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A Carta a Guimarães Rosa

Por:   •  13/11/2018  •  Seminário  •  494 Palavras (2 Páginas)  •  254 Visualizações

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João Guimarães Rosa

Céu, lar do Senhor.

Sem número.

Sr. Escritor

Céu, de outro lugar.

17/08/1987

Caro Senhor Escritor,

Sinto receber notícias de sua chegada ao Paraíso, meu lar por tempos. Entretanto, fico feliz, de alguma maneira, pois poderemos nos comunicar mais legalmente.

Sinto, também, saudade do meu interior, do arrasta-pé arretado e de amarrar o jegué de todos os dias, dos cabra bom e dos cabra da peste que por lá viviam. Sinto saudade das morenas. Acho, inclusive que acabo de me apaixonar aqui mesmo, avalie só! Esses dias-anos vi uma alma cebosa que me deixou todo abestalhado, olha só, e agora, José?

Vivi minha vida amando minha casa, meu sertão brasileiro, ainda não sei como vivo-me longe de lá.

Por estas bandas aqui, temos muita diversão também. Esse povo lá embaixo acha que a gente aqui é chato e monótono. Chatos e monótonos são eles, aqueles basbolhocões, só pensam naquilo, naquilo e naquilo. Dinheiro, dinheiro e dinheiro. Nunca vi. Evito até olhar lá para baixo para não ver a basbalhoquice que estão fazendo com meu sertão. Acordar, trabalhar, dormir, acordar, trabalhar, dormir. Aqui é todo dia uma banda diferente. A anjada ouve até quem ainda aqui não chegou. Rapaz, se tem uma coisa que eu posso dizer aqui do nosso Sinhô é que ele não deixa faltar um arrasta-pé dos bons um dia aqui também.

É uma coisa maravilhosa. Por vezes penso se não fui para o lugar errado e fui parar em Valhala. É uma gentaiada meio esquisita, mas animada. Todo mundo aqui se conhece né, Escritor, logo você vai ver, são todos bem acolhedores, vais gostar. O nosso Professô traz um monte de gente famosa pra cá todos os dias, você vai amar conhecê-los. Tem uns cabra ruim aqui também, mas deixa eu te dar um bizu, não arrodeia eles não, que se não o Manda-Chuva fica bravo com você, rapaz, rapaz. O Doutô fala que todos têm que acolher a todos e tratar a todos de maneira igual, e, é claro, muito bem. Fico muito feliz por isso, pois aqui todos somos tratados da mesma forma, dos que eram pobres aos que eram ricos, dos santos aos pecadores. Aqui aqueles que viviam em más condições agora vivem, bem, no Paraíso, coisa que não acontece lá embaixo, nem mesmo no sertão, disso não sinto saudade, da desigualdade, da miséria, da falta de condições de vida. Mas dito isso, pode saber que os cabra ruim na verdade são cabra bom agora. Não sei o que acontece, Gauche, os caras só vêm bons, nem parece que fizeram um monte de trem ruim lá embaixo.

Então, Gauche, acho que disse o que tinha que te dizer. Dando-lhe as boas vindas à sua nova casa. Sinto sim falta da antiga, mas logo perceberá que esse aqui é seu verdadeiro Lar, seu Sertão, de nós todos.

Escreva-me logo, se puder. A chegada sempre é meio corrida, por causa das aquentosas boas vindas, mas assim que puder, por favor, escreva-me. Um abraço!

Atenciosamente,

João Guimarães Rosa.

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