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Uma análise da bio-necropolítica e suas raízes de opressão patriarcal: Os retratos da violência obstétrica

Por:   •  15/6/2019  •  Artigo  •  2.369 Palavras (10 Páginas)  •  191 Visualizações

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Raphaela Nochelli Braz

6º período

Políticas de Saúde

Uma análise da bio-necropolítica e suas raízes de opressão patriarcal:

Os retratos da violência obstétrica

O presente trabalho se propõe a relacionar o conceito foucaultiano de bio-necropolítica - com base nos textos de Lima (2018); Hilário (2016); Wermuth, Gomes e Nielsson (2016) - com as violências obstétricas sofridas pelas parturientes brasileiras; as implicações psicológicas destas violências para mãe e bebê; e o espaço que a psicologia ocupa - e deve se fazer ocupar ainda mais - no contexto hospitalar para minimizar os danos sofridos e impedir a ocorrência de tais situações. É visível o quanto o parto, para a maioria das pessoas é considerado um momento de risco, de contraste entre vida e morte, mas, se lançamos mão da ciência e pesquisas atuais, notamos que essa ideia em geral se dá pela incompreensão de todo o fenômeno da gestação, do parto e do puerpério, o que costumeiramente causa medo - em todas as áreas e temas o contraste com o que não se compreende tende a gerar extremo desconforto.

A seguinte análise também terá como norteadores os filmes da série “O Renascimento do Parto” com direção de Eduardo Chauvet e produção e roteiro de Érica de Paula, com foco especial sobre o segundo e terceiro volumes que trazem mais abertamente o assunto da violência obstétrica e seus impactos.

Ressalto aqui que em diversos dos textos utilizados por mim, os autores indicam uma falta de estudos concretos sobre os danos da violência obstétrica, mas como apontado por Theme, Ayers, Gama e Leal (2015) nota-se que curiosamente, no Brasil, onde os números de partos com intervenções desnecessárias são alarmantes (apenas o número de cesáreas chega a surpreendentes 52% segundo o estudo “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento” superando em mais de 40% o considerado “recomendável” pela Organização Mundial de Saúde) também vemos os números de depressão pós parto consideravelmente acima que os de outros países de baixa renda (estima-se que no Brasil cerca de 25% de mães apresentem os sintomas, sendo que o estimado pela OMS para a faixa de países como o nosso é de 19,8%). Embora ainda sejam necessários mais estudos para que se possa predizer uma correlação entre as duas variáveis, considero necessário mencionar ambos os dados, posto que a violência obstétrica se apresenta como vetor de sofrimento não apenas físico mas também psíquico. Demarcando assim a importância da inserção da psicologia neste contexto, especialmente quando notamos que, para mulheres no puerpério, é esperado um total apagamento de si para que se viva em função do bebê, o que torna a procura por cuidados de saúde mental algo pouco incentivado, e até mesmo por vezes desencorajado. 

Percebe-se que os dados trazidos por Theme et al. (2016) se relacionam com as teorias apresentadas por Michel Foucault e Achille Mbembe, uma vez que, são complementares entre si, e nos trazem a ideia da biopolítica como o poder de fazer viver, de “deixar” viver e a necropolítica como “deixar” morrer, fazer morrer (Lima, 2018). Ambas se entrelaçam no sentido de entregar tais decisões na mão de terceiros, do estado e seus agentes, decidindo, como mencionado no texto, qual a vida que vale a pena fazer viver, e qual pode-se deixar morrer. Os que mais representam esse papel de poder são, em geral, os profissionais de saúde, acima de tudo os médicos, que, através de décadas e mais décadas de se colocaram nos papéis de detentores do saber, hoje são vistos exatamente nesta posição por grande parte da população. Tornaram-se então inquestionáveis, intocáveis e acima de erros, fazendo assim com que todos que se proponham a questionar as práticas médicas ou recomendar uma atualização das mesmas seja visto como fora de si de diversas formas.

A bio-necropolítica é, como dito por Wermuth et al. (2016) perpassada, assim como tudo ao nosso redor, pelos preconceitos de raça, de gênero, de classe, de orientação sexual e muitos mais. A vida que merece ser salva raramente vai ser a da mulher negra. O recorte que pretendo trazer é enfocado no recorte de gênero, mas não se deve acreditar que este seja o único. A violência obstétrica se mostra mais frequente em mulheres negras, indígenas, quilombolas e de classes mais baixas. Hoje o acesso a um parto natural e humanizado é consideravelmente maior em mulheres de classes mais altas (o que não exclui o fato de que independente de qualquer outra variável estamos todas expostas a esta e a outras violências de gênero).

Wermuth et al. (2016) nos mostra todo o caminho que foi percorrido pela bio-necropolítica para que se fortalecesse como uma das formas de dominação patriarcal, partindo-se da redução da vida feminina ao útero. O autor ressalta que historicamente as mulheres foram resumidas ora à reprodução, ora ao instrumento de prazer masculino, o que faz com que a discussão a nosso respeito seja do uso público ou o uso privado de nossos úteros, mas sempre deste pequeno mas “barulhento” órgão. Essa relação se mostra especialmente visível quando, dentre os inúmeros relatos de violência obstétrica, a presença de frases que culpabilizam a mulher pela dor sofrida no parto como “Na hora que você estava fazendo, você não tava gritando desse jeito né?” ou “não chora não que ano que vem você tá aqui de novo” é recorrente. Vemos nitidamente o julgamento envolto quando colocados de frente a uma mulher com vida sexual ativa.

“O Renascimento do Parto” é uma sequência de três filmes que, dentre diversos relatos e vídeos das próprias entrevistadas, relata essa violência que foi, por muito tempo, velada e não mencionada - parte desse silêncio que seguiu por anos se dá pela própria romantização da maternidade, onde tudo que se divulga são as maravilhas da gravidez e de se ter um filho; outro fator relevante é exatamente pelo já citado acima, monopólio de saber dos médicos, fazendo com que por vezes, mesmo que parecesse errado, a parturiente não tivesse a coragem de questionar os procedimentos realizados. O terceiro filme mostra também um relato de uma mulher que, após assistir ao primeiro filme teve a coragem de ter o segundo filho, coisa que havia perdido depois do primeiro parto por conta de todas as intervenções traumáticas sofridas. Também vemos cenas marcantes de episiotomias realizadas com mais violência do que a própria manobra já representa e uma mãe que conta que, depois de ser submetida a uma cirurgia cesariana contra a sua vontade, ouviu o médico dizer que havia cortado um pouco o bebê, uma cicatriz que essa criança leva para a vida toda.

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