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Religião Ordem Social

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Por:   •  7/10/2013  •  6.597 Palavras (27 Páginas)  •  512 Visualizações

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Religião e (Des)Ordem Social: Contestado, Juazeiro e Canudos nos Estudos Sociológicos sobre Movimentos Religiosos*

Emerson Giumbelli

Pretendo, neste texto, problematizar certas questões depreendidas da análise de um conjunto de obras dedicadas a realidades históricas brasileiras comumente referidas pelas categorias de movimentos messiânicos ou movimentos religiosos rurais. É o caso dos episódios de Canudos, Juazeiro e Contestado e as referências aqui contempladas tomam como objeto um ou mais desses três movimentos históricos sertanejos. Muito já se escreveu a respeito deles e é certo que a multiplicidade e complexidade das dimensões que os envolvem continuarão suscitando investigações de composições variadas. Sendo assim, esclareço que minha atenção centra-se apenas sobre parte da bibliografia, cobrindo títulos publicados, quase todos, nas décadas de 60 e 70: Della Cava (1975; 1977), Facó (1965), Mourão (1974), Queiroz [M.I.] (1957; 1977), Queiroz [M.V.] (1977) e Monteiro (1974; 1977)1.

O recorte temporal é, na verdade, resultado de um outro critério, este sim determinante: trata-se de estudos que pretendem introduzir, em relação a determinado conjunto de textos anteriores, uma ruptura marcada, seja pela apresentação de uma perspectiva distinta de análise, seja pela crítica e questionamento de fontes de dados até então utilizadas. O que singulariza tal perspectiva e tal crítica é exatamente a orientação propriamente sociológica imprimida a todos esses trabalhos. Aplicado esse critério, o universo obtido sinaliza os limites aproximados de um debate, já que os autores desses estudos se reconhecem uns aos outros como referências autorizadas sobre seus objetos, ao mesmo tempo que polemizam entre si no plano das conclusões da análise. O fato de que esse debate ocorra em termos sociológicos responde pela atualidade de que desfrutam essas referências, distinguindo-as de outros conjuntos de textos que, em momentos diversos, podem ter também reivindicado a introdução de rupturas quanto a seus antecessores. Ou seja, mesmo as pesquisas mais recentes a respeito dos movimentos religiosos de Juazeiro, Canudos e Contestado participam dos marcos epistemológicos, do tipo de apreensão e da natureza das preocupações levantadas por análises que datam de pelo menos duas décadas atrás. Proponho, então, um exame dos argumentos e dos esforços interpretativos aí encontrados, deixando a outros a tentativa de mostrar a relação entre essa bibliografia e os estudos mais recentes.

Um rápido comentário sobre alguns dos textos selecionados demonstrará melhor o sentido da ruptura assinalada. Na última parte de seu trabalho sobre o movimento do Contestado, Queiroz (1957) sistematiza e procura refutar as diferentes interpretações a que foram submetidos os movimentos messiânicos no Brasil: o argumento biológico, afirmando inferioridade física ou mental do mestiço; o argumento patológico, que classifica tais movimentos como fenômenos de loucura coletiva; a tese do "choque cultural" entre populações civilizadas do litoral e as atrasadas do interior; a determinação de fatores sociológicos, sem que até então se tivesse produzido um estudo da organização social característica do local onde o movimento foi deflagrado. Ou seja, tratava-se de justificar a novidade que sua análise introduzia em termos da perspectiva adotada2. Um exemplo de como também procura-se estabelecer a ruptura quanto às fontes de dados é o livro de Della Cava (1977) sobre o movimento de Juazeiro. Da enorme bibliografia que arregimenta para seu estudo, à maior parte dos títulos aplica as categorias "sensacionalista", "tendencioso"," controvérsia eclesiástica" e "estudos psicológicos". Bem poucas são as referências que saem ilesas do seu crivo, consideradas isentas ou totalmente confiáveis3. E porque esse é um procedimento generalizado entre esses autores, existe toda uma preocupação de controle com relação às fontes utilizáveis, o que justifica consultas a materiais de arquivo e entrevistas com remanescentes dos movimentos estudados4.

As referências aqui analisadas incluem-se, com muitas outras, na resenha crítica empreendida por Alba Zaluar (1986:143), para quem esses estudos estariam profundamente orientados por" uma teoria geral do messianismo e do milenarismo, enquanto fenômeno social específico". Sem procurar invalidar essa proposição, neste texto levanto questões cujos referenciais ultrapassam os marcos das teorias do messianismo, o que se tornou possível a partir da percepção de que nem todos os trabalhos mencionados realizam discussões com base na categoria de messianismo. Certamente, boa parte da obra de Maria Isaura Pereira de Queiroz contribuiu diretamente para a construção dessas teorias; também Maurício Queiroz (1977:14, 250 e ss.) reconhece explicitamente a pretensão de discutir, a partir da situação do Contestado, a "teoria do messianismo em geral". Entretanto, encontramos outras escolhas e ênfases. Duglas Monteiro (1974), sem deixar de falar em messianismo, adota em sua análise do movimento do Contestado uma perspectiva que é muito mais uma conjunção de uma sociologia do meio rústico e uma sociologia da religião; em outro texto (idem, 1977), prefere utilizar as categorias de "movimentos rurais" e" movimentos sociais". Também para Mourão (1974), a análise de um caso de messianismo decorre de sua preocupação com os mecanismos de elaboração ideológica dos grupos dominados e marginais. Facó (1965), de modo semelhante, interessa-se pelos "fanáticos" na medida em que lhe revelam uma "religião popular" em sua contestação à ordem dominante. Finalmente, nos trabalhos de Della Cava (1977:17-18), o reconhecimento dos aspectos milenaristas dos movimentos de Contestado e Canudos cede lugar à ênfase na categoria de "movimentos populares de cunho religioso" e na construção de sua "história política".

Depois disso, já é possível indicar a perspectiva que servirá de referência para a análise desses textos, através da formulação de dois núcleos de interrogações. Todos esses estudos estão às voltas com as condições sociais de eclosão de movimentos como Contestado, Juazeiro e Canudos. Como veremos, todos eles se referem a "crises" que atingem as formações sociais e explicam o surgimento desses movimentos. Daí um primeiro grupo de questões: como as formações sociais são caracterizadas e com que tipo de dinâmica estão envolvidas? Que estatuto tem a "crise", a ponto de provocar a necessidade de uma reação que se cristaliza em um movimento social? Como a "crise" se processa

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