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DESAFIOS DA LITERATURA HOMOAFETIVA BRASILEIRA EM DEFESA DO PLURALISMO CULTURAL

Por:   •  10/9/2018  •  Relatório de pesquisa  •  3.692 Palavras (15 Páginas)  •  259 Visualizações

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DESAFIOS DA LITERATURA HOMOAFETIVA BRASILEIRA EM DEFESA DO PLURALISMO CULTURAL

Almir Rogério Ferraz[1]

RESUMO: O presente artigo discorre acerca da gênese da literatura homoafetiva, sua evolução no Brasil e o relevante papel na disseminação cultural diversificada - em defesa da desmistificação de tabus ainda convencionados pela sociedade contemporânea, incluindo a não marginalização da homoafetividade. Estudos bibliográficos de obras do gênero, seus autores e a repercussão atingida foram as metodologias adotadas para desenvolvimento do projeto acadêmico, visando obter uma conclusão estatística da atual aceitação deste tipo de ficção no mercado literário - propondo, também, reflexão sobre a temática, inclusive no ambiente universitário - construtor de futuros educadores.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Homoafetividade.

1 INTRODUÇÃO

O gênero literário que evidencia em seus roteiros relações / comportamentos homossexuais, bem como sua projeção no meio artístico-cultural e social, é a linha de pesquisa deste material, cuja pretendida importância pauta-se, entre outros valores embutidos, no propósito de compartilhar conhecimento relativo à abordagem tratada. A investigação do acolhimento dessas obras pelo público leitor através dos tempos - por meio de revisão bibliográfica e análise estatística - poderá acrescentar novos indicadores quanto à pauta e contribuir para futuras elaborações de conteúdo.

A primeira etapa deste artigo (capítulos 2 e 3) contemplará aspectos históricos da literatura homoafetiva, traçando seu caminho evolutivo até a contemporaneidade. A segunda (capítulos 4 e 5) lidará com dados estatísticos para enfim estruturar e embasar a argumentação conclusiva do estudo.

2 PRIMÓRDIOS DA LITERATURA HOMOAFETIVA

“Postquam lustravi oculis totam urbem, in cellulam redii; osculisque tandem bona fide exactis alligo arctissimis complexibus puerum, fruorque votis usque ad invidiam felicibus.”[2] (PÉTRONE, 1948, p.18)

Com suas raízes na cultura ocidental, estimadamente durante o Império Greco-Romano Clássico, a literatura homoafetiva - ao que dados indicam - apresenta seus primeiros traços pelas mãos de Petronius (≈ 27-66 d.C) e sua obra The Satyricon (≈ 60 d.C), um dos referenciais mais importantes no estudo da Antiguidade Européia do século I d.C. Estudos históricos indicam que parte de The Satyricon não chegou a nós; e pouco do que se conhece acerca de seu suposto escritor vem através de Tácito (55-117 d.C), célebre historiador que cita em seu Annales (TÁCITO, 1938, p.18-19) uma personalidade da corte do Imperador Nero: “Gaius Petronius, arbiter elegantiae” (“Caio Petrônio, árbitro da elegância”) - figura a quem se atribui a autoria daquela obra.

The Satyricon, segundo fragmentos que resistiram à passagem do tempo, traz um conto homoerótico cruzado com a Mitologia Greco-Romana, ilustrado com a jornada de dois jovens amigos e, concomitantemente, rivais - pela disputa de um rapaz tido como escravo sexual. Ambos vivem à busca dos prazeres da luxúria, em um Estado tomado pela superstição, misticismo e desordem social: a Roma pecaminosa. O início e fim de The Satyricon, ao que se sabe, encontram-se perdidos por através dos séculos.

Em 1851, um dos mais importantes romances da literatura ocidental também traria em seu enredo insinuações de homoafetividade entre seus protagonistas: trata-se de Moby Dick, obra-prima do estadunidense Herman Melville (1819-1891). Durante uma de suas viagens marítimas pelos mares do sul, quando de sua ocupação como camareiro de embarcações - incluindo baleeiros, Melville reuniu à ocasião as vivências necessárias para posteriormente imortalizar seu compêndio; em especial, as utilizaria para delinear seu consagrado enredo sobre a baleia cachalote branca nada amistosa (HOWARD, 1950, p.6-7).

Maravilhoso, porém denso, Moby Dick narra o confronto épico de um cetáceo versus um homem em busca de vingança; na trama, fica subentendida a relação semi-erótica entre o protagonista narrador, Ishmael, e o arpoador Queequeeg, tendo seus primeiros indícios no capítulo em que compartilham uma cama de pensão.

"[...] ao romper do dia, deparei com o braço de Queequeeg largado sobre mim da forma mais carinhosa e afetuosa. Você teria pensado que eu era a esposa dele." (MELVILLE, 2008, p.48)

Outro exemplo de homoerotismo sutil encontra-se nas páginas seculares de O Retrato De Dorian Gray (1891), do irlandês Oscar Wilde (1854-1900). Este único romance de Wilde causou escândalo e controvérsia na Inglaterra Vitoriana, assim como seu autor - condenado à prisão por homossexualidade, após uma série de acontecimentos; entre eles, a desmoralização pública do escritor pelo Marquês De Queenberry (pai de Lord Alfred Douglas), que desaprovava veementemente a estreita e “estranha” amizade do filho com Wilde (CADDEN e JENSEN, 1995, p.31-32;61).

“Voltei-me de lado e vi Dorian Gray pela primeira vez. Quando nossos olhos se encontraram, me senti empalidecer. Um terror curioso e instintivo tomou conta de mim. Sabia haver me defrontado com alguém cuja personalidade era tão fascinante que, se eu permitisse, me absorveria por inteiro, até mesmo minha alma.” (WILDE, 2013, p.85)

O Retrato De Dorian Gray carrega a saga de um homem de posses que vende sua alma em troca da juventude eterna; a passagem dos anos não lhe altera a atraente aparência, enquanto o seu retrato segue envelhecendo - mostrando a Gray sua decadência interior. Além deste eixo e da reflexão sobre crime e castigo, a filosófica narrativa aborda o prazer e vem carregada de homoafetividade - selando sua íntima relação com a biografia do autor. Ousado, este primor da literatura mundial traz em seu contexto um discurso direto à hipócrita sociedade inglesa da época, que vivia de aparências para encobrir segredos lascivos e condutas maldosas.

“Dorian Gray franziu a testa e afastou o rosto. Impossível não gostar do homem alto e elegante que tinha ao seu lado. Interessavam-no o rosto romântico, de tez cor de oliva, a expressão cansada. Havia algo na voz grave e lânguida que era absolutamente fascinante. Até mesmo as mãos brancas e frias, que lembravam flores, tinham um encanto curioso.” (WILDE, 2013, p.111)

Ainda em 1891, Abel Botelho (1854-1917) se tornaria um dos precursores da literatura gay em Portugal com seu inovador e polêmico O Barão De Lavos - misto de homossexualidade e pedofilia, ingredientes que explicam as razões pelas quais a obra era intensamente criticada e perseguida pelo conservadorismo do final do século XIX. Décadas depois, o poeta e dramaturgo António Botto (1897-1959) escandalizaria novamente a religiosa comunidade lusitana com o hoje aclamado Canções (1921), onde cultua a beleza física masculina despudoradamente.

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