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Psicanálise E Colonização: Leituras Do Sintoma Social No Brasil

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Por:   •  2/9/2014  •  Tese  •  2.040 Palavras (9 Páginas)  •  304 Visualizações

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Esse livro1 dá seqüência à reflexão já antiga mas sempre atual sobre o sintoma social brasileiro tendo como ponto de partida, e retorno inevitável, a formação e o legado coloniais. Dividida em seis capítulos temáticos, com abordagens diversas sobre a formação histórico-social e cultural e sua correspondente e sintomática herança de violência e abandono, a obra atualiza uma das perspectivas de análise já presentes na obra de Freud: a das inter-relações entre cultura e subjetividade. O aforismo lacaniano "o inconsciente é o social" amplia a perspectiva aberta por Freud ao conjugar a constituição da subjetividade com a do laço social, sem que ambas pareçam coincidir nem se oporem reciprocamente. Esta recente publicação vem nos apresentar leituras e hipóteses que estabelecem um diálogo fundamental entre a psicanálise e outros campos do saber como a sociologia, antropologia, artes plásticas, literatura e história do Brasil no que se refere ao sintoma no laço social inscrito pela colonização.

Contardo Calligaris formula a hipótese segundo a qual a especificidade moderna da colonização das Américas reside no fato de que ela não foi determinada por necessidades de subsistência, mas, ao contrário, foi antes produzida por uma "necessidade de luxo" motivada pelo desejo, isto é, por um sonho moderno de se fazer valer e de ser reconhecido. Para o sujeito moderno o luxo não é supérfluo, mas necessário. Ele não é mais um ser determinado por regras tradicionais, mas um ser sustentado pela distribuição de bens, ou, o que é mais radical na sua análise, "não é mais a classe social que dá direito ao luxo, mas é o acesso ao luxo que decide a classe e o lugar social de cada um". Para o autor, a modernidade é uma nova organização psíquica e a colonização das Américas é a metáfora dessa nova subjetividade. O fundamento dessa hipótese apóia-se na seguinte assertiva: "a especificidade cultural é a organização psíquica de um sujeito, sua metapsicologia…" Luís C. Figueiredo, a partir da obra de Freud, retoma os termos cultura e natureza, indivíduo e sociedade e sugere uma releitura por intermédio da lógica da suplementaridade em que estes termos não são complementares e nem se relacionam mediante uma simples oposição, ou mesmo por meio de uma lógica dialética de superação e síntese. Segundo o autor, as fraquezas e deficiências da "natureza" solicitam um suplemento de recursos culturais. Da mesma forma que as fragilidades, as forças da "cultura" geram a necessidade do recurso às forças libidinais e agressivas. A cultura seria, portanto, um suplemento à natureza e a natureza, um apelo de suplemento à cultura. O autor sugere exemplos do sintoma social brasileiro cuja lógica suplementar aparece na sua versão caricata e como denegação da dose inevitável de mal estar que lhe é intrínseca. Um dos exemplos é o do próprio liberalismo (cf. Roberto Schwarz, As idéias fora do lugar) que, sendo importado como outros artigos estrangeiros, de um lado, ornamenta os falantes defensores e, de outro, serve à exclusão econômica e social. Já a hipótese de Ana M. Medeiros da Costa é a de que "indivíduo e coletivo são verso e reverso de uma mesma questão: a de que a cultura somente se sustenta pela transmissão da linguagem, que traz nos seus pressupostos a necessidade de um enunciante e de um endereçamento, o que denominamos Outro." Assim, Sujeito e Outro são, para a autora, referenciais interligados e válidos tanto na sociedade tradicional como na individualista. Sua análise centra-se nas questões de herança e dívida que giram em torno do significante "gaúcho". Uma das hipóteses daí decorrentes é a de que o que constitui nossa herança é a transmissão do legado cultural da linguagem, mas o que a orienta é uma via específica: a da dívida de cada sujeito.

Robson de Freitas Pereira analisa a forma específica e moderna pela qual o liberalismo e a ciência exploram os órgãos do corpo ao tomá-los numa lógica pura de mercado e de consumo. Na escravidão, a exploração do corpo centrava-se na força do trabalho escravo. Já a nova forma de colonização do corpo altera, segundo o autor, a própria noção de corpo unitário, na medida que este passa a ser a sede de um novo mercado onde seus órgãos internos podem ser objetos intercambiáveis e de consumo. Para o autor, "a colonização moderna do corpo parece ser outra modalidade dos efeitos do colonialismo: o retorno do recalcado". Mário Fleig identifica na modernidade um outro efeito do colonialismo: a colonização pelo objeto, na qual é a servidão voluntária do sujeito ao objeto que predomina. O autor contrapõe esta servidão moderna à escravidão colonial cujo exercício do poder visava a pessoa e o corpo do outro. Para o autor, essa instrumentalização do laço social está na base das formas de violência oriundas dessa posição de comando que ocupa o objeto na cultura moderna.

Um outro capítulo da colonização brasileira é o da imigração européia do século XIX. João Guilherme Biehl e Lúcia Serrano Pereira apresentam um episódio complexo e violento da colonização alemã no sul do país: o dos Mucker. João G. Biehl analisa as circunstâncias e o contexto histórico nos quais se deu a imigração e o surgimento desse incidente que dividiu a própria colônia germânica. De um lado, a normalidade e o legalismo de um forte e independente grupo da comunidade alemã que se opunha ao outro grupo, o dos colonos à margem da vida pública que se constituiu em torno da figura messiânica de Jacobina. Lúcia Serrano Pereira analisa esse movimento de cunho messiânico já como um efeito da colonização sobre a imigração na medida que os imigrados vinham de alguma forma ocupar o lugar do escravo, seja na substituição do trabalho escravo, seja num tipo de problemática complexa referente à filiação e reinscrição no novo laço social. "O laço que o colonizador parece oferecer ao colono como laço de filiação é um laço real, como na proposta da escravatura" (cf. CALLIGARIS, Hello Brasil), proposição retomada pela autora. Nesta perspectiva, ela avança a tese de que é a ruptura e o enfraquecimento dos laços simbólicos provocados pela situação colonial que tendem a expor o sujeito à busca de legitimidade por meio de atos violentos, no real.

Roland Chemama analisa aspectos da colonização da Tunísia, na primeira metade do século XX, através da obra de Albert Memmi. Uma das hipóteses decorrentes de sua análise é a de que o sujeito preso em ordens contraditórias como a do colonizador e a do colonizado subjetiva as contradições dos conflitos daí resultantes. Para o autor, a clivagem da colonização não tem apenas uma dimensão intersubjetiva

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