhe razão. Sabina é casada, e precisa de uma copa digna, apresentável. Você é solteiro, não recebe, não...

P-53.    Quando o tio Cônego, soube da disputa durante um jantar, lembrou Cristo, que dividiu um pão entre todos: Meu tio cônego apareceu à sobremesa, e ainda presenciou uma pequena altercação. — Meus filhos, disse ele, lembrem-se que meu irmão deixou um pão bem grande para ser repartido por todos. ”  Cotrim retrucou-lhe:  — Creio, creio. A questão, porém, não é de pão, é de manteiga. Pão seco é que eu não engulo. ” Fez então a partilha entre eles.

P-54.    Do inventario de seu pai até 1842 Brás viveu recluso, apenas conheceu algumas mulheres, mas delas mal guarda lembranças: Vivi meio recluso, indo de longe em longe a algum baile, ou teatro, ou palestra, mas a maior parte do tempo passei-a comigo mesmo. Vivia; deixava-me ir ao curso e recurso dos sucessos e dos dias, ora buliçoso, ora apático, entre a ambição e o desânimo. ”

P-55.     Brás agora explica que depois de falar por duas vezes que “olhava para a ponta do nariz” ao ter certos pensamentos, ele explica:  Nariz, consciência sem remorsos, tu me valeste muito na vida... Já meditaste alguma vez no destino do nariz, amado leitor? A explicação do Doutor Pangloss é que o nariz foi criado para uso dos óculos, — e tal explicação confesso que até certo tempo me pareceu definitiva; mas veio um dia, em que, estando a ruminar esse e outros pontos obscuros de filosofia, atinei com a única, verdadeira e definitiva explicação. ”  Parece confuso, mas Brás na verdade diz é que se deve “olhar para o próprio umbigo”. O nariz e a elevação espiritual, mas que defende como necessário para a evolução da espécie humana:  A conclusão, portanto, é que há duas forças capitais: o amor, que multiplica a espécie, e o nariz, que a subordina ao indivíduo. Procriação, equilíbrio. ”

P-56.    Brás volta a falar de Virgília, que agora voltara ao Rio casada com Lobo Neves. Seu primo lhe informou, após saber pela própria Virgília que ele já havia sido pretendente dela:  Ela mesma. Falei-lhe muito em você, e ela então contou-me tudo.”  No dia seguinte Brás avistou a moça, ainda mais bela.  No dia seguinte, estando na Rua do Ouvidor, à porta da tipografia do Plancher, vi assomar, a distância, uma mulher esplêndida. Era ela; só a reconheci a poucos passos, tão outra estava, a tal ponto a natureza e a arte lhe haviam dado o último apuro.”  Depois cruzou com ela em festas, convidou-a para valsas em bailes.

P-57.    “É minha”, era o que Brás dizia enquanto comemorava após conquistar Virgília em suas danças- este pensamento não saia de sua cabeça. Chegando em sua casa Brás topou com uma moeda de ouro no chão: “É minha”, repetiu e botou no bolso. “luziu-me no chão uma coisa redonda e amarela. Abaixei-me; era uma moeda de ouro, uma meia dobra. ” No dia seguinte pesou-lhe a consciência de que aquela moeda não era dele:  Nessa noite não pensei mais na moeda; mas no dia seguinte, recordando o caso, senti uns repelões da consciência, e uma voz que me perguntava por que diabo seria minha uma moeda que eu não herdara nem ganhara, mas somente achara na rua. ” Então entregou a moeda ao chefe de polícia e se sentiu melhor.

P-58.    Passado esse episódio, Cubas andava pela orla de Botafogo quando encontra um embrulho:  Foi o caso que, alguns dias depois, indo eu a Botafogo, tropecei num embrulho, que estava na praia. {...} inclinei-me, apanhei o embrulho e segui. ”   Em seu escritório abriu o embrulho e encontrou cinco contos de reis:  “Cinco contos em boas notas e moedas, tudo asseadinho e arranjadinho, um achado raro. ” Não era um crime ficar com eles:  Crime é que não podia ser o achado; nem crime, nem desonra, nem nada que embaciasse o caráter de um homem. Era um achado, um acerto feliz, como a sorte grande”. Então ficou com os Cinco contos de reis.

P-59.    Depois de todo esse rolo com dinheiro achado, Brás volta a falar de Virgília que se entregava cada vez mais a ele: Virgília é que já se não lembrava da meia dobra; toda ela estava concentrada em mim, nos meus olhos, na minha vida, no meu pensamento; — era o que dizia, e era verdade. ” O amor crescia rapidamente, até a noite em que lhe deu um beijo breve, Lembra-me, sim, que, em certa noite, abotoou-se a flor, ou o beijo, se assim lhe quiserem chamar, um beijo que ela me deu, {...} Uniu-nos esse beijo único, — breve como a ocasião, ardente como o amor”. Um beijo que aconteceu em frente ao portão da chácara de Lobo Neves:  um beijo que ela me deu, trêmula, — coitadinha, — trêmula de medo, porque era ao portão da chácara. ”

P-60.   Saboreando ainda o beijo recebido, Brás deitou-se em sua cama. Seu pensamento em Virgília fez lhe imaginar os dois, em uma cama:  Aí achou no peitoril de uma janela o pensamento de Virgília, saudaramse e ficaram de palestra. Nós a rolarmos na cama, talvez com frio, necessitados de repouso, e os dois vadios ali postos, a repetirem o velho diálogo de Adão e Eva. ”

P-61.    Brás Cubas está a questionar o porquê de seu romance com Virgília só avançar agora, não quando eram quase noivos: “A beleza de Virgília chegara, é certo, a um alto grau de apuro, mas nós éramos substancialmente os mesmos, e eu, à minha parte, não me tornara mais bonito nem mais elegante. Quem me explicará a razão dessa diferença? ” Refletiu por um tempo, e entendeu que somente neste momento estavam prontos para amar um ao outro, era questão de oportunidade: A razão não podia ser outra senão o momento oportuno. Não era oportuno o primeiro momento, porque, se nenhum de nós estava verde para o amor, ambos o estávamos para o nosso amor: distinção fundamental. Não há amor possível sem a oportunidade dos sujeitos. ”

P-62.    Passado esse pensamento de Brás a respeito de Vrigília. Foi a casa de Lobo Neves que tinha agora confiança nele. Tal confiança que Neves confidenciou certa melancolia: “Um dia confessou-me que trazia uma triste carcoma na existência; faltava-lhe a glória pública. {...} Dias depois disse-me todos os seus tédios e desfalecimentos, as amarguras engolidas, as raivas sopitadas; contou-me que a vida política era um tecido de invejas, despeitos, intrigas, perfídias, interesses, vaidades. Evidentemente havia aí uma crise de melancolia; tratei de combatê-la. ” Mas assim que terminou a conversa e chegaram alguns deputados, Neves converteu-se num homem muito alegre, com risos de todos os lados.

P-63.    Saindo da casa de Lobo Neves, Brás cruzou-se com um amigo ministro, cumprimentou-o, e saiu andando: ao sair da casa de Lobo Neves; e fui andando, fui andando, até que na Rua dos Barbonos vi uma sege, e dentro um dos ministros, meu antigo companheiro de colégio. Cortejamo-nos afetuosamente, a sege seguiu, e eu fui andando... andando... andando... “ Foi quando surgiu um pensamento, há possibilidade de se tornar ministro: “— Por que não serei eu ministro? ” Comparando-se ao amigo ministro, com que acabaras de cruzar.

P-64.    Em seguida aproximou-se um homem magro, vestindo roupas largas, acabadas e mal ajustadas: era Quincas Borba, outro antigo amigo de colégio. Brás não podia acreditar que era ele. “Era o Quincas Borba, o gracioso menino de outro tempo, o meu companheiro de colégio, tão inteligente e abastado. Quincas Borba! Não; impossível; não pode ser. Não podia acabar de crer que essa figura esquálida, essa barba pintada de branco, esse maltrapilho avelhentado, que toda essa ruína fosse o Quincas Borba. Mas era. ”

P-65.    Quincas diz ter se empobrecido, logo Cubas diz que o ajudará no que for possível. Quincas não acredita na possível ajuda, e pede dinheiro, pois precisava comer. Cubas da ele o dinheiro e depois fica a observar Quincas a beijar a nota alegremente: “E depois beijou-a, com muitos ademanes de ternura, e tão ruidosa expansão, que me produziu um sentimento misto de nojo e lástima. Ele, que era arguto, entendeu-me; ficou sério, grotescamente sério, e pediu-me desculpa da alegria, dizendo que era alegria de pobre que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco mil-réis. ” Depois disso Brás vai embora.

P-66.    Brás incomodado ao pensar no amigo Quincas, e no estado que ele estava decidiu que precisava ajuda-lo: “A necessidade de o regenerar, de o trazer ao trabalho e ao respeito de sua pessoa enchia-me o coração; eu começava a sentir um bem-estar, uma elevação, uma admiração de mim próprio...” Nisso caia a noite, e Brás foi ver Virgilia. Bastaram poucos minutos com ela, para que ele esquecesse os planos a respeito de Quincas: “Fui ter com Virgília; depressa esqueci o Quincas Borba. ”

P-67.    Passados alguns dias, Brás foi ao encontro de Virgilia, ele logo percebe um abatimento na mulher. Ela estava desconfiada que algumas pessoas estavam desconfiando do relacionamento dos dois: “Creio que o Damião desconfia alguma coisa. Noto agora umas esquisitices nele.... Não sei. Trata-me bem, não há dúvida; mas o olhar parece que não é o mesmo. Durmo mal; ainda esta noite acordei, aterrada; estava sonhando que ele me ia matar. Talvez seja ilusão, mas eu penso que ele desconfia...”  Após a explicação da mulher, Cubas teve uma ideia: fugir. De fugir. Iremos para onde nos for mais cômodo {...} onde vivamos um para o outro.... Sim? fujamos.

P-68.    Virgília recusou a proposta, com medo da reação de Lobo Neves. “— Não escaparíamos talvez; ele iria ter comigo e matava-me do mesmo modo. ”  Brás insistiu, mas Virgilia inventava novas desculpas. Virgília fez um gesto de espanto e quase indignação; murmurou que o marido gostava muito dela. ” Após isso chega Lobo Neves na chácara. “Justamente, nesse instante, apareceu na chácara o Lobo Neves.

P-69.    Lobo Neves convida Brás para jantar: “— Você janta conosco, doutor, disse-me Lobo Neves.”  Brás ficou para jantar, mas deixou aparecer sua irritação, e depois foi embora: “Era a primeira grande cólera que eu sentia contra Virgília. {...} Lobo Neves acompanhava-me com muita placidez e dignidade, e até com certa benevolência superior; e tudo aquilo me irritava também, e me tornava mais amargo e longo o jantar. Despedi-me apenas nos levantamos da mesa. ”

P-70.     No dia seguinte, Brás foi ver Virgília, que estava chorando pelo o comportamento de Brás no jantar: No dia seguinte, não me pude ter; fui cedo à casa de Virgília; achei-a com os olhos vermelhos de chorar. ” Depois de acalmarem-se e conversarem mais um pouco, chegaram a um acordo: teriam uma casinha para eles, mas não iriam fugir, pois ela não queria se afastar do filho e temia a reação do marido. “não deixo meu filho {...} estou certa de que ele me irá buscar ao fim do mundo.

P-71.    

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