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OS DIÁLOGOS ENTRE AS OBRAS FICCIONAIS SARTREANAS E CONTOS FANTÁSTICOS CONTEMPORÂNEOS: O EXISTENCIALISMO REFLETIDO NO FANTÁSTICO

Por:   •  24/6/2022  •  Artigo  •  5.284 Palavras (22 Páginas)  •  94 Visualizações

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DIÁLOGOS ENTRE AS OBRAS FICCIONAIS SARTREANAS E CONTOS FANTÁSTICOS CONTEMPORÂNEOS: O EXISTENCIALISMO REFLETIDO NO FANTÁSTICO

DIALOGUES BETWEEN FICTIONAL SARTREAN WORKS AND FANTASTIC TALES CONTEMPORANEOS: THE EXISTENTIALISM REFLECTED IN THE FANTASTIC

Lidiane Cristine de Lima FERREIRA

Guacira Marcondes Machado LEITE

RESUMO Mais do que um filósofo que marcou o século XX com suas teorias, o francês Jean-Paul Sartre é muitas vezes lembrado também como um exímio escritor de ficção. Entre suas obras primas encontram-se o romance em formato de diário escrito em 1938, A náusea, e a peça teatral Entre Quatro Paredes de 1944. Ambas ricas expressões do existencialismo sartreano em formato ficcional e, por isso, objetos escolhidos para esse estudo. Nesse artigo propomos o diálogo entre as percepções existenciais sartreanas observadas em sua ficção e em obras dos séculos XIX e XX que possuem questões metaempíricas pertinentes ao questionamento existencial humano e nossa condição no mundo.

Palavras chave: Sartre; Murilo Rubião; Fantástico; Existencialismo; Contos

ABSTRACT More than a philosopher who marked the 20th century with his theories, the French Jean-Paul Sartre is also often remembered as an accomplished fiction writer. Among his masterpieces are a novel in the form of a diary written in 1938: A Náusea and the play Entre Quatro Paredes from 1944. Both rich expressions of Sartrean existentialism in a fictional format and, therefore, objects chosen for this study. In this article, we propose a dialogue between the Sartrean existential perceptions observed in his fiction and in works from the 19th and 20th centuries that have meta-empirical issues pertinent to human existential questioning and our condition in the world.

Keywords: Sartre; Murilo Rubião; Fantastic; Existentialism; Tales.

1 INTRODUÇÃO AO FANTÁSTICO

Como menciona o próprio Sartre em seu ensaio Aminadab, ou o fantástico considerado como linguagem (2005, p.137), enquanto se acreditou possível escapar à condição humana pela ascese, pela mística, metafísica ou poesia, o gênero fantástico tinha ofício bem definido: manifestava o poder humano de transcender o humano. Criar outro mundo que não fosse esse. Esse mundo, muitas vezes inquietante, sombrio e misterioso, guardava criaturas e eventos sobrenaturais e o fato de ser muito parecido com aquele que conhecemos fez com que presenciássemos juntamente com o narrador e/ou as personagens da narrativa fantástica a inquietação e a hesitação que tais elementos nos traziam devido a sua extraordinariedade.

Segundo Todorov, fossem esses elementos (considerados insólitos) naturalizados na obra, esta seria considerada “maravilhosa”; fossem explicados pela razão, “estranha”, e enquanto houvesse dúvidas entre o que poderia ser racionalmente explicado ou não, esta seria “fantástica”.[1] A fim de ampliar essa percepção do fantástico para incluir outras obras como as obras de ficção científica por exemplo, que não continham seres ou eventos necessariamente “de outro mundo”, autores como Felipe Furtado, entre outros, percebem o fantástico como modo e não mais como gênero literário como definia Todorov. Uma tentativa de abarcar, assim, várias modalidades diferentes de literatura em um grupo com eixo comum: a presença do metaempírico.

1.1 Breves comentários sobre a literatura fantástica do século XX

A partir de autores como Kafka, como menciona Sartre (2005, p.138), o fantástico não se contenta mais com os castelos assombrados, vampiros, monstros e fantasmas da literatura clássica de terror. Há, no século XX, uma espécie de “volta ao humano” que Lenira Marques Covizzi justifica dizendo que “o progresso técnico do século faz o homem repensar sua função” (1978, p. 25). Desta forma, o fantástico deste século não está mais preocupado com seres e situações sobrenaturais, mas com as próprias relações humanas em seu meio. Pois, uma vez que há, segundo Covizzi (1978), uma crise de valores, a realidade que conhecemos é transfigurada artisticamente em uma irrealidade para ilustrar o sujeito que se sente deslocado em relação ao mundo.

Podemos ver esse deslocamento ilustrado em Kafka a partir do texto A metamorfose (1997), por exemplo. Romance no qual um ser humano ordinário acorda transformado em inseto sem qualquer explicação plausível. Essa metamorfose física que seria o ponto máximo de uma transformação fantástica, posto que é visível a todos e o que há de mais palpável, nos parece absurda desde o início. Fato interessante na narrativa, no entanto, é que, diferentemente das clássicas histórias fantásticas - nas quais percebemos uma crescente tensão da ambientação de mistério da narrativa antes de "presenciamos" o insólito -  o evento extraordinário ocorre logo no começo da narrativa; e notamos, além disso, que apesar de haver certo estranhamento na reação das personagens com relação à metamorfose, as questões existenciais desse ex ser humano provedor da família que agora é um inseto inútil para ela e para a sociedade, são muito maiores do que qualquer questionamento sobre a origem de tal transformação ou mesmo a busca de soluções para o estado atual de inseto. Ao mesmo tempo em que essa espécie de banalização do insólito no romance nos desconcerta profundamente, a forma com que se desenvolve faz com que outras questões como a insignificância da existência sejam levantadas. E são essas questões que interessam aos escritores fantásticos do século XX.

Notando isso, Sartre (2005) aponta que a diferença entre a literatura fantástica clássica e algumas do século XX é que a primeira começa em reverso e um acontecimento ou um ser extraordinário a passa para o anverso. Compreendamos por meio do exemplo: na metamorfose de Kafka a narrativa já se inicia em processo anverso, ou seja, com a metamorfose descrita nas primeiras linhas. Ao longo da narrativa passamos, então, para o reverso de modo a quase naturalizarmos o evento insólito ao fim da leitura. Enquanto leitores, nos incomodamos com essa estranha aceitação das personagens com relação às novas condições que o insólito propõe. Porém, notamos que as relações (des)humanas que são colocadas em primeiro plano parecem apresentadas para nos servir de reflexão e vão muito além do estranhamento causado pela transformação física inexplicada..

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