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Pedagogia

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Por:   •  25/3/2015  •  7.079 Palavras (29 Páginas)  •  278 Visualizações

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Introdução

O título e tema deste texto pretendem ser um contraponto ao título e tema de outro texto de minha autoria, publicado há já quase vinte anos: “As muitas facetas da alfabetização” (Cadernos de Pesquisa, nº 52, de fevereiro de 1985). Uso a palavra contraponto para indicar que o que aqui intento fazer é um entrelaçamento dos dois textos, não uma reformulação, muito menos um confronto. É que, relendo, hoje, “As muitas facetas da alfabetização”, encontro ali já anunciado, sem que ainda fosse nomeado, o conceito de letramento, que se firmaria posteriormente, e, de forma implícita, as relações entre esse conceito e o conceito de alfabetização; segundo, porque, passados quase vinte anos, as questões ali propostas à reflexão parecem continuar atuais, e grande parte dos problemas ali apontados parece ainda não resolvida. O contraponto que pretendo desenvolver é a retomada de

conceitos e problemas, buscando identificar sua evolução ao longo das duas últimas décadas, em um movimento que vou propor como sendo de progressiva invenção da palavra e do conceito de letramento, e concomitante desinvenção da alfabetização, resultando na polêmica conjuntura atual que me atrevo a denominar de reinvenção da alfabetização. Para prevenir sobressaltos, adianto, já neste momento inicial de minhas reflexões, que meu objetivo será defender, numa proposta apenas aparentemente contraditória, a especificidade e, ao mesmo tempo, a indissociabilidade desses dois processos – alfabetização e letramento, tanto na perspectiva teórica quanto na perspectiva da prática pedagógica.

A invenção do letramento1

É curioso que tenha ocorrido em um mesmo momento histórico, em sociedades distanciadas tanto geo

Letramento e alfabetização: as muitas facetas* Magda Soares Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

* Trabalho apresentado no GT Alfabetização, Leitura e Es

crita, durante a 26ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em Poços

de Caldas, MG, de 5 a 8 de outubro de 2003.

1 A expressão é inspirada no título do livro de Bernard Lahire:

L’invention de l’“illettrisme” (1999). Entretanto, é aqui outro o

sentido que se pretende dar a “invenção”: Lahire usa a palavra

Magda Soares

6 Jan /Fev /Mar /Abr 2004 No 25

graficamente quanto socioeconomicamente e culturalmente, a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita. Assim, é em meados dos anos de 1980 que se dá, simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse dicionarizada desde o final do século XIX, foi também nos anos de 1980 que o fenômeno que ela nomeia, distinto daquele que em língua inglesa se conhece como reading instruction, beginning literacy tornou-se foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem, o que se evidencia no grande número de artigos e livros voltados para o tema, publicados, a partir desse momento, nesses países, e se operacionalizou nos vários programas, neles desenvolvidos, de avaliação do nível de competências de leitura e de escrita da população; segundo Barton (1994, p. 6), foi nos anos de 1980 que the new field of literacy studies has come into existence. É ainda significativo que date aproximadamente da mesma época (final dos anos de 1970) a proposta da Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de ampliação do conceito de literate para functionally literate, e, portanto, a sugestão de que as avaliações internacionais sobre domínio de competências de leitura e de escrita fossem além do medir apenas a capacidade de saber ler e escrever. Entretanto, se há coincidência quanto ao momento histórico em que as práticas sociais de leitura e de escrita emergem como questão fundamental em sociedades distanciadas geograficamente, socioeconomicamente e culturalmente, o contexto e as causas

dessa emersão são essencialmente diferentes em países em desenvolvimento, como o Brasil, e em países desenvolvidos, como a França, os Estados Unidos, a Inglaterra. Sem pretender uma discussão mais extensa dessas diferenças, o que ultrapassaria os objetivos e possibilidades deste texto, destaco a diferença fundamental, que está no grau de ênfase posta nas relações entre as práticas sociais de leitura e de escrita e a aprendizagem do sistema de escrita, ou seja, entre o conceito de letramento (illettrisme, literacy) e o conceito de alfabetização (alphabétisation, reading instruction, beginning literacy). Nos países desenvolvidos, ou do Primeiro Mundo, as práticas sociais de leitura e de escrita assumem a natureza de problema relevante no contexto da constatação de que a população, embora alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma participação efetiva e competente nas práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita. Assim, na França e nos Estados Unidos, para limitar a análise a esses dois países, os problemas de illettrisme, de literacy/illiteracy surgem de forma independente da questão da aprendizagem básica da escrita. Na França, como esclarece Lahire, em L’invention de l’illettrisme (1999), e Chartier e Hébrard, em capítulo incluído na segunda edição de Discours sur la lecture (2000), o illettrisme – a palavra e o problema que ela nomeia – surge para caracterizar jovens e adultos do chamado Quarto Mundo2 que revelam precário domínio das competências de leitura e de escrita, dificultando sua inserção no mundo social e no mundo do trabalho. Partindo do fato de que toda a população – independentemente de suas condições socioeconômicas – domina o sistema de escrita, porque passou pela escolarização básica, as discussões sobre o illettrisme se fazem sem relação com a questão do apprendre à

para caracterizar a construção social de um discurso sobre o

“illettrisme”, discurso que, em seu livro, busca desconstruir; aqui,

atribui-se à palavra “invenção” o sentido de criação, descoberta,

...

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