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Tarkovski: Esculpindo o Tempo

Por:   •  4/4/2016  •  Ensaio  •  2.825 Palavras (12 Páginas)  •  251 Visualizações

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Tarkovski: Esculpir o Tempo

“A arte não raciocina em termos lógicos, nem formula uma lógica do comportamento; ela expressa o seu próprio postulado de fé.” (TARKOVSKI, Andrei)

Contrapondo o artista e seu público, a obra e seu criador, e a dicotomia entre a ciência e arte - Andrei Tarkovski se aprofunda nos mares da imagem e da estética.

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        Dotado do fardo da consciência, desde o berço o homem passa pelo torturante processo de autoconhecimento. Tudo lhe é novo e sem aparente razão; cabe a ele dar sentido ao desconhecido. Em busca de explicações para nossos conflitos existenciais estabelecemos eternamente uma correlação entre nós e o mundo; atrás de uma verdade absoluta, um ideal utópico. A arte está para o homem como um instrumento de assimilação, um caminho em direção à esse ideal. Ela deve ser usada como uma busca para o sentido da vida, e portanto, da morte. Uma obra prima tem poder transcendental; é capaz de elevar o espírito do ser humano à um estado de comunhão; quebrando barreiras entre o real e abstrato e depositando em nós as ideias de um artista. Após completa, uma obra se torna atemporal, infinita; ela se relaciona com diferentes pessoas, em diferentes tempos tendo sobre elas efeitos distintos. "Fica perfeitamente claro que o objetivo de toda arte - a menos, por certo, que ela seja dirigida ao consumidor, como se fosse uma mercadoria - é explicar ao próprio artista, e aos que o cercam, para que vive o homem, e qual o significado de sua existência. Explicar às pessoas, a que se deve sua aparição nesse planeta, ou, se não for possível explicar, ao menos propor a questão.” (TARKOVSKI, Andrei página 38)

        Contrário à ciência, a arte não almeja uma única resposta, a verdade expressa pelos artistas é a sua própria experiência de vida. Não existe apenas uma máxima absoluta - cada obra é uma reflexão singular de um tempo vivido por seu autor. Ainda que mantenha-se fiel à realidade, o universo criado pelo artista se opõem em totalidade à vida real, pois remete ao seu próprio mundo. Cada pintura, cada livro e filme são microcosmos; lotados de subjetividade. O artista mostra-nos os diversos aspectos da realidade sob seu prisma do mundo; é necessário expressar seu ponto de vista - sua verdade. Ele é capaz de refletir em nós sua leitura singular da vida. Sua obra não deve ser vista como uma descrição, atada à nossa concepção do real, mas uma assimilação do mesmo dentro do seu próprio universo e processo de criação. “A imagem artística é sempre uma metonímia em que uma coisa é substituída por outra, o menor no lugar do maior” (TARKOVSKI, Andrei, página 41).  

        Para retratar uma versão pessoal de seu meio; ele deve aceitar que é fruto do seu tempo e das pessoas com quem convive, somente assim, trará à tona questões universais, vistas sob o seu olhar. O artista não é o senhor da situação, mas um servo, está acorrentado à tarefa de retratar a verdade. A obra floresce dentro dele em um processo involuntário e não arbitrário. A consciência proporciona ao homem o poder de reflexão, resultando em certas perguntas que não podem ser respondidas. Essa inquietação é o que move um artista. “A obra de arte vive e se desenvolve, como qualquer outro organismo natural, através do conflito de princípios opostos.” (TARKOVSKI, Andrei, pagina 52). Um artista então deve-se manter verdadeiro à real função da arte - o questionamento. Fazer arte para as massas com finalidade financeira é uma heresia; o criador abdica do posto de artista - deixa ser guiado por ideias e sentimentos que não são seus - e, portanto, falhará na sua missão.

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        Há uma linha tênue entre manter-se fiel à suas leis e criar uma obra que não será assimilada pelo público. Um diretor de cinema não pode fazer um filme tão abstrato que não atinja nenhum indivíduo sequer. Ainda que não seja a massa dominante, e por menor que seja, é necessário um diálogo com o público, uma identificação do observador perante à obra do criador. Só então o verdadeiro dever do artista estará completo. A arte é seletiva em seu efeitos sobre o público, por isso ela se relaciona com cada um de maneira diferente. Mesmo no cinema ou teatro, ditas artes coletivas, os efeitos provocados pela obra sob o indivíduo estão relacionado às mais intimas emoções de ambos, artista e espectador. No entanto o criador procura através de sua obra atingir o máximo de pessoas possíveis. Ele é o porta-voz de tudo o que pensamos e sentimos, um interlocutor entre o físico e o espiritual. A ânsia da criação vem de dentro para fora no criador, porém a missão de um artista só será completa após a assimilação do público. Tarkovski acredita que nenhum artista trabalharia se soubesse que sua obra jamais seria vista por alguém. O artista depende de seu público, e ele quem completa seu caminho espiritual, é ele quem o força à honestidade pura. Após a conclusão de uma obra ela está entregue ao julgamento do público; o autor não pode esperar que sua criação seja entendida como ele a imaginou. Ele materializa sua visão de mundo e a apresenta ao espectador, a partir deste momento o público incorpora a verdade do artista à sua própria.

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        Por mais complexa ou profunda, se verdadeiramente honesta, a obra está destinada à encontrar um público e despertar nele as motivações que inspiram um criador. Anulamos da questão a arte para as grandes massas - o cinema como industria - se o artista busca apenas uma compreensão de uma maioria não será capaz de produzir algo com conteúdo relevante. ´As longas discussões sobre o fato de uma obra fazer sentido para a chamada "grande massa" do público — para alguma mítica maioria — servem apenas para obscurecer toda a questão do relacionamento entre o artista e o público: em outras palavras, a questão de como o artista se relaciona com o seu tempo.´ (TARKOVSKI, Andrei, página 200). A relação entre o artista e o público é uma via de duas mãos, o artista depende de um espectador; porém, deve manter-se fiel à si próprio, a caminho da verdade. Novamente vale reforçar que uma obra não pode ser de um nível tão abstrato que não encontre de fato algum público. As obras de Tarkovski são embuídas de subjetividade, o diretor trabalha em planos de diferentes dimensões, todos enraizados em sua personalidade e visão de mundo. Ao assistir seus filmes pela primeira vez, muitos enfrentam grande dificuldade de compreensão ou até mesmo identificação. Apesar da pessoalidade de seus filmes há uma outra grande parcela de pessoas que se relacionam com suas obras, veem nelas uma relação instrínseca entre o seu mundo e o do diretor. Suas obras provocam questionamentos em nós; buscamos compreender as aspirações que motivaram o realizador- adentramos, portanto, o mundo de Tarkovski - seu tempo.

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