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A Neve do Almirante - narrativa de viagem como foco

Por:   •  6/11/2015  •  Trabalho acadêmico  •  1.765 Palavras (8 Páginas)  •  269 Visualizações

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A Neve do Almirante: A narrativa de viagem como foco

Tal modalidade literária — as narrativas de viagem — consiste, principalmente, no registro do escritor acerca de um lugar, privilegiando fatos ou o que melhor se molde ao seu interesse narrativo. Na maioria das vezes, os textos resultam de laboriosa pesquisa e revelam a preocupação com o que já tinha sido dito e com o destinatário, mesmo quando existe a afirmação que não se pretendia publicá-los, como se pode verificar do trecho logo abaixo citado, a julgar pelas informações minuciosas e pela literariedade presente na maioria deles, é difícil acreditar nesta intenção e imaginar que tais relatos se destinavam a ficar confinados numa única gaveta ou circulando em poucas mãos. Como no caso do Diário do Gaveiro perdido dentro de um livro num sebo em Barcelona. Fato esse relatado na obra “A Neve do Almirante” do celebrado romancista e poeta colombiano Álvaro Mutis, contemporâneo de García Márquez, autor de Poesias compõe uma das sete novelas da série do personagem Maqroll, o Gaviero.

“Está difícil para mim continuar escrevendo este diário. Não sei definir bem,mas boa parte do que vinha escrevendo tinha a ver com sua presença.não que eu pensasse que ele iria lê-lo algum dia. Nada mais distante disso. É como se sua companhia, sua figura, seu passado, sua maneira de sobreviver a margem da vida, me servissem de referencia, de pauta e, em resumo, de inspiração, apesar das bobagens todas que essas palavras teve que arrastar em mãos de idiotas.”[1]

Ao analisar a viagem de Maqroll em A Neve do Almirante, é preciso compreender a importância do tempo-espaço, dentro de novos parâmetros de espacialidade, talvez mesmo de sua centralidade em tempos pós-modernos, bem como a atualidade do debate da formação. A eventual preponderância do espaço sobre o tempo não conduz a posturas desistoricizantes, nem à anulação da memória, da história em favor do aqui e agora, mas a uma postura mais próxima onde o movimento temporal é captado e analisado em uma imagem espacial.

A “viagem” articula na história o deslocamento espaço-temporal do protagonista, além de relatar apenas o transito espacial, também representa sua trajetória pela vida e suas aprendizagens. Na trajetória espaço-temporal a marcação de tempo e cronológica é evidente, ao contrário da “viagem” onde não há marcação cronológica sem referencias explicitas reconhecíveis no decorrer da narrativa.

Nessa modalidade narrativa, se marca topologicamente espaços como o rio, o mar e o próprio caminho, o que adquire valor de ícone metafórico, pois remontar o rio, atravessar o mar e fazer o caminho implicam em uma viagem pela vida e sua aprendizagem.

A “viagem” se trata de uma visão cervantista nas novelas modernas latinoamericanas. Sendo centro temático e compositivo articula-se em torno da “viagem” como cronotopo privilegiado, considerando que o cronotopo narrativo da viagem é modelo naturalmente associado à busca de identidade, onde se discutem também problemas relativos a figuração do sujeito migrante e a representação de espaços e tempos de natureza transcultural.

Nesse contexto Maqroll, marinheiro de origem desconhecida e destino incerto, viaja pela paisagem e pela vida, onde contempla, medita, conclui, descobre, se assombra, se tranqüiliza. Não sabendo o que está a sua espera no final da viagem. Alias, não sabendo nem se a viagem chegara ao fim.

Esse cronotopo ficcional é explicado eficazmente por M.Bakhtin, ele usa o termo cronotopo para referir-se à constelação de distintas características temporais e espaciais, de gêneros específicos, que funcionam para evocar a existência de uma vida-mundo, “lifeworld”, independente do texto e de sua representação. Sugere também que, na narrativa, o tempo e o espaço estão intrinsecamente conectados, já que o cronotopo “materializa o tempo no espaço”. Para o autor, a narrativa era vista como sistema de representação do homem, de seu mundo e de sua linguagem, no contexto de uma vivência espaço-temporal bem determinada.

Para dar conta dessa cadeia de situações desenvolvidas no tempo e no espaço, Bakhtin introduz esse complexo conceito em seu sistema teórico.

Na literatura, como na cultura, o tempo é, geralmente, histórico e biográfico e o espaço é sempre social. O cronotopo abrange tanto o campo das relações histórico-biográficas como sociais.

A partir da idéia de cronotopo, Bakhtin mostra como estruturas espaço-temporais concretas na literatura, limitam as possibilidades narrativas, dando forma à caracterização e modelando uma imagem discursiva da vida e do mundo. O envolvimento que a teoria do cronotopo apresenta com relação ao mundo da experiência não deve, entretanto, ser confundido com o reflexo realista do mundo empírico na literatura.

Estas estruturas concretas espaço-temporais no romance estão relacionadas com o mundo real histórico, mas não equiparadas a ele, que, não obstante realista e verdadeiro, nunca pode ser cronotopicamente idêntico ao mundo real que representa. As relações espaço-temporais são, antes, avaliações determinadas pela organização de um ponto de vista e, nesse sentido, dependem da lei do posicionamento que Bakhtin concebeu como fundamental para reproduzir a figura do homem e de sua vida na representação da estética.

Algumas narrativas ficcionais apresentam certas composições temporais ou espaciais que desencadeiam processos dialógicos, ou seja, um determinado fragmento da narrativa pode ser recortado como uma matriz cronotópica do enunciado e remeter a enunciações cronotópicas.

Assim sendo o lugar em que o tempo se torna espesso, encorpa-se, transforma-se em algo artisticamente visível, e no qual o espaço se torna impregnado dos movimentos do tempo, da trama e da história, reagindo a eles.

Nesse sentido Mutis discute o primitivismo das populações ribeirinhas e o autoritarismo do Estado, mas o cerne da discussão é filosófico: as decisões que tomamos, os caminhos a que elas nos levam e o que poderíamos ter sido se a opção fosse outra.

De acordo com o conceito a experimentação de uma manifestação artística é sobredeterminada por um espaço e por um tempo que podem mudar a todo instante, por constituírem elementos variáveis correspondentes a significados infinitos e inacabados que dialogam entre si. A consciência do tempo presente, que Bakhtin descobriu tanto em Rabelais como em Goethe e Dostoievski, é fundamental para se entender a historicidade do tempo e do mundo. Para Bakhtin, as análises correntes se desenvolvem em um espaço restrito e num curto período de tempo, ou seja, agrupam presente, passado e futuro numa mesma temporalidade e localidade.

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