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A CRUELDADE E A AGRESSIVIDADE EM NIETZSCHE

Por:   •  7/4/2020  •  Pesquisas Acadêmicas  •  3.766 Palavras (16 Páginas)  •  177 Visualizações

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A CRUELDADE E A AGRESSIVIDADE EM NIETZSCHE

O campo investigativo do nosso trabalho é a exploração do papel dos instintos de crueldade e de agressividade na filosofia de Nietzsche, posto que fazem parte da constituição orgânica do homem e de como eles foram canalizados durante o processo civilizatório. A primeira parte do nosso trabalho tratará sobre esta composição orgânica e a segunda se deterá na explicitação da passagem do ‘bicho-homem’ para um ser ‘capaz de fazer uma promessa’: como o homem salta de sua mera condição biológica para se tornar um ser de cultura. Em seguida, estudaremos como a cultura reprimirá os instintos e será manifesta em determinadas ocasiões, como nos castigos, por exemplo. Por fim, a terceira parte, discutirá sobre a ‘jardinagem dos instintos’ e de sua sublimação como forma de refinamento do homem.

I – O HOMEM ENQUANTO SER ORGÂNICO.

II – DO ‘BICHO-HOMEM’ PARA O SER ‘CAPAZ DE FAZER UMA PROMESSA’ – A REPRESSÃO DOS INSTINTOS E A CULTURA.

O que suaviza, pois, em nós a civilização? A civilização elabora no homem apenas a multiplicidade de sensações e absolutamente nada mais. E, através do desenvolvimento dessa multiplicidade, o homem talvez chegue ao ponto de encontrar prazer em derramar sangue. Bem, isto já lhe aconteceu. (Dostoievski – Memórias do Subsolo). ANO, PG.

A primeira pergunta que podemos fazer é como o ‘bicho-homem’ se tornou um ser capaz de fazer promessas, isto é, como um ser dotado de esquecimento, pode criar uma faculdade oposta? Precisou, durante este processo civilizatório, desenvolver a memória, a fim de que pudesse se comprometer no futuro, dando a palavra dada no presente. Com certeza, foi inevitável passar pelo sofrimento de ser cerceado pela cultura .

Em Sobre Verdade E Mentira No Sentido Extra-Moral, encontramos este momento que será posteriormente aprimorado na Genealogia da Moral. Naquela lemos:

Á medida que o indivíduo por necessidade e tédio quer conservar-se diante de outros indivíduos (...) quer viver social e gregariamente, tem necessidade de estabelecer a paz e procura em conformidade, fazer com que desapareça de seu mundo ao menos o mais grosseiro bellum omnium contra omnes.” (NIETZSCHE, 1987, p. 66).

Diferentemente das teorias contratualistas, Nietzsche entende que o homem sempre viveu em bandos, mas quando por necessidade e tédio precisou criar algumas leis, sempre de caráter arbitrário, para que pudesse viver em comunidade, em primeiro lugar, precisou desenvolver uma faculdade oposta ao esquecimento.

Criar um animal que pode fazer promessas - não é esta a tarefa paradoxal que a natureza se impôs, com relação ao homem? Não é este o verdadeiro problema do homem?... O fato de que este problema esteja em grande parte resolvido deve parecer ainda mais notável para quem sabe apreciar plenamente a força que atua de modo contrário, a do esquecimento ”. (NETZSCHE, 1998, p. 47)

Para Nietzsche, instintivamente o homem vive do esquecimento, a constituição orgânica do homem, como a de todos os outros animais, tem na faculdade do esquecimento uma força inibidora ativa. Todavia, no processo civilizatório, o homem teve que inventar para si uma nova faculdade: a memória. Nietzsche, porém, enfatiza a importância do esquecimento para a vida, pois não é possível viver saudavelmente sem esquecer:

Fechar temporariamente as portas e as janelas da consciência; permanecer imperturbado pelo barulho e a luta do nosso submundo de órgãos serviçais a cooperar e divergir; um pouco de sossego, um pouco de tabula rasa da consciência, para que novamente haja lugar para o novo, sobretudo para as funções e os funcionários mais nobres, para o reger, prever, predeterminar (pois nosso organismo é disposto hierarquicamente) - eis a utilidade do esquecimento, ativo, como disse, espécie de guardião da porta, de zelador da ordem psíquica, da paz, da etiqueta: com o que logo se vê que não poderia haver felicidade, jovialidade, esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento ”. (NETZSCHE, 1998, p. 47).

Portanto, encontramos o primeiro elemento fundamental da passagem que coloca o homem no limiar do processo civilizatório: a criação de uma memória frente à uma força poderosíssima, o esquecimento.

O segundo passo foi desenvolver uma ‘memória-da-vontade’, isto é, não adianta apenas se lembrar das regras e leis recentemente estabelecidas, agora cabe preservar e manter a comunidade que começa a se consolidar mediante as relações contratuais de compra e venda – passo decisivo no processo civilizatório – já que ao comprar algum produto a longo prazo, terá que prometer que continuará querendo, mesmo após algum tempo, aquilo que quer hoje, ou seja, o homem do esquecimento precisou desenvolver uma ‘memória da vontade’, tornando-se capaz de prometer por si no futuro. Portanto, um ser responsável. O professor Osvaldo Giacóia comenta essa passagem:

Esse problema se deixa deslindar a partir da reflexão sobre o ato de prometer, pois a promessa tem como condição de possibilidade a lembrança da palavra empenhada... arrancando o homem da prisão do instante e do esquecimento, tornando possível o prever, o calcular... uma agir efetivo como efeito na cadeia da vontade, como seu resultado futuro”. (GIACÓIA Jr., 2008, p. 198)

O recuo hipotético na história desenvolvido pelo método genealógico traça a importância das leis - sempre de caráter arbitrário, pois cada comunidade possui seu a priori de valores - que deveriam ser seguidas e obedecidas por todos os membros daquela comunidade. Esta é a longa história da origem da responsabilidade: “a tarefa mais imediata de tornar o homem até certo ponto necessário, uniforme, igual entre iguais, constante, e, portanto, confiável. O imenso trabalho daquilo que denominei ‘moralidade do costume ’”. (NIETZSCHE, 1998, p. 48)

Segundo o pensador, os homens se esqueceram de que foram eles os criadores destas leis com o tempo e assim foram adquirindo o estatuto de que seriam sagradas, gerando os costumes e a própria moral . Além disso, a necessidade de tornar o homem um ser estável se fazia prioritária, já que toda a vida social e econômica dependia dos contratos e da palavra empenhada entre credor e devedor.

Para o autor, no final desse processo deveria se encontrar o “indivíduo soberano, igual apenas a si mesmo, novamente liberado da moralidade e do costume, indivíduo autônomo supramoral, em suma, o homem da vontade própria, duradoura e independente, o que pode fazer promessas ”. (NIETZSCHE, 1998, p. 49). Nesse homem está encarnada a consciência de poder e liberdade, ele é sua própria medida

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