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O PREFÁCIO DA FENONEMOLOGIA DO ESPÍRITO

Por:   •  9/9/2021  •  Tese  •  2.743 Palavras (11 Páginas)  •  50 Visualizações

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PREFÁCIO DA FENONEMOLOGIA DO ESPÍRITO

Numa obra filosófica, em razão de sua natureza, parece não só supérfluo, mas até inadequado e contraproducente, um prefácio — esse esclarecimento preliminar do autor sobre o fim que se propõe, as circunstâncias de sua obra, as relações que julga encontrar com as anteriores e atuais sobre o mesmo tema. Com efeito, não se pode considerar válido, em relação ao modo como deve ser exposta a verdade filosófica, o que num prefácio seria conveniente dizer sobre a filosofia; por exemplo, fazer um esboço histórico da tendência e do ponto de vista, do conteúdo geral e resultado da obra, um agregado de afirmações e asserções sobre o que é o verdadeiro.

Além do que, por residir a filosofia essencialmente no elemento da universalidade — que em si inclui o particular —, isso suscita nela, mais que em outras ciências, a aparência de que é no fim e nos resultados últimos que se expressa a Coisa mesma, e inclusive sua essência consumada; frente a qual o desenvolvimento [da exposição] seria, propriamente falando, o inessencial.

Quando, por exemplo, a anatomia é entendida como “o conhecimento das partes do corpo, segundo sua existência inanimada”, há consenso de que não se está ainda de posse da Coisa mesma, do conteúdo de tal ciência ; é preciso, além disso, passar à consideração do particular. Mais ainda: nesse conglomerado de conhecimentos, que leva o nome de ciência sem merecê-lo, fala-se habitualmente sobre o fim e generalidades semelhantes do mesmo modo histórico e não conceitual como se fala do próprio conteúdo; nervos, músculos etc. Na filosofia, ao contrário, ressaltaria a inadequação de utilizar tal procedimento, quando ela mesma o declara incapaz de apreender o verdadeiro.

Do mesmo modo, a determinação das relações que uma obra filosófica julga ter com outras sobre o mesmo objeto introduz um interesse estranho e obscurece o que importa ao conhecimento da verdade. Com a mesma rigidez com que a opinião comum se prende à oposição entre o verdadeiro e o falso, costuma também cobrar, ante um sistema filosófico dado, uma atitude de aprovação ou de rejeição. Acha que qualquer esclarecimento a respeito do sistema só pode ser uma ou outra. Não concebe a diversidade dos sistemas filosóficos como desenvolvimento progressivo da verdade, mas só vê na diversidade a contradição.

O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor: essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. E essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo. Mas a contradição de um sistema filosófico não costuma conceber-se desse modo; além disso, a consciência que apreende essa contradição não sabe geralmente libertá-la — ou mantê-la livre — de sua unilateralidade; nem sabe reconhecer no que aparece sob a forma de luta e contradição contra si mesmo, momentos mutuamente necessários.

A exigência de tais explicações, como também o seu atendimento, dão talvez a aparência de estar lidando com o essencial. Onde se poderia melhor exprimir o âmago de um escrito filosófico que em seus fins e resultados? E esses, como poderiam ser melhor conhecidos senão na sua diferença com a produção da época na mesma esfera? Todavia essa tarefa, quando pretende ser mais que o início do conhecimento, e valer por conhecimento efetivo, deve ser contada entre as invenções que servem para dar voltas ao redor da Coisa mesma, combinando a aparência de seriedade e de esforço com a carência efetiva de ambos.

Com efeito, a Coisa mesma não se esgota em seu fim, mas em sua atualização; nem o resultado é o todo efetivo, mas sim o resultado junto com o seu vir-a-ser. O fim para si é o universal sem vida, como a tendência é o mero impulso ainda carente de sua efetividade; o resultado nu é o cadáver que deixou atrás de si a tendência. Igualmente, a diversidade é, antes, o limite da Coisa: está ali onde a Coisa deixa de ser; ou é o que a mesma não é.

Essa preocupação com o fim ou os resultados, como também com as diversidades e apreciações dos mesmos, é, pois, uma tarefa mais fácil do que talvez pareça. Com efeito, tal [modo de] agir, em vez de se ocupar com a Coisa mesma, passa sempre por cima. Em vez de nela demorar-se e esquecer a si mesmo, prende-se sempre a algo distinto; prefere ficar em si mesmo a estar na

Coisa e a abandonar-se a ela. Nada mais fácil que julgar o que tem conteúdo e solidez; apreendê-lo é mais difícil; e o que há de mais difícil é produzir sua exposição, que unifica a ambos.

O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista universais. Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra na experiência da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão na conversa o lugar que lhes corresponde.

A verdadeira figura, em que a verdade existe, só pode ser o seu sistema científico. Colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da ciência — da meta em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo — é isto o que me proponho. Reside na natureza do saber a necessidade interior de que seja ciência, e somente a exposição da própria filosofia será uma explicação satisfatória a respeito. Porém a necessidade exterior é idêntica à necessidade interior — desde que concebida de modo universal e prescindindo da contingência da pessoa e das motivações individuais — e consiste na figura sob a qual uma época representa o ser-aí de seus momentos. Portanto a única justificação

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