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A Função Social da Propriedade

Por:   •  2/11/2022  •  Artigo  •  5.579 Palavras (23 Páginas)  •  98 Visualizações

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Função Social da Propriedade

MELHIM NAMEM CHALHUB

Advogado, Expositor da EMERJ

  1. Considerações preliminares – A idéia da função social da proprieda- de não é nova, já tendo merecido atenção da doutrina cristã na Idade Média, mas é a partir do final do século XIX que ganha especial relevo, vindo a ser consagrada nas Constituições modernas

Com efeito, o crescimento e a diversificação da atividade econômica, no final do século XIX, levam a grande concentração societária do capital e ao surgimento da grande empresa, controladora da produção e do mercado. Ao mesmo passo, a doutrina marxista vê a propriedade como fator de suprema- cia do capital sobre o trabalho, seguindo-se a revolução russa de 1917 com a socialização dos meios de produção.

A idéia de que o direito de propriedade está ligado a um dever perante a coletividade aparece com nitidez na Encíclica Quadragesimo Anno, pela qual se procura distinguir o direito de propriedade e o uso da propriedade, preconizando-se a atuação do legislador no sentido de regular o exercício do direito de propriedade de acordo com as exigências do bem comum.

No campo jurídico e ideológico, sofrem restrições o privilégio especial e a proteção que caracterizava a propriedade individualista no século XIX, assu- mindo papel preponderante o exercício da propriedade como função social. Nesse contexto, sobreleva a utilidade social da propriedade, prevalecendo a idéia de que os bens devem ser dirigidos para a produção da riqueza, visando atender harmonicamente as necessidades do titular do direito de propriedade e o interesse da coletividade.

De outra parte, as transformações verificadas na atividade econômica induzem à racionalização da exploração econômica dos bens, em detrimento da posse pura e simples e, nesse contexto, ressaltam importantes alterações decorrentes do desenvolvimento da sociedade por ações, que viabilizou a transferência, para os administradores, dos poderes naturalmente atribuídos ao proprietário.

De fato, a partir da revolução industrial, a atividade econômica passou a exigir a aplicação de somas vultosas de capital, circunstância que coloca a sociedade por ações em posição de destaque como instrumento de captação de recursos para alavancagem da produção. Por essa forma, fraciona-se a propriedade da empresa, que passa a ser atribuída a um certo número de

acionistas e é expressa em títulos facilmente transferíveis; aí, a proprieda- de não mais recai sobre a coisa, na sua expressão material, mas passa a ter como objeto valores mobiliários, que exprimem o patrimônio da empresa, tornando-se irrelevante a posse direta sobre os bens integrantes do ativo da empresa, pois o poder de disposição do proprietário passou a ter como objeto a ação, que corresponde a uma fração do capital, e não mais os bens que constituem esse capital; os poderes de gestão direta sobre esses bens são atribuídos a administradores, enquanto que os acionistas só podem influir na administração da empresa por força de deliberações da assembléia geral ou através de um conselho de administração; assim, os gestores é que exer- cerão os poderes típicos do proprietário, estando reservado aos acionistas o proveito econômico da atividade empresarial, por meio da percepção de dividendos. Trata-se de uma das mais significativas alterações no conceito da propriedade, pelas quais “o direito passa da posse ao crédito e muda, sem dizê-lo, o sentido da palavra propriedade.”303

Esses novos contornos das relações sociais e econômicas vão reves- tindo a propriedade de configuração cada vez mais complexa, a partir da qual sua regulamentação há de se diversificar, segundo distintas situações proprietárias, como, por exemplo, a exploração da terra para fins agrícolas ou o uso e ocupação do solo urbano, a utilização de recursos tecnológicos, as atividades desenvolvidas no mercado de capitais, entre outras situações merecedoras de tutela.

  1. Estrutura e função – Estrutura e função “respondem a duas indaga- ções que se põem em torno ao fato. O ‘como é?’ evidencia a estrutura, o ‘para que serve?’ evidencia a função.”304     A noção de função está ligada à finalidade de determinado instituto ou direito e corresponde aos interesses objeto da tutela; a função indica a maneira como um instituto ou direito deve operar e, assim, delineia o perfil estrutural do instituto; é a função, segundo Salvatore Pigliatti, “a razão genética do instituto e a permanente razão da sua aplica- ção, isto é, sua razão de ser.”305

Juntas, estrutura e função modelam a natureza do instituto.

A estrutura do direito de propriedade é composta pelas faculdades de usar, gozar e dispor da coisa, bem como pelo direito de exclusão de terceiros, enquanto que a idéia da função está associada à utilidade da coisa; já a so-

[pic 1]

  1. RIPERT, George. Aspectos jurídicos do capitalismo moderno. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1. ed., 1947, p. 141.
  2. PERLINGIERI, Pietro, Perfis do direito civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 94.
  3. La proprietà nel nuovo diritto, Milão: Dott. A. Giufrè, 1964, p. 300

cialidade da função diz respeito à “utilidade social dela resultante”.

Qual é, então, concretamente, a função da propriedade? Para que serve

o direito de propriedade?

Essa indagação pode comportar respostas distintas, de acordo com a perspectiva ideológica considerada, mas é de se admitir que, sob qualquer perspectiva, “o direito de propriedade serve para fundar estruturalmente um mercado”, constituindo um sistema institucional que garanta o funcionamento do mercado. A característica desse mercado dependerá da configuração jurí- dica atribuída ao direito de propriedade, podendo o mercado “ser livre ou mo- nopolista em virtude da capacidade das instituições jurídicas (o direito de pro- priedade em primeiro lugar) de canalizar no interesse de todos a atividade de cada um.”306   Entretanto, qualquer que seja a organização social considerada, a propriedade há de ser, obviamente, elemento sempre presente na estrutura da ordem econômica e social, não havendo dúvida de que o reconhecimento do direito de propriedade é fator de segurança jurídica e, conseqüentemente, de estabilidade social.

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