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Relação Terapêutica Exemplos de Problemas

Por:   •  9/12/2018  •  Artigo  •  4.738 Palavras (19 Páginas)  •  253 Visualizações

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Podemos identificar as razões a seguir para a não-adesão terapêutica. A capacidade de conceitualizar as várias causas pode servir para mitigar a não-cooperação terapêutica.

1.Ao paciente pode faltar habilidade para cooperar. Nem todos os pacientes desenvolveram as habilidades para realizar certos comportamentos efetivamente. Para muitos deles, sua dificuldade em aderir ao regime terapêutico pode estar em paralelo com seus problemas em realizar determinadas ações em suas vidas. Ambas as áreas de dificuldades originam-se ou baseiam-se em habilidades inadequadamente desenvolvidas. Embora suas habilidades possam ser adequadas para "passar" em certas áreas, elas podem não ser adequadas para tarefas mais complexas. Os professores muitas vezes qualificam certas crianças como "inteligentes de rua", indicando uma esperteza e habilidade naturais, em crianças severamente deficientes em tarefas escolares. Para muitos de nossos pacientes do Eixo II, o universo é verdadeiro: eles têm o domínio de habilidades intelectuais ou escolares, mas faltam-lhes habilidades práticas ou de vida. Visto que o paciente pode nunca ter desenvolvido habilidades, ou não tê-las desenvolvido ao nível necessário para um funcionamento adequado, o terapeuta talvez precise ensinar habilidades particulares para que o paciente possa avançar na terapia e, portanto, na vida.

Exemplo clínico: Alan, advogado, 39 anos, diagnosticado como tendo transtorno evitativo de personalidade, ingressou na terapia durante seu divórcio, por pensar que jamais encontraria outra mulher, seria sempre magoado e que, portanto, a vida não valia a pena. Ele via as metas de superar sua mágoa e desenvolver sua vida social como irrealistas para ele. "Isto não sou eu", repetia. Uma terefa de casa ao longo de várias sessões consistiu em ligar para uma mulher cujo número um colega havia-lhe dado. Durante a oitava sessão, o terapeuta perguntou a Alan por que era tão difícil dar o telefonema, ao que Alan respondeu que ele virtualmente não tinha qualquer experiência em ligar para mulheres para marcar encontros. O terapeuta pediu a Alan que encenasse o telefonema à mulher, e descobriu que Alan não tinha qualquer idéia do que dizer. Após praticar várias abordagens diferentes, Alan tentou ligar do consultório, obtendo sucesso em marcar um encontro para um drinque após o trabalho.

Sua limitada experiência, combinada com a evitação caracterológica, dificultavam a cooperação com a tarefa de casa. Caso o terapeuta não tivesse descoberto isto, Alan poderia jamais ter cooperado, possivelmente usando este fracasso como evidência adicional de sua desesperança quanto a algum dia ter novamente uma parceira.

2.Ao terapeuta pode faltar a habilidade para desenvolver a cooperação. Assim como reconhecemos as diferenças individuais em nossos pacientes, cumpre reconhecer também que existem diferenças nas habilidades dos terapeutas. Devido à limitada experiência com o problema de um paciente em particular (p. ex., depressão), uma população em particular (p. ex., idosos), ou um nível de severidade de um problema (p. ex., transtornos graves), um terapeuta pode não ter a habilidade necessária para trabalhar com um tipo específico de paciente. O terapeuta que trabalha no contexto de uma instituição ou hospital pode estar em condições de buscar consultoria ou supervisão de colegas para um caso/problema específico. Em algumas situações, contudo, serviços de consultoria podem não estar disponíveis. Se as habilidades do terapeuta estiverem inadequadamente desenvolvidas para enfrentar um problema com eficácia, a ética exige que o transfira para outro colega. Se, entretanto, não houver outro terapeuta à disposição, cabe aos terapeutas constantemente desenvolver, aprimorar e ampliar suas habilidades mediante treinamento adicional. Cursos de pós-graduação, programas de educação continuada, seminários, oficinas ou institutos devem fazer parte do crescimento profissional dos terapeutas, independente de seu trinamento.

Exemplo clínico: Maureen B era uma colega psicóloga com pós-doutorado a quem foi encaminhado o caso de uma estudante de 18 anos, identificada como tendo transtorno obsessivo-compulsivo de personalidade, apresentando um problema de retenção urinária psicogênica. Esta situação não era só insalubre e dolorosa, mas também socialmente problemática, pois a estudante morava num dormitório universitário feminino, que exigia o compartilhamento dos banheiros. Em vista da falta de experiência da terapeuta com este problema, ele foi rapidamente trazido à supervisão. O supervisor também tinha limitada experiência no tratamento deste problema. Uma série de referências locais contatadas não tinha experiência com respeito à retenção urinária feminina. Telefonou-se a vários colegas do país inteiro para coletar o máximo de dados possíveis sobre o tratamento do transtorno. Além disso, a Dra. B consultou a biblioteca em busca de literatura referente ao tratamento.

Dada a natureza incomum do problema, a terapeuta necessitava desenvolver estratégicas e intervenções para que ela e o supervisor pudessem trabalhar com eficácia com a paciente. A terapeuta, utilizando suas pesquisas de anatomia feminina, exercícios e controle muscular, encontrou a solução num livro de exercício físicos para mulheres: os exercícios de Kegel. Eles foram ensinados à paciente na sessão, e ela foi capaz de obter maior controle vesical. A terapia comportamental foi feita concomitantemente ao trabalho cognitivo de identificação dos pensamentos disfuncionais refentes a urinar em banheiro público. Isto levou, por sua vez, a um trabalho de modificação dos esquemas relacionados à limpeza, bondade e perfeccionismo.

3.Estressores ambientais podem impedir a mudança ou reforçar o comportamento disfuncional. Poderá haver circunstâncias ou indivíduos no ambiente do paciente que sirvam para manter o esquema disfuncional e os comportamentos disfuncionais decorrentes. Os esquemas dos outros significativos podem trabalhar ativamente contra a efetuação das mudanças vistas pelo paciente como importantes, ou que o terapeuta acredita serem importantes. Com ou sem intenções maldosas, os outros significativos podem trabalhar pela manutenção do comportamento disfuncional e autodestrutivo do paciente. Os pacientes podem receber a mensagem "Não mude" de maneira manifesta ou velada. Manifestamente, o paciente pode ser agredido por ir à terapia, recriminado por falar de "assuntos particulares de família com um estranho", ou atiçado e estigmatizado por ser "biruta", ou necessitado de "fazer a cabeça". Veladamente, a mensagem pode ser transmitida pelo afastamento dos outros significativos enquanto o paciente está em terapia.

Exemplo clínico: Al, um homem solteiro de 30 anos de idade, morava com seus pais. Ele tinha formação superior, e atualmente estava empregado como representante de um serviço de atendimento ao consumidor de uma grande empresa. Mesmo ele ganhando dinheiro suficiente para sustentar-se, seus pais continuavam pressionando-o a viver com eles, cuja preocupação genuína era de que, se vivesse por conta própria, ele não se cuidaria, comeria demais e engordaria, voltando então ao peso anterior de 130 kg. Embora atualmente pesasse 100 kg, estivesse em terapia e empenhado em perder peso, a preocupação deles era evidente, tanto de maneira manifesta quanto velada. Esta preocupação deles o assustava. Ele pensava não os estar agradando, ser mau e desapontá-los e a outros membros da família. Ele permanecia em casa para ceder à preocupação deles, permanecer dependente e ser o seu filhinho, e para lidar com seus próprios temores de perda do controle.

4.As idéias e crenças dos pacientes com respeito a seu potencial fracasso na terapia pode contribuir para a não-cooperação. A terapia cognitiva "clássica" concentra-se em ajudar os pacientes a examinar suas cognições diante do fracasso na terapia, e na capacidade de fazer modificações nos pensamentos ou no comportamento. Examinar as cognições e os esquemas e aprender a responder de maneira adaptativa a estes pensamentos negativos e autodepreciativos são, afinal, os principais objetivos do trabalho terapêutico. As mudanças precisam ser vistas como dimensionais, ao invés de tudo-ou-nada. Utilizando a atribuição gradual de tarefas, pequenos passos sequenciais, avaliação de respostas e reações às modificações propostas, inoculação de estresse e ansiedade, além de apoio terapêutico, o paciente pode mostrar-se mais propenso e tentar realizar modificações.

Exemplo clínico: Mitch, 20 anos, estudante, foi diagnosticado como tendo transtorno evitativo de personalidade. Suas experências sociais e de namoros eram muito limitadas. Após observar, por um período de dois anos, outros homens e mulheres em seu dormitório namorando, mudou-se para um apartamento longe do campus, de modo que não precisasse assistir à vida social de seus companheiros. Quando ingressou na terapia, aceitava intelectualmente que deveria utilizar seus anos de faculdade como um modo de estabelecer contatos sociais, mas reconhecia sua falta de habilidade, ansiedade e relutância. Suas idéias quanto à terapia assemelhavam-se às que tinha quanto a namorar. Em ambas as situações, via a si mesmo abrindo-se à nova experiência, querendo investir nela, sendo rejeitado pela falta de habilidade e competência e então sofrendo ainda mais por causa do fracasso. Seus pensamentos automáticos acerca da terapia (e namoros) eram os seguintes: "É melhor que eu não me exponha ao fracasso e ao ridículo. De fato, melhor seria que eu estivesse morto, pois ninguém sequer sentiria a minha falta. Qualquer coisa que eu faça está fadada ao fracasso, mesmo esta terapia".

5.As idéias e crenças dos pacientes relativas aos efeitos de suas mudanças sobre os outros podem impedir a adesão. Outro conjunto de cognições obstrutivas envolve idéias catastróficas do paciente em relação ao efeito de sua tentativa de mudança sobre pessoas significas. O paciente muitas vezes vê o efeito de sua mudança sobre os outros de maneira catastrófica: "Se eu mudar, algo de terrível irá acontecer". O terapeuta precisa trabalhar com o paciente para diminuir a idéia da potencial catástrofe, ou examinar se ainda existem vantagens em mudar apesar das seqüelas potencialmente negativas.

Exemplo clínico: Marta, 42 anos, diagnosticada como tendo transtorno dependente de personalidade, trabalhava como secretária e vivia com a mãe. Ela era a caçula de três filhos. Os dois irmãos de Marta eram casados, mas ela própria jamais havia se casado, tendo sempre vivido com a mãe. Esta, segundo descrição de Marta, era tirânica, constantemente exigindo a atenção e serviços de Marta. Embora fosse bastante saudável, constantemente consultava médicos às custas dela. As despesas médicas representavam um rombo considerável nas finanças de Marta. Quando ela se recusava a continuar pagando pelas consultas médicas, a mãe iniciava uma arenga de quão má filha ela era, e de como ela seria a causa de sua perda de saúde e de sua morte. Então, Marta estaria sozinha.

Embora Marta verbalizasse na terapia o objetivo de algum dia ser capaz de ajudar-se e levar vida própria, ela relutava em fazê-lo, em parte devido a considerações quanto à saúde, capacidade de enfrentamento e morte iminente da mãe. Marta achava que, ficaando em casa, conseguiria prolongar a vida de sua mãe. Ela pensava que tornar-se mais independente e possivelmente mudar-se, com efeito, mataria sua mãe - uma idéia reforçada por esta.

6.Os temores dos pacientes com referência ao "novo" eu podem contribuir para a não-adesão. Por definição, modificar-se significa alterar idéias, crenças ou comportamentos. Os pacientes do Eixo II podem perceber tais alterações como contrárias à sua sobrevivência. Embora possa parecer paradoxal, mesmo que seus pensamentos os deixem ansiosos, deprimidos, suicidas ou disfuncionais, ainda assim estes pacientes temam a mudança como algo desconhecido. Eles muits vezes optam pela familiaridade de seu desconforto, ao invés do desconforto da incerteza de um novo modo de pensar ou comportar-se.

Exemplo clínico: Mary havia estado cronicamente deprimida e suicida por três anos, havendo sido diagnosticada como tendo transtorno histriônico de personalidade. Ela fora hospitalizada quatro vezes por ideação suicida, mas nunca fez uma tentativa. Suas idéias acerca do suicídio eram muito dramática. Confrontada pelo terapeuta com seu estilo de pensar, afirmava: "É assim que eu sou, eu nunca fui diferente". Embora percebesse que seu pensamento suicida era doloroso, não só para ela própria como para outras pessoas significativas, tinha grande dificuldade em modificar sua perspectiva, devido à manutenção de sua posição de "Isto sou eu".

7.As crenças disfuncionais do paciente e do terapeuta podem estar harmosionamente fundidas. O ponto cego de um terapeuta pode ser fatal, quando terapeuta e paciente compartilham a mesma idéia disfuncional (por exemplo, "Não há esperanças"). Este partilhamento de uma crença, baseado em esquemas subjacentes congruentes, pode ter como decorrência que o terapeuta "entre" nas idéias e crenças de desesperança do paciente.

Exemplo clínico: O trabalho terapêutico da Dra. M era muito cuidaso e preciso. Ela inclinava-se a ficar obsessiva quando estressada e ansiosa, e sua crença geral era de que, quando estressada, extremo cuidado e esforço reduziram o estresse. Seu extremo cuidado e labor foram os principais fatores para que se formasse em uma importante universidade, com notas muita altas. Ao apresentar pela primeira vez um paciente em supervisão, ela o descreveu como "perfeccionista, obsessivo e internamente exigente". Em supervisão, a Dra. M relatou que seus objetivos com este paciente seriam "ajudá-lo a livrar-se de todo o perfeccionismo que faz com que se sinta tão desesperançoso". Ao invés de trabalhar para modificar o perfeccionismo do paciente, ela via como objetivo terapêutico a remoção total do perfeccionismo. Em resposta ao comentário do supervisor de que tal objetivo poderia reforçar os problemas do paciente, a Dra. M tentou desenvolver uma argumentação para apoiar a necessidade de um esforço perfeccionista para sempre dar o melhor de si.

8.A fraca socialização ao modelo pode ser um fator de não-adesão. Os pacientes que não compreendem o que se espera deles na terapia necessariamente terão dificuldades em aderir ao regime terapêutico. É essencial que o terapeuta passe o tempo que for necessário, no início da terapia, para educar o paciente sobre as bases do modelo de terapia cognitiva, incluindo a terminologia, construtos terapêuticos e habilidade específica. Além disto, o terapeuta deverá evocar retroalimentação para avaliar o nível de compreensão do modelo ao longo de todo o trabalho terapêutico. A capacidade do paciente de ouvir e compreender poderá estar prejudicada por desesperança, impulsividade, abstração seletiva e personalização. O terapeuta não poderá pressupor que a leitura de um ou de todos os livros sobre terapia cognitiva seja uma garantia de adequada socialização à terapia em geral, ou à terapia cognitiva, em particular. Além disso, pode haver uma interferência pró-ativa por causa do envolvimento do paciente em uma terapia anterior, ou seja, ele poderá continuar utilizando as estratégias e abordagens antigas na terapia atual.

Exemplo clínico: Ed, um médico de 42 anos, encaminhado para a terapia cognitiva depois da morte de seu analista, havia estado em psicanálise por 15 anos, para lidar com sua depressão crônica e ideação suicida periódica. Ele era visto três vezes por semana, na maior parte deste tempo. Depois da morte de seu analista, tentou continuar sua análise com outro analista por vários meses, mas terminou por consenso mútuo e iniciou uma terapia cognitiva para tratar especificamente de sua depressão. Ed comparecia a cada sessão e começava a falar imediatamente. Embora o terapeuta tentasse manter a sessão focalizada, Ed associava livremente, discutindo sonhos, fantasias e tudo o mais que lhe viesse à mente. Um constante redirecionamento e uma programação de 10 a 15 minutos de associação livre no início da sessão ajudaram a manter o restante da sessão direcionada e focalizada.

9.Um paciente pode obter ganhos secundários pela manutenção do padrão disfuncional. Poderá haver situações em que o paciente terá grande dificuldade em iniciar ou efetuar uma mudança devido ao ganho originário da continuação do pensamento e/ou comportamento disfuncional. Os membros da família poderão tratar o paciente com "luvas de pelica", não exercendo qualquer pressão sobre ele, evitando a confrontação e, geralmente, permitindo que faça tudo o que quiser, de modo a diminuir o potencial de atuação. O ganho secundário poderá ser obtido da família, amigos, empregadores ou outros indivíduos com quem o paciente esteja em interação, inclusive o terapeuta. Tal paciente precisará examinar a "perda primária" da qual decorre a aquisição de seu ganho secundário.

Exemplo clínico: Sid, um carpinteiro desempregado de 38 anos, diagosticado como tendo os transtornos passivo-agressivo e dependente, não havia trabalhado regularmente nos últimos cinco anos. Passava seu tempo em casa, assistindo à televisão. Sua esposa trabalhava em tempo integral e ele vivia de pensão por invalidez. Ele relatou que quando se exercitava de qualquer maneira, preocupava-se em ter um ataque cardíaco ou um derrame. Mesmo nunca havendo tido qualquer destes problemas ou, de fato, nenhuma doença importante, sua esposa e seus dois filhos preocupavam-se tanto com ele que jamais lhe pediam para fazer coisa alguma em casa. Pressionando a encontrar trabalho, Sid preferia a idéia de se matar a expor-se à excruciante dor da ansiedade. Um certo comunitário local de saúde mental fornecia-lhe atestados que lhe permitiam não ser pressionado a trabalhar. O dia de Sid envolvia levantar-se às 11h, ler jornal até meio-dia, e depois assistir à televisão. Quando seus filhos retornavam da escola, ele tirava um cochilo e levantava em tempo para o jantar. Após o jantar, assistia à televisão ou ouvia música até a hora de deitar-se. Era muito difícil a tentativa de fazê-lo desistir de sua "aposentadoria" precoce.

10.O timing deficiente das intervenções pode ser um fator de não-adesão. Intervenções inoportunas ou apressadas podem ter como efeito que o paciente deixe de ver a importância ou relevância do trabalho terapêutico, parecendo assim não estar cooperando. Se o terapeuta, devido à sua ansiedade, tentar apressar o paciente do Eixo II, o resultado poderá ser uma perda da cooperação, a falta às sessões, uma compreensão errônea das questões terapêuticas, ou um término prematuro da terapia.

Exemplo clínico: Marie, médica pós-graduada, estava aprendendo a conduzir uma terapia cognitiva. Em consequência de sua ansiedade e pressão interna a ter sucesso, inclinava-se a tentar interpretar os esquemas sem reunir dados suficientes que apoiassem suas interpretações ou intervenções. Em decorrência disso, os pacientes muitas vezes respondiam dizendo-lhe que ela não os estava entendendo, o que aumentava ainda mais a sua ansiedade, fazendo muitas vezes com que ela desse saltos ainda mais audaciosos de interpretação e mau timing.

11.Aos pacientes pode faltar motivação. Muitos pacientes são enviados à terapia contra a sua vontade: outras pessoas significativas podem havê-los ameaçado, no sentido de procurar terapia ou então sofrer alguma consequência séria; outros podem ter sido enviados contra a sua vontade pelos tribunais; ou, em outros casos ainda, os pacientes do Eixo II podem, em virtude de seu quadro clínico, não ter motivação para a maioria das coisas e ver seus problemas como externos e eles. O trabalho terapêutico em tais casos deve focalizar, inicialmente, a construção da relação e da motivação para a terapia.

Exemplo clínico: Sam, um joalheiro de 59 anos de idade, severamente deprimido e suidica há anos devido à falência de seus negócios, tinha a percepção de que suas dificuldades nos negócios não eram por culpa sua, mas tinham a ver com as joalherias dos grandes centros comerciais, que rebaixavam os preços. Ele não via maneira de recuperar os rendimentos, clientela e status perdidos, e recusava-se a "desperdiçar" dinheiro anuciando em jornais. Embora fosse trabalhar diariamente, permitia que a loja ficasse entulhada de caixotes do que descrevia como "lixo" e não buscava um novo negócio. Ele encarou a terapia da mesma forma: não queria vir, não via benefício algum na terapia, concordando em comparecer apenas para aplacar a esposa e a filha.

12.A rigidez dos pacientes pode malograr a adesão. O mesmo problema que traz os pacientes à terapia pode ser o principal contribuinte da não-adesão. Com pacientes obsessivo-compulsivos ou paranóides, entre outros, a rigidez pode impedir a adesão. Tais pacientes podem, de fato, questionar os motivos e objetivos do terapeuta. Mais frequentemente, acham-se incapazes de romper a posição rígida em que se vêem obrigados a permanecer de modo a manter-se relativamente seguros.

Exemplo clínico: Elena, uma enfermeira de 28 anos diagnosticada como tendo transtorno paranóide de personalidade, via a terapia (e o terapeuta) como extensões da necessidade de sua mãe de controlá-la. Mantendo seu direito de fazer o que bem entendesse, inclusive matar-se, achava-se capaz de superar o poder da mãe. O terapeuta teve de tomar muito cuidado para não alimentar esta distorção, o que poderia significar uma tentativa de suicídio da parte de Elena.

13.O paciente pode ter um fraco controle dos impulsos. Para pacientes com fraco controle dos impulsos, as limitações de sessões semanais, abordagem terapêutica estruturada, um tempo determinado para a sessão ou o limite de tempo da mesma podem criar ansiedade. Os esquemas de "fazer o que quiser, quando quiser" podem ser jogados no rosto do terapeuta. Estes pacientes com freqüência exigem que o terapeuta faça o que denominamos "terapia de apagar incêndio" - ou seja, trabalhar constantemente apagando pequenos incêndios e lidando com a crise do momento, ao invés de trabalhar com a solução de problemas gerais.

Exemplo clínico: A terapia com Alice sempre foi interessante. Aos 23 anos de idade, ela estava em constante movimento, e satisfazia os critérios para transtornos borderline personalidade. Suas crises relacionavam-se com frequentes mudanças de emprego, frequentes mudanças de amigos e relacionamentos amorosos, além de frequentes mudanças de terapeuta. Dentro da sessão, ela era bastante lábil, e quaisquer tentativas de focalizar na sessão ou em sua vida eram recebidas com o conhecido refrão: "Esta não sou eu". Sua ausência às sessões e incapacidade de pagar os honorários devido às suas compras e despesas impulsivas, acopladas à perda do emprego, tudo isto servia para sabotar a terapia e o objetivo terapêutico de reduzir sua impulsividade.

14.Os objetivos da terapia podem ser irrealistas. Esta questão pode provir do paciente ou do terapeuta. Objetivos irrealisticamente altos ou baixos podem servir ao estabelecimento de um contexto terapêutico muito negativo. Caso o paciente queira tornar-se uma pessoa totalmente nova - ou seja, exatamente o oposto do que foi durante os últimos 40 anos - o terapeuta talvez tenha de ajudá-lo a estabelecer objetivos mais realistas e graduais. A modificação é possível, mas estabelecer o objetivo de uma mudança total pode representar uma armadilha em que o paciente fracassará. De maneira similar, o fracasso poderá ocorrer se o terapeuta tiver objetivos irrealisticamente altos para o paciente.

Exemplo clínico: Nick, 52 anos, veio à terapia por causa de seu isolamento e depressão. Ele afirmou na primeira sessão que desejava modificar toda sua vida. Ele jamais fora casado, não havia tido namoradas até os 31 anos, e havia tido poucas. Ele via o mundo como que passando por ele. Via a si mesmo envelhecendo e solitário em sua velhice. Relatou chorar ao assistir a programas de televisão sobre famílias. Seu objetivo era começar a namorar imediatamente e casar-se dentro de um ano, pois estava ficando velho. Este objetivo irrealista provavelmente teria erigido uma situação de fracasso e sabotado a terapia.

15.Os objetivos da terapia podem não ser enunciados. Há ocasiões em que os objetivos da terapia podem parecer implícitos na apresentação inicial da lista de problemas. Por exemplo, em "desacordo conjugal" podem estar implícitos déficits de habilidades de relacionamento, déficits sexuais, depressão ou muitos outros problemas. Os objetivos da terapia precisam ser explicitados no estabelecimento da lista de problemas. Esta lista pode, evidentemente, ser modificada com o progresso da terapia. Sem uma informação da linha de base acerca dos objetivos da terapia, fica difícil avaliar o progresso.

Exemplo clínico: Maryann, 51 anos, ingressou na terapia devido à ansiedade. Depois de algumas sessões, ficou claro que a ansiedade fazia parte de um quadro clínico que incluía transtorno obsessivo-compulsivo de personalidade. O terapeuta, trabalhando para ajudar Maryann a ser mais flexível, constatou que ela ficava mais agitada com o progresso da sessões. Na sexta sessão, ela anunciou que estava abandonando a terapia por causa do aumento de ansiedade:"Eu pensei que a terapia fosse me ajudar, não para piorar". O terapeuta havia pressuposto que Maryann estaria disposta a modificar seu rígido padrão de personalidade sem sequer discutir este padrão como um foco da terapia.

16.Os objetivos da terapia podem ser vagos e amorfos. Os pacientes tipicamente apresentam afirmações vagas, tais como "reunir minhas forças", "endireitar minha cabeça" "lidar com minha depressão/ansiedade" ou "melhorar a comunicação em nosso relacionamento". O terapeuta deve trabalhar no sentido de reformular estas metas como objetivos operacionalmente definidos e trabalháveis.

Exemplo clínico: Seth, 19 anos, foi encaminhado pelo conselheiro de seu dormitório devido às constantes brigas. Ele havia consultado um conselheiro no centro de aconselhamento da faculdade, e trabalhado "raiva" e "problemas em meus antecedentes". Após oito sessões, o conselheiro terminou o aconselhamento com uma nota de que agora Seth dispunha de insight suficiente que permitiria a mudança. O atual encaminhamento baseava-se no fato de que o insight não havia proporcionado qualquer modificação comportamental. Desta vez, os objetivos da terapia foram clara e especificamente estipulados, com critérios específicos de mudança, uma abordagem de tarefas graduais em relação aos companheiros do dormitório, e discreto foco no controle dos impulsos.

17.Pode não ter havido acordo entre terapeuta e paciente quanto aos objetivos do tratamento. Visto que os objetivos da terapia são explícitos e definidos operacionalmente, paciente e terapeuta necessitam trabalhar na concordância quanto a estes objetivos terapêuticos. Desenvolver um plano de tratamento ou fazer o paciente ler e assinar o plano faz parte do procedimento de consentimento informado para o tratamento, exigido em muitos contextos de saúde mental hoje em dia. Enunciar os objetivos para um determinado período de tempo (por exemplo, 3 meses), discutir a base racional para os objetivos, aceitar as contribuições do paciente, negociar modificações e dar e receber retroalimentação, constituem elementos intrínsecos do modelo de terapia cognitiva.

18.O paciente ou terapeuta podem estar frustrados devido à falta de progresso na terapia. Dada a natureza prolongada dos problemas do Eixo II, seu efeito generalizado ao longo da vida do paciente e a natureza prolongada da terapia, o paciente, o terapeuta, ou ambos, podem ficar frustrados. Em ambos os casos, o resultado pode ser reações nagativas à continuação da terapia, pensamentos acerca do fracasso (do terapeuta ou paciente) e raiva diante da fonte da frustração (o terapeuta ou o paciente).

Exemplo clínico n.1: Alícia, uma psicóloga sob supervisão, estava "completamente frustrada" com Lara, uma paciente com transtorno borderline de personalidade:"Ela não muda; ela simplesmente fica com raiva, geralmente de mim. Eu realmente lamento o dia em que ela tem sessão, e fico contente quando ela tem de cancelar". Havendo tido bastante sucesso em seu trabalho como terapeuta cognitiva trabalhando com depressão mais típica e não-complicada, Alícia não estava acostumada a que os pacientes demorassem tanto tempo ou fossem tão oposicionais:"Eu li sobre os borderlines, ouvi sobre eles, mas nunca pensei que teria este tipo de problema". O foco de supervisão dirigiu-se a auxiliar Alícia a lidar com seus pensamentos disfuncionais e expectativas concernentes à terapia, ao tratamento de casos complexos e difíceis e à contratransferência.

Exemplo clínico n.2: Marla originalmente viera à terapia para aliviar sua depressão. A depressão estava superposta a um transtorno obsessivo-compulsivo de personalidade. Ela optou pela terapia cognitiva depois de ler acerca de sua natureza breve e demonstra eficácia, conforme é descrito em várias publicações dos meios de comunicação. Após 25 sessões, ela exigia saber porque ainda não estava "curada". O terapeuta havia esquecido de diferenciar foco no sintoma versus foco no esquema.

19.Questões envolvendo a percepção do paciente de status e auto-estima diminuídos podem ser fatores que contribuem para não-adesão. Para muitos, tornar-se "paciente" implica que algo de muito errado está ocorrendo com eles, que são incapazes de lidar com suas vidas, ou enfrentar os estressores que outrora enfrentavam com sucesso. Além disso, podem ser estigmatizados pelos outros como "birutas", "doentes" ou "loucos".

Exemplo clínico: Roy, 60 anos, um negociante bem sucedido, foi encaminhado pelo médico de família por causa de sua depressão. A primeira coisa que disse em terapia foi: "Não queria estar aqui. Vir aqui de fato me deixou ainda mais deprimido. Eu nunca precisei pedir ajuda antes, e não sei como pedir agora. Eu saio escondido de casa para vir aqui. Eu não quero que jamais você ligue para minha casa ou meu escritório. Ninguém pode saber que venho aqui".

O terapeuta deve ter consciência das inúmeras razões para a falta de cooperação ou não-adesão de um paciente. Estas incluem: falta de habilidade do paciente; falta de habilidade do terapeuta; estressores ambientais que impedem a adesão; cognições do paciente relativas ao fracasso da terapia; cognições do paciente refentes aos efeitos da modificação sobre si e os outros; congruência distorcida entre paciente e terapeuta; baixa socialização ao modelo; ganho secundário; falta de motivação do paciente; mau timing das intervenções; rigidez ou fraco controle dos impulsos; falta de motivação do paciente; objetivos não enunciados, vagos ou realistas; frustração do paciente ou do terapeuta, e questões que gravitam em torno da redução da auto-estima do paciente.

É essencial planejar estratégias e técnicas que enfrentem eficazmente as questões relevantes e que façam a terapia avançar dentro de um quadro de cooperação. Em vista da complexidade do transtorno de personalidade em si, combinada com problemas agudos do Eixo I que desencadeiam o encaminhamento à terapia, muitos problemas podem interferir na cooperação terapêutica. Nosso foco, neste capítulo, consistiu em ajudar os terapeutas e desenvolver um quadro conceitual para a aplicação dos princípios gerais da terapia cognitiva ao tratamento do paciente com transtorno de personalidade. Armado das habilidades práticas e teóricas da conceitualização do caso, o terapeuta poderá desenvolver estratégias de tratamento e intervenções terapêuticas específicas.

1 trecho extraído do livro: Aaron Beck & Arthur Freeman (org.) Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade. Ed. Artes Médicas, Porto Alegre, 1993, pp. 45-58 e 276-279.

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