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Prisão das mulheres: mudanças conjunturais

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Por:   •  7/11/2014  •  Projeto de pesquisa  •  1.495 Palavras (6 Páginas)  •  425 Visualizações

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Rosangela Peixoto Santa Rita – Assistente Social, mestre em Política Social pela Universidade de Brasília, coordenadora de ensino do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e membro do CRIMINA - grupo de estudos e pesquisas sobre criminalidade e sistema penal, inscrito no CNPq.

E-mail: ro.santarita@hotmail.com

Resumo: Este texto problematiza a relação entre o sistema penitenciário e algumas das particularidades do encarceramento feminino brasileiro. Dentro de uma perspectiva crítica, sinaliza algumas implicações da existência de uma não correspondência entre o expresso nos instrumentos legais e normativos que orientam as ações institucionais e a realidade que vivencia a mulher-mãe presa, tornando necessária a implantação e implementação de políticas públicas específicas para tal realidade, como forma de minimizar o poder discricionário das gestões penitenciárias que tanto tem contribuído para o desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Sumário: Reflexões Iniciais; 1. Prisão de mulheres: mudanças conjunturais; 2. Particularidades no cumprimento da pena; 3. Criança atrás das grades; 4. Um olhar sobre os Direitos Humanos; 5. Considerações Finais; 6. Bibliografia

Palavras-chave: Mulher – Prisão – Criança – Direitos humanos

Reflexões Iniciais

Um conjunto significativo de pesquisadores vem se dedicando a estudos sobre a problemática da violência e da criminalidade. Poucos, porém, se preocuparam especificamente com o sistema penitenciário, menos ainda com a prisão de mulheres. No contexto do encarceramento feminino quase inexistem estudos sobre a situação de mães com crianças atrás das grades.

É de conhecimento público que o sistema penitenciário vem passando por uma crise sem precedentes. Indicadores de superpopulação, ociosidade, violência, corrupção, más condições de habitabilidade, tortura, fazem parte do cotidiano das prisões brasileiras.

Dentro de uma perspectiva crítica da pena de prisão, importa mencionar que embora haja diversos tratados internacionais de humanização do cárcere, um dos grandes desafios do penitenciarismo atual é a compatibilização da prática penitenciária com as leis ou os regulamentos disciplinadores da execução penal, as constituições e os documentos internacionais, em que se elencam os direitos do preso. Parece não ser incorreto afirmar que o Brasil ainda que seja signatário dessas normativas, não possui um sistema penitenciário garantidor das leis.

Vale lembrar as concepções de Foucault e Goffman que já indicavam o paradoxo de instituições como a prisão, em que a lógica central é controlada por regulamentos administrativos e mecanismos de controle e punição, mesmo tendo discursos de “reabilitação do criminoso” - tese de que estes são sujeitos de direito e portadores de proteção legal.

Essas concepções revelam as falácias dos objetivos propostos pela pena de prisão, ainda mais quando se analisa a conjuntura atual de um Estado Penal fundado em pressupostos de seletividade e exclusão de determinados grupos sociais.

Nesse sentido, ocorrem os agravantes na condição penal sobremaneira para aquelas pessoas ainda mais fragilizadas e vulnerabilizadas pelo afunilamento da pirâmide socioeconômica. Acredita-se que o processo de “criminalização da pobreza” é um reflexo desse tipo de Estado Penal.

Observa-se ainda que as incidências penais se dão de forma mais sutis, seja por ação de preconceitos e estereótipos, no caso dos delitos das classes sociais economicamente menos favorecidas em detrimento dos delitos chamados “colarinho branco”. Ou seja, a criminalidade se estende a toda classe social, mas é desigual e regularmente distribuída de forma seletiva. Assim, para aquelas pessoas que não se enquadram nessa conjuntura sobram os caminhos da exclusão e da penalização.

Não querendo reforçar a relação direta e muitas vezes simplista entre criminalidade e exclusão social, o que se pode perceber é que as pessoas procedentes de classes com menor poder aquisitivo se tornam mais propensas à seleção da justiça criminal e não à prática de infrações criminais. Essa relação, portanto, fruto da produção social da sociedade capitalista, impôs a proliferação de uma pauperização em massa e conseqüente produção e reprodução de excluídos que, inseridos nas reestruturações econômicas e sociais atuais, ficam à margem da sociedade, gerando posturas diferenciadas de pessoas de diferentes classes sociais.

Isso significa, que a seleção do sistema penal tende a agir mais especificamente com uma minoria criminal, composta por pessoas com baixo status econômico, pois mesmo não tendo tendência a delinqüir, terão maiores chances de serem criminalizados e etiquetados como delinqüentes.

Aqui cabe mais uma vez citar Foucault, que já havia definido essa relação marcada por diferenças de poder na qual o crime se insere: “não há natureza criminosa, mas jogos de força que, segundo a classe a que pertencem os indivíduos, os conduzirão ao poder ou à prisão”.

Essa consideração de sistema punitivo marcado por uma tendência classista incide sobre a resposta do Estado neoliberal à priorização da ótica da segurança e repressão, reforçando uma prática tradicional do papel repressivo de um Estado Penal, distanciando-se, assim, de posturas democráticas, de inclusão social e de emancipação humana. Pode-se pensar que este quadro representa um risco e/ou uma estratégia política do Estado na atribuição aos indivíduos de suas dificuldades, dentro de uma concepção de “culpabilização” da pessoa pelo seu estado de pobreza.

O reflexo da minimização estatal e da conseqüente incapacidade de fazer frente às necessidades sociais transformou, por completo, os parâmetros precedentes de segurança e controle social no mundo inteiro, ante a incompatibilidade entre as motivações e metas do mercado dos sistemas democráticos, acarretando, assim, uma ampliação do poder simbólico e repressivo da pena de prisão.

Ao focalizar as questões sociais e criminógenas da contemporaneidade, estudos atuais não adentram sobre o fenômeno do crime de maneira isolada, mas inserido num amplo campo de contradições das estruturas sociais e econômicas. Wacquant revela o seguinte pensamento:

A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado Policial e Penitenciário” o “menos Estado econômico e social” que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do primeiro como do segundo mundo.

A reflexão acima se remete à análise desse Estado Penal predominante nas sociedades contemporâneas, em que a centralidade das ações de “solução de conflitos” propõe formas que enfatizam a ação direta e dispensa a intervenção do Estado. Nesse contexto, não há um afastamento de procedimentos normativos, pelo contrário, o Estado pune cada vez mais e o processo de endurecimento de penas vem atribuir obrigações cada vez maiores aos sujeitos, deslocando a capacidade de normatizar em direção à esfera privada.

Essa lógica liberal de preservação do capital com diminuição das responsabilidades sociais do Estado caminha para o que Wacquant chama de “ditadura sobre os pobres”, apresentando, assim, uma série de problemas nas relações sociais, econômicas e políticas, agravando os processos de orientação crescente de “criminalização da pobreza”. Fica claro que não é a miséria que produz a criminalidade, mas que a pobreza está sendo criminalizada de forma assustadora.

Como reflexo dessa conjuntura mundial de priorização do sistema punitivo frente às desigualdades sociais e à “criminalização da pobreza”, a realidade prisional brasileira, nos últimos anos, apresenta aumento considerável da população penitenciária, que está constituída, prioritariamente, de pessoas oriundas de classes com baixo poder aquisitivo. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN do Ministério da Justiça, fornecidos pelas Secretarias Estaduais que têm gestão sobre o Sistema Penitenciário, a população prisional aumentou de forma assustadora, passando de um total de 148.760 pessoas em 1995 para um total de 290.000 em 2003 e para 361.402 em 2005.

Nesses estudos do DEPEN, há uma estimativa da existência do equivalente a quase meio milhão de pessoas sob privação de liberdade nos próximos anos. E a mulher segue essa lógica de elevação dos índices de encarceramento.

Pode-se afirmar que o sistema penitenciário brasileiro, além de movido por indicadores de ineficácia do aspecto de reintegração social, vem funcionando como instrumento de segregação do indivíduo, vulnerabilizando ainda mais determinados grupos sociais.

Partindo destas considerações preliminares, procurou-se demonstrar, mesmo que sucintamente, a concepção de prisão e seus desdobramentos contemporâneos, como forma de entender melhor o tema que se intenta analisar neste texto. Se o decantado discurso de “reabilitação do criminoso”, sempre acompanhado de argumentos de que ele tem direitos de ser humano e direitos de proteção legal, não tem passado de retórica, como fica a mulher presa, já que se inclui em um segmento historicamente discriminado? Mesmo sabendo que a função basilar do cárcere não tem mudado ao longo dos tempos, apesar da introdução de práticas educativas e psicoterápicas, é urgente pensar em particularidades femininas na gestão prisional. Assim como é urgente pensar, por exemplo, no contexto da prisão para a criança que nasce e/ou permanece nesta, quando a ótica vigente é a de endurecimento de pena, imposta pelos mecanismos de segregação do Estado Penal.

Uma inquietação que se coloca nesta abordagem gira em torno da existência de uma temática relacionada com diversas políticas públicas e que está emoldurada numa tessitura penitenciária marcada pela falência institucional. O tema discutido neste trabalho expressa, assim, uma particularidade do sistema penitenciário brasileiro ainda invisibilizado pela agenda pública.

1. Prisão de mulheres: mudanças conjunturais

Em que pese a escassa pesquisa desenvolvida sobre esse fenômeno, ou seja, o envolvimento da mulher em atos delituosos, importa compreender os desdobramentos conjunturais vinculados à prática dessas condutas.

Sabe-se que o número de mulheres encarceradas é expressivamente menor que o dos homens, apesar de também estar aumentando em relação ao universo masculino, apesar de continuar sendo escassos os estudos dedicados à criminalidade feminina.

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