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Humilhação Social

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Por:   •  29/3/2013  •  10.343 Palavras (42 Páginas)  •  542 Visualizações

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As companhias de Marx e de Freud: nem rivalidade, nem equivalência

Marxismo e Psicanálise. O tema contou entre os mais enfrentados por fertilíssimos pensadores que atravessaram e ultrapassaram a Segunda Grande Guerra, em Frankfurt ou em Paris, exilados na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Quem desejasse retomar as possibilidades e dificuldades do assunto, em seu detalhe filosófico, certamente deveria recorrer àqueles escritores de grande envergadura dialética e que interrogaram-se sobre Freud enquanto liam O Capital ou interrogaram-se sobre Marx enquanto liam O mal-estar na Cultura.

Que portanto o leitor não se engane quanto ao limite dos parágrafos seguintes. Trata-se de um estudo de psicologia social. Esforça-se apenas para indicar um problema político – a humilhação social – que, para ser ainda hoje discutido e superado, não deveria dispensar as antigas companhias de Marx e de Freud.

Dentre as três palavras – /marxismo/ /e/ /psicanálise/ – talvez a mais anódina entre elas, aparentemente insignificante, esta partícula /e/ – uma conjunção aditiva – é que merecesse desde já polarizar nossa atenção. Dizemos: marxismo e psicanálise. Encontramo-nos, assim, não perante uma alternativa: marxismo ou psicanálise. Tampouco deparamo-nos com associações híbridas: "psicanálise marxista" ou "freudo-marxismo", expressões que não hesitaram formular-se na Europa e na Argentina, reivindicando uma espécie de pesquisa combinada nem sempre bem sucedida.

No caso de marxismo ou psicanálise, supõe-se a concorrência entre dois regimes de investigação como se tivéssemos que nos decidir entre duas "visões de mundo" ou "cosmovisões". Foi sempre esta a convicção entre determinados marxistas, como também entre certos psicanalistas, toda vez que para uns e outros as obras de Marx ou de Freud deixavam de valer pela especificidade do fenômeno enfrentado – a formação do modo de produção capitalista, no caso de Marx; a formação da sexualidade humana, no caso de Freud – e passavam a contar como obras de ciência geral, como sistemas completos e fechados: para cada sistema o outro valendo como redutível à lógica absorvente do sistema eleito. Já não se disse, entre marxistas, que a Psicanálise contaria como "ideologia" ou como refinada e dangerosa expressão do individualismo moderno? Já não ouvimos, entre psicanalistas, que os militantes empenhariam em sua adesão ao socialismo as mesmas motivações de um neurótico qualquer, seu engajamento público nunca superando as compulsões de um sintoma?

Para que as razões que nos levassem a adotar Marx se prestassem ao mesmo tempo para a exclusão de Freud, para que as razões que nos levassem a adotar Freud se prestassem ao mesmo tempo para a exclusão de Marx, seria necessário que a obra de um ou outro deixasse de contar como obra de pensamento e se impusesse como trabalho morto (para falar como marxista) ou como objeto fálico (para falar como psicanalista). Desnecessário insistir sobre este ponto: se estivéssemos diante de Marx ou Freud como perante uma alternativa excludente, perderíamos o sopro de ambos.

O caso de uma solução eclética – justapondo, fundindo ou equiparando noções marxistas e freudianas – costuma implicar um rebaixamento terminológico generalizado, a descaracterização de conceitos distintivos, tudo isto assiduamente conduzindo – o que é ainda mais grave – à simplificação dos fenômenos em causa. Foi assim, por exemplo, quando se pretendeu sem mediações vincular formações inconscientes (em sua acepção freudiana) a formações político-culturais, como se os dinamismos e estruturas intrapsíquicos fossem continuamente homólogos aos societários. Os processos políticos informam a subjetividade, desdobram-se internamente, desdobram-se "para dentro", mas um tal desdobramento sofre metabolismo pessoal e assume figura singular – metabolismo e figura que exigem detida consideração e consideração diferenciada. A apresentação de João ou Maria ainda prossegue depois que se completou a descrição de seus lugares na divisão burguesa do trabalho. E, desde então, dificilmente progrediríamos com Marx sem o recurso outro a Freud e a investigadores da vida psíquica.

Inversamente, também são conhecidos os riscos de uma tradução exaustiva, em termos freudianos, de um problema marxista por excelência como aquele da reificação. Hoje, não se cansam referências ao fetichismo da mercadoria como a um fenômeno auto-erótico ou narcísico, todo explicado em termos de nossas atrações a objetos parciais ou a objetos especulares. O problema da reificação, em Marx, sempre encontra sua determinação essencialmente política. Entretanto, reduzido às medidas do fetichismo sexual, o processo de reificação presta-se a um exame em níveis puramente psicoculturais: em nenhum momento, considerado nestes termos, o enfrentamento da reificação precisaria supor o enfrentamento da desigualdade de classes. Assim despolitizado, o problema da reificação esgota-se no problema da personalidade fetichista e, abstraído de suas violentas condições históricas, invalidando as medidas de uma transformação social, arrisca ser inteiramente neutralizado – não há mudança efetiva de mentalidade quando a mudança de mentalidade, perdendo o mundo, desenvolve-se apenas em seu próprio registro, sem implicar engajamento e perturbação material, sem implicar ação, sem fundação de novos relacionamentos. A triste figura do consumidor isolado – homem retraído para o cuidado de si e de seus agregados, vivendo do trabalho como de mero instrumento para perseguição de rendas e para compra de mercadorias – não poderá ser ultrapassada enquanto prescindirmos a fundação de uma cidade sem patrões. Esta imprescindível condição para a liberdade dificilmente entrevemos com Freud sem o recurso outro a Marx e a investigadores da vida política.

O exame de processos psíquicos beneficia-se do recurso ao seu tempo social, um recurso à maneira pela qual cada época geralmente organizou as relações dos homens com outros homens, com a cidade e também com a natureza. Esta disciplina de fronteira, a Psicologia Social, caracteriza-se não pela consideração do indivíduo, pela focalização da subjetividade no homem separado, mas pela exigência de encontrar o homem na cidade, o homem no meio dos homens, a subjetividade como aparição singular, vertical, no campo intersubjetivo e horizontal das experiências. Não o homem separado, o indivíduo, mas sempre um homem: a subjetividade realizando-se intersubjetivamente, uma revelação – trata-se sempre do modo mais ou menos singular por que um homemaparece em companhia de outros. A pessoa sofre e habita a experiência comum: em alguma medida, sofrendo-a,

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