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A HISTÓRIA DA JUSTIÇA ELEITORAL BRASILEIRA

Por:   •  16/11/2017  •  Artigo  •  8.924 Palavras (36 Páginas)  •  216 Visualizações

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HISTÓRIA DA JUSTIÇA ELEITORAL BRASILEIRA

Por

Rodrigo Martiniano Ayres Lins

O Brasil, desde seu tempo colonial, conviveu com uma participação cidadã bastante precária, seja porque sua história registra distintos tipos de reserva ao sufrágio, ou em razão da ausência de plena liberdade para o seu efetivo exercício. A Justiça Eleitoral surgiu para tentar libertar os cidadãos de eleições fraudulentas e permitir o livre exercício do voto e das candidaturas.

É bem verdade que a Justiça Eleitoral apareceu após uma revolução e sob a égide de um Estado autoritário, mas sua principal finalidade foi e continua sendo a de garantir a solidez da democracia e não resta dúvida de que ela cumpre, em essência, com o seu valioso papel no âmbito de sua função administrativa. Resta-se identificar, contudo, se as demais funções, normativa e jurisdicional, também são garantes do Estado Democrático de Direito.

1. Eleições e voto no Brasil-Colônia e no período imperial

O voto no Brasil colonial se restringia à eleição das câmaras municipais, órgãos considerados de natureza inferior na administração geral das capitanias. Elas tão só revelavam os interesses dos grandes senhores locais, estando bem distantes dos verdadeiros centros de decisão política da época.  

Elas possuíam formato semelhante às suas similares portuguesas, cujas atribuições estavam fixadas nas Ordenações Filipinas, que também estabeleciam o sistema para as eleições dos oficiais das câmaras, correspondentes a “um juiz, três ou quatro vereadores, um escrivão, um procurador e, em alguns lugares, um tesoureiro.” (PINSKY; PINSKY, 2008, p. 521), com periodicidade de três em três anos e sob a presidência de representantes da Coroa.

O processo eleitoral foi constituído com as solenidades necessárias a lhe conferir o necessário respeito e confiança. A pedido do juiz, abria-se a “assembleia dos homens bons”, para indicação sigilosa de seis nomes para compor o corpo de eleitores; aqueles mais votados compunham turmas de dois, que, sem comunicação entre si, apresentavam uma lista com nomes que entendiam aptos a preencher os cargos eletivos. Após a verificação das três listas, os mais votados eram proclamados eleitos.[1]

Em 1821, sob a clara influência da Constituição Espanhola de Cádiz, de 1812, foi editada a primeira norma eleitoral brasileira, destinada a regulamentar o exercício do sufrágio para a eleição de deputados às cortes portuguesas, muito embora não se haja definido com precisão os requisitos necessários a tanto (CARVALHO, 1987).  

Poderiam votar todos os homens livres, sem restrição a analfabetos, desde que gozassem de respeito na comunidade e recursos financeiros, já que ainda se estava diante de um sufrágio censitário; entretanto, a “cidadania não era reconhecida para escravos nem para pessoas nascidas de uniões mistas entre negros, índios e mestiços.” (PINSKY; PINSKY, 2008, p. 523).

A bem da verdade, no período colonial, “a maior parte dos cidadãos do novo país não tinha tido prática do exercício do voto [...]. Certamente, não tinha também noção do que fosse um governo representativo, do que significava o ato de escolher alguém como seu representante político.” (CARVALHO, 2015, p. 38).

O sistema eleitoral se mostrou complexo, com sufrágio indireto e em quatro graus diferentes. Para votar nas eleições provinciais, o eleitor deveria ter pelo menos cem mil réis anuais em bens[2]; o voto era para escolher os compromissários, os quais deveriam ter renda mínima de duzentos mil réis e votavam para escolha dos representantes da paróquia, os quais elegiam os eleitores da comarca, que em seguida sufragavam os candidatos a deputado, que deveriam possuir renda de quatrocentos mil réis por ano, e senador, com renda mínima de oitocentos mil réis.[3] O Senado ainda elaborava uma lista tríplice dos eleitos ao cargo de senador, para que o Imperador escolhesse um deles.

Ante tal complexidade, uma circular foi editada naquele mesmo mês para autorizar os capitães-generais e governadores das capitanias a promoverem as modificações necessárias. Adiante, em 19 de junho de 1822, editaram-se instruções simplificando a eleição para apenas dois graus, ainda de modo indireto, agora destinada à escolha dos deputados constituintes (LEAL, 2012). Dom Pedro I, contudo, “não esperou pela deliberação da Assembleia Constituinte para aceitar o cetro de imperador: sua qualidade deriva do ato do Ipiranga. Entre o reio e o povo não houve um pacto, discutido e concedido, mas a adesão ao líder e chefe [...]”. (FAORO, 2012, p. 417).

Ao Rei e demais políticos encarregados do estabelecimento do Estado Brasileiro após a sua independência, o grande desafio seria moldar as instituições liberais europeias à realidade local. Estava-se diante de um país cujo sentimento de cidadania sequer estava próximo de ser consolidado. A população se resumia a poucos senhores, escravos e um contingente de homens livres pobres e, na esmagadora maioria, analfabetos.

A Carta Constitucional em 1824 (BRASIL, 1824), outorgada por Dom Pedro I, previu a distribuição das funções do Estado entre poderes, mas com a manutenção para si do controle destes pela via do chamado poder moderador, além de ter instituído grande restrição ao exercício dos direitos políticos, nas acepções ativa e passiva.

Não poderiam votar, por exemplo, escravos, os menores de 25 anos, à exceção dos casados que tivessem pelo menos 21 anos, estrangeiros não naturalizados, oficiais militares, padres que viviam em comunidade claustral e bacharéis, além daqueles que não detivessem a renda líquida anual ali exigida, de acordo com o tipo de eleição.  O voto, contudo, era privativo ao “gênero masculino e da cor branca, as mulheres estavam ausentes do texto, assim como os escravos e os indígenas.” (PINSKY; PINSKY, 2008, p. 526).

Decreto de 26 de março de 1824 (BRASIL, 1824b) determinou a realização da primeira eleição para deputados e senadores, sob o Governo imperial, cuja organização foi pautada pelas instruções ali definidas. O sistema eleitoral manteve-se simplificado a dois graus, com eleições paroquiais e provinciais. As instruções detinham nove capítulos, que dispunham, em resumo, sobre: (i) eleições das assembleias paroquiais; (ii) modo de proceder à nomeação dos eleitores paroquiais; (iii) apuração dos votos; (iv) organização dos colégios eleitorais e suas reuniões; (v) regulamentos sobre a eleição dos senadores, deputados e integrantes dos Conselhos Provinciais, além de como seriam apurados os votos.[4] 

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