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Família Escrava, Demografia e Mestiçagens: Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé

Por:   •  4/11/2019  •  Pesquisas Acadêmicas  •  6.005 Palavras (25 Páginas)  •  99 Visualizações

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1. Família escrava, demografia e mestiçagens: Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé (RJ), c.1798-c.1850

2.      APRESENTAÇÃO DO TRABALHO:

              O trabalho a seguir foi realizado entre Março e Setembro de 2016 e tem como objetivo analisar as tentativas e estratégias de mestiçagens e ascensão social, definindo como recorte espacial a Freguesia de Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé (Rio de Janeiro). Para tanto cruzaremos fontes primárias encontradas nos registros paróquias de batismo desta freguesia – até o momento já foram analisados 250 registros – que foram transcritas em um banco de dados criado no Microsoft Office Excel.

A importância do projeto se configura na ideia de construir na Freguesia do Sertão de Macaé uma “história vista de baixo”, proposta e encabeçada principalmente por E. P. Thompson, que rompe com os moldes de uma historiografia tradicional e elitista. Portanto, pensada nas massas que por muito foram esquecidas que tiveram um papel fundamental no processo histórico. Nele, elas se articularam, barganharam e buscaram a resistência através de diversas formas.

Além disso, tem-se também a importância da região analisada para o período de escravidão no Brasil. Segundo Sheila de Castro Faria, A Freguesia do Sertão de Macaé, obteve o maior índice de aumento demográfico da Capitania de São Tomé - ou posteriormente capitania Paraíba do Sul. Esse aumento deve-se grandemente a entrada de escravos na região, chegando a ser a terceira freguesia em proporção de escravos e seus descendentes.

Temos por objetivo, portanto, buscar perceber as iniciativas cotidianas realizadas pelos escravos – tentando entender a estrutura familiar dos indivíduos que compunham essa sociedade, entre fins do século XVIII e início do XIX, e como esse relacionamento afetava a sua realidade e perspectiva de futuro.

Essa pesquisa faz parte de um trabalho, em andamento, sobre os registros de batismos da Freguesia de Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé, Província do Rio de Janeiro, ao longo do século XIX, e que demonstra mestiçagens possíveis de serem percebidas nos assentos paroquiais. O resultado destas miscigenações legou aos batizandos cores/qualidades que não necessariamente eram as mesmas que as de seus pais e/ou mães e que, como veremos, também não possuíam um padrão. Essa miríade de “cores/qualidades” demonstra uma multiplicidade de designações ao que parece, não ligadas necessariamente, à tez da pele. Elas eram indicativas de identidades culturais que marcaram o cotidiano dos mestiços naquela sociedade oitocentista.

2.1 RESUMO DO PROJETO:

O estudo da demografia e do cotidiano escravo é importante para pensar e entender a organização social daquela sociedade. Os registros paroquias se projetam como uma das principais fontes através da qual pode-se fazer uma profunda análise de como eram organizadas e pensadas as relações sociais vivenciadas pelos próprios indivíduos. Neste ponto a mestiçagem ocupa um lugar primordial no dia a dia do escravo. Por meio dela o individuo buscava de certa forma melhorar o lugar social que se encontrava, buscando a conquista de uma melhor “cor/qualidade” – que definia em grande parte a organização social dessa sociedade. Não necessariamente um filho herdava as características e qualidade dos pais, ocorrendo, não de forma rara, que os pais conseguissem uma “qualidade” dita “melhor” para seus filhos.

A importância desses registros eclesiásticos é gigantesca para o ponto de vista histórico levando em consideração que eles eram praticamente as mais importantes fontes documentais do país, onde pode-se analisar de forma mais aprofundada um indivíduo que se encontrava escravo. Através dos registros de batismo/casamento, o indivíduo tinha basicamente seu lugar na sociedade pré-estabelecido e esses documentos forneciam características que poderiam limitar consideravelmente esse lugar. A exemplo disso, temos o seu lugar na sociedade, estabelecido pelo leque dado a sua cor/qualidade - preto, pardo, mulato, etc – que estavam não necessariamente ligados somente ao fenótipo, mas principalmente ao lugar social que aquele individuo ocupará.

Essa multiplicidade de designações mestiças utilizada pelas sociedades escravistas, inclusive nos seus documentos oficiais, demonstra a sua complexidade. Ao mesmo tempo, aponta que categorias como as de cor/qualidade não eram estanques no tempo, ou seja, seus “significados” foram variando/circulando ao longo dos séculos, sendo utilizados tanto pelos grupos de elite quanto por aqueles sobre os quais recaiam mais fortemente as mestiçagens. A categoria “cor”, às vezes podia ser relativa e muito imprecisa e sua definição podia variar no tempo e no espaço. Ela era utilizada para demarcar/identificar/distinguir/classificar lugares sociais e, portanto, insidia sobre o cotidiano das pessoas. A grande categoria “qualidade” compartilhava esses aspectos, mas se lastreava na origem dos indivíduos, na ascendência familiar, por vezes, na cor de pele e até mesmo em crenças religiosas. Ambas se confundiam e se complementavam e nomeavam os “tipos” humanos produzidos no mundo ibero-americano”.[1]

Portanto, essas designações mestiças – “esse léxico das mestiçagens”, nos dizeres de França Paiva - não foram utilizadas/compartilhadas apenas verticalmente – pelas autoridades e o Estado, mas também horizontalmente:

(...) é fundamental compreender que elas [as grandes categorias de distinção] foram operadas pelos vários grupos sociais, ainda que de maneiras diferentes, com intensidades e motivações distintas, que as conheciam, compreendiam e, também, valoravam. Não se trata de arsenal classificatório imposto de cima para baixo, operado pelas mãos representantes de estados absolutos, mesmo que essas categorias também ajudassem os administradores e autoridades representantes das coroas ibéricas a organizarem as sociedades ibero-americanas e a manterem o domínio de espanhóis e portugueses.[2]

Para os pais, mães, inocentes/adultos, padrinhos, madrinhas as cores/qualidades que lhes foram atribuídas (por clérigos, recenseadores, etc), e que também podiam ser atribuídas a eles por seus responsáveis, indicavam um lugar social/hierárquico e não necessariamente diferenças de cunho racial.

De acordo com Isnara Pereira Ivo, em estudo sobre o período colonial, mas que pode ser pensado para o império, é impossível estabelecer critérios raciais para classificar essas populações, pois as designações “branco, preto, negro, mulato, pardo, cabra, mestiço ou crioulo dizem mais sobre a heterogeneidade cultural existente no Brasil colônia do que sobre as especificidades ‘raciais’” A imprecisão dos termos, muitas vezes oriundas das instituições administrativas, e porque não dizer religiosas também, torna de difícil entendimento as designações dos grupos que compunham essas sociedades.[3] Neste sentido, um estudo sobre a família escrava, baseado nas fontes já citadas pode nos ajudar a pensar essas questões, para tentarmos compreender quais os significados e as utilizações feitas desse “léxico das mestiçagens”.

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