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A FALTA DE LIBERDADE RELIGIOSA COMO ÓBICE À EFETIVAÇÃO

Por:   •  14/3/2018  •  Artigo  •  6.682 Palavras (27 Páginas)  •  159 Visualizações

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A FALTA DE LIBERDADE RELIGIOSA COMO ÓBICE À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E HUMANOS: um caso de aversão ao multiculturalismo intercultural

1. Introdução

Propõe-se uma discussão sobre a colonialidade do poder-saber hegemônico na dinâmica político-jurídica da sociedade brasileira contemporânea, reproduzido nas posturas parlamentares de grupos religiosos que, ocupando lugares de poder político formal, dogmatizam a dinâmica político-jurídica e, consequentemente, inviabilizam um projeto decolonial de constitucionalismo intercultural e plurinacional, em que pese a maior adequação teórico-metodológica deste modelo para a performatividade do discurso dos direitos humanos e fundamentais no Brasil atual.

A crítica decolonial aos dispositivos de normalização reproduzidos por instituições eclesiásticas que ocupam assento no Congresso Nacional brasileiro atual se faz especialmente relevante quando considerados os direitos humanos e fundamentais da comunidade LGBTI, que no âmbito da história moderno-colonial é identificada como alteridade subalterna, como diferença desagregadora e comprometedora do equilíbrio e coesão social, portanto diferença propensa à eliminação em prol da manutenção da ordem política, jurídica e social.

Tomando-se como ponto de partida o problema da diacronia entre o discurso e a performatividade dos direitos da comunidade LGBTI no Brasil contemporâneo, sustenta-se a hipótese de que o Estado brasileiro atual é apenas formalmente laico, sofrendo forte impacto de grupos religiosos hegemônicos que, por serem hegemônicos, interrompem e obstaculizam processos de livre afirmação identitária, ao mesmo tempo em que promovem e reproduzem tecnologias e dispositivos de normalização de subjetividades individuais e coletivas. Quer dizer que o atual cenário político-jurídico brasileiro indica um panorama de colonialidade, ou seja, um quadro de aversão aos motivos constitutivos de um Estado Democrático de Direito, conforme preceituado pela Constituição brasileira de 1988.

Como estas reflexões se situam no âmbito de uma análise crítica, interdisciplinar e decolonial, depois de atualizar o diagnóstico de uma dinâmica político-jurídica de exceção, em que identidades desviantes de um padrão de normalidade hegemônico são subalternizadas e invisibilizadas em nome de um improvável e cada vez mais restrito bem comum, propõe-se uma alternativa para a histórica hegemonia do poder-saber moderno/colonial. O eixo de sustentação crítico-decolonial que avança a denúncia quanto à falta de liberdade religiosa no Brasil opera a partir dos conceitos de interculturalidade, poder e direitos.

Sustenta-se que tais conceitos viabilizam uma heurística decolonial, posto que a concepção microfísica e relacional do poder indica a assimetria e a reversibilidade de tais relações, para muito além da repercussão do poder e dos direitos segundo a tradicional perspectiva do Estado nacional soberano. No cenário de hipercomplexidade e de contingencialidade, característico do contexto de pluralismo cultural,o reconhecimento de tal diversidade deve ser promovido como um compromisso básico do Estado e da própria sociedade: a razão de ser do Direito (ordenamento jurídico) é garantir direitos (subjetivos), antes da manutenção de qualquer sentido de ordem.

2. Desenvolvimento

O Decreto 119-A, de 07 de janeiro de 1890, proibia a intervenção do Estado e seus entes federativos em matérias de cunho religioso, consagrando “a plena liberdade de cultos” e extinguindo o padroado que por séculos atuou de forma consistente na formação da vida política, social e jurídica do Brasil. Posteriormente, a Constituição de 1891 em seu art. 72 ratificou essa separação e,

Assegurou a existência da liberdade religiosa e da liberdade de culto para todos de forma ampla; instituiu o casamento civil com base nas leis da Republica; estabeleceu uma administração secular para os cemitérios, os quais antes estavam sobe o domínio da Igreja Católica e a partir da Constituição Republicana ficaram livres para todos os cultos e práticas religiosas; constituiu um ensino público e laico, superando o modelo de educação confessional do império; assegurou a inexistência deum culto oficial para o Estado, bem como impediu que as religiões tivessem relações de dependência ou de aliança com a União e com os Estados-membros da Federação. Por fim, os ssss28 e 29 deste artigo foram precisos ainda ao dispor, respectivamente, que a crença religiosa não poderia ser motivo para privação de direitos civis e políticos, não podendo haver assim práticasdiscriminatórias diante da igualdade e liberdade garantidas constitucionalmente. (RODRIGUES, 2014, p.81)

Estas garantias,no entanto, não se concretizaram para as religiões de origem africana e indígena, as quais sofreram grande perseguição e continuaram a ser marginalizadas e criminalizadas como curandeirismo, espiritismo, cartomancia e magia negra. Desde então, é possível dizer que os textos constitucionais sempre trouxeram a laicidade em seus textos como exigência base de um Estado soberano, com exceção do período ditatorial, onde todos os direitos foram suprimidos, principalmente os direitos individuais. Não podemos olvidar que o período ditatorial foi marcado por uma grande aproximação do governo militar com as religiões protestantes e uma rejeição aos dogmas católicos. Isso justifica, em parte, o crescimento extraordinário dessas religiões em tão pouco tempo e principalmente a sua consolidação no cenário político e social brasileiro.

Com a redemocratização do Brasil e a Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira avançou para um novo capítulo de sua história. Entre os direitos garantidos pela Carta Magna está o direito à liberdade, que talvez seja o mais básico e tradicional dentre os direitos caracterizadores do constitucionalismo moderno. A liberdade é a faculdade de cada um agir segundo a sua determinação, desde que não infrinja as regrase princípios jurídicos instituídos. A Constituição Federal de 1988 garante, entre as liberdades dispostas no seu art. 5º, “a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. É importante trazer à baila que a liberdade de crença ou liberdade religiosa é o direito do indivíduo de adorar e de cultuar seu Deus ou ainda de ser ateu.

Tendo em vista que o Brasil, ao menos no plano formal, é um país caracterizado pelo pluralismo cultural, racial e religioso, e considerando que a Constituição tem por finalidade a construção

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