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O Modelo Da Lepra

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Por:   •  18/6/2013  •  8.133 Palavras (33 Páginas)  •  523 Visualizações

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O modelo da lepra (exclusão) e o modelo da peste (inclusão)

Foucault chama a atenção [na aula de 15 de janeiro de 1975, ministrada no Collège de France, publicada na coletânea do Curso de 1975 sob o título de Os Anormais (2001a)] para dois processos, um ligado a lepra e o outro a peste, para pensar a idéia de exclusão/inclusão na modernidade.

Durante a Idade Média a estratégia defensiva da sociedade frente ao problema da lepra era a exclusão, a rejeição do leproso, a expulsão para fora dos muros da cidade. Era a estratégia da não-aproximação, do afastamento e do não-contato que regia essa lógica defensiva da urbe. O leproso encarnava a idéia da morte, da decomposição da carne, aquele que vivia um mundo dos mortos em vida. Não é sem sentido que a exclusão do leproso era cercada por um cerimonial fúnebre. Ao serem expulsos para um mundo exterior e estrangeiro, os leprosos eram declarados mortos e tinham seus bens transmissíveis (Ver: Foucault, 2001a: 54).

A prática da exclusão permanece como mecanismo defensivo até o final do século XVII. Em meados do seiscentos, em pleno período das guerras religiosas, se excluíam da cidade os mendigos, os vagabundos, os libertinos e os imorais. Até o século XVII, os loucos era "excluídos" da cidade, eram entregues a mercadores e peregrinos que os levavam de uma região a outra. Segundo Foucault, "os loucos tinham então uma existência facilmente errante" (1989: 9) e eram colocados em circulação até porque, "se ele (o louco) não pode e não deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram-no no lugar de passagem" (Idem: 12), como bem representa a alegoria da Narrenschiff (Nau dos Loucos) de Boch. A idéia de limiar é importante pois revela a não fixidez da loucura na Idade Média. Nessa direção, o louco não é nem excluído nem incluído mas sim é pensado no entre-lugar da ordem e da desordem, num ponto de indefinição. Sua circulação revela ainda a não apreensão da loucura por um saber, por um saber que fixa e define sua espacialidade, portanto, sua relação com o poder.

Mas a partir do século XVIII começa a se delinear uma outra prática defensiva da cidade, que Foucault relaciona ao modelo da peste.

O modelo da peste revela uma nova tecnologia de defesa social que se articula no interior da própria sociedade. É, no dizer de Foucault, "um modelo de inclusão do pestilento" (2001a: 55). Quando uma cidade era declarada em quarentena devido a identificação da peste, ao contrário da caça aos pestilentos para serem expulsos o que ocorria era o fechamento da cidade e, a partir daí, um minucioso mapeamento, um criterioso policiamento do território urbano que era esquadrinhado a partir de distritos, os distritos em quarteirões e estes ainda em ruas. O que se organizava então era um "eficiente" sistema de vigilância, fortemente hierarquizado, composto de sentinelas de casas, vigias de ruas e quarteirões e no topo desta "pirâmide de poder", o governador da civitas. Tudo o que era observado era registrado e os cidadãos deviam informar seus nomes e endereços. Todo o dia os vigias realizavam a inspeção das casas chamando os moradores pelos nomes. Aqueles que não se apresentavam à janela é porque estavam no leito, portanto, doentes: era necessário intervir. As informações, assim detalhadas, forneciam uma "cartografia" da peste na cidade, uma "demografia" dos pestilentos. No caso da "prática" ou "modelo da peste", segundo Foucault, "não se trata de expulsar, trata-se ao contrário de estabelecer, de fixar, de atribuir um lugar, de definir presenças, e presenças controladas. Não rejeição, mas inclusão" (2001a: 57). Aqui não é o distanciamento e o não-contato que rege a lógica da inspeção mas sobretudo a aproximação e a individualização, a observação e o acúmulo de informações.

A prática da inspeção desenvolvida no cenário da peste fornece o modelo burocrático das monarquias, ela implica numa nova estratégia de poder e controle social, controle baseado em informações precisas, que necessitam aproximação e preservação do objeto informativo, no caso, o pestilento. A prática da peste inaugura uma forma de poder capilar, que age não sobre o corpo social mas no corpo social; poder que, segundo Foucault, "encontra o nível dos indivíduos, atinge seus corpos, vem se inserir em seus gestos, suas atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua vida cotidiana" (1990: 131). O poder ainda segundo o autor, "categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele" (Foucault, 1995: 235). Podemos considerar que este modelo oriundo da prática da peste é correlato ao modelo do Panóptico de Jeremy Bentham (1748-1832) (ver edição de 2000), que no século XIX será a matriz tanto do bio-poder quanto da vigilância e da disciplina modernas, como veremos abaixo. O Panóptico, como o modelo da peste, é inclusivo poisinstitucionalizador, individualizador, pois parte do exame e da observação ininterrupta. É a inclusão que vai caracterizar a modernidade ou a chamada sociedade disciplinar, no dizer de Foucault.

Mas não tomemos o termo inclusão como um conceito unívoco, ele possui aplicabilidades muito heterogêneas, o que não autoriza falar que na modernidade não assistimos a processos de exclusão. Isso pressuporia uma concepção ideal de modernidade e ainda uma crença na razão totalizante. O que queremos afirmar, mesmo provisoriamente, é que a modernidade se constitui a partir da dinâmica da inclusão/exclusão, da racionalização metódica da inspeção, do exame e do controle disciplinar que normaliza a partir de uma estratégia de saber-poder.

O modelo da peste antecipa os saberes positivos acerca da inclusão institucional como a priori da tecnologia disciplinar, cujo panoptismo é o melhor exemplo. Não é um saber que se antecipa a uma prática mas um saber formado a partir de um dispositivo que liga o poder e o saber, cujos efeitos se multiplicam nutrindo-os incessantemente. Segundo Foucault, "passou-se de uma tecnologia do poder que expulsa, que exclui, que bane, que marginaliza, que reprime, a um poder que observa, um poder que sabe e um poder que se multiplica a partir de seus próprios efeitos" (2001a: 60). O poder moderno "não age por exclusão, mas sim por inclusão densa e analítica dos elementos" (Idem: p. 60. Grifos meu). A inclusão é a condição da governabilidade, ela permite a incorporação, o controle e a "transformação" calculada dos indivíduos, permite, assim, a formação de

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