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Concubinato e o direito sucessório brasileiro

Por:   •  14/9/2019  •  Trabalho acadêmico  •  2.021 Palavras (9 Páginas)  •  116 Visualizações

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”Concubinato e o direito sucessório brasileiro”

Maria Berenice Dias leciona que, “o impedimento (art. 1.801, III do CC), não existe, pois é resquício de um conservadorismo arcaico e preconceituoso” (BERENICE, pg. 351). Segundo Dias, o legislador quis excluir as famílias paralelas, ou seja, as uniões que os homens mantém concomitantemente com duas mulheres. Como se trata de situação existente, apesar de ainda não regulada, cabe reconhecer que há uma lacuna na Lei, o que não significa ausência de direitos. Comprovada a coexistência de dupla entidade familiar, o juiz deve fazer uso da analogia, concedendo o mesmo tratamento conferido à união estável.

A autora ressalta que a absurda limitação para herdar imposta ao concubino só cessa se o testador estava separado de fato há mais de cinco anos (CC, art. 1.801, III). Ora, havendo separação de fato não se pode falar em concubinato, entretanto, em união estável, não havendo justificativa para a restrição legal. Vale salientar que o prazo de cinco anos da separação conta da lavratura do testamento e não da abertura da sucessão. Aplicada a lei ao pé da letra, seria possível excluir o direito de quem convive com o testador há muitos anos, pelo simples fato de ter ele elaborado o testamento antes do prazo de cinco anos do fim do casamento. Mesmo que venha a morrer depois de 20 anos do fim do casamento, o testamento não valeria.

A outra restrição (de o testador ter sido o culpado pela separação) que impedia o concubinato de herdar não mais existe. O parceiro era punido por ato que não cometeu. A culpa era do falecido, mas o penalizado era o sobrevivente que talvez nem o conhecesse quando da separação. Ora a tentativa de identificar um responsável pelo rompimento do casamento desapareceu com a Emenda Constitucional 66/2010, que acabou com o instituto da separação e a desarrazoada perquirição da culpa.

Com salutar mudança também acabou a investigação da culpa em sede de direito sucessório.

No tocante ao concubino, Dias salienta que não é possível conceber que conste do Código Civil o art. 1.803: É lícita a deixa ao filho do concubino, quando também o for do testador. Para dizer o mínimo, é uma excrescência. Primeiro é usada à expressão “deixa”, que de há muito caiu em desuso, e quer dizer herança. Ao passo que, o filho do concubino, sendo filho do testador, é herdeiro necessário. Mesmo sendo fruto de uma relação extramatrimonial. Essa regra, que não existia na Lei anterior, incorporou Súmula 447 do Supremo Tribunal Federal que prescreve: “É válida a disposição testamentária em favor de filho adulterino do testador com sua concubina”. Tinha sentido quando fora editada, mas, hodiernamente, não tem qualquer justificativa para figurar lei. Desde a Constituição Federal, são proibidas designações discriminatórias relativas à filiação (CF 227, §6.º). Assim, filho é filho, sem qualquer adjetivo. Além de receber a legítima, pelo que transcreve a lei, pode ser beneficiado em testamento posterior.

Para os professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, o dispositivo legal em referência (CC, art. 1.801, III) também proíbe benefício testamentário em favor da concubina, ou do concubino, do testador casado, incorporando argumentos preconceituosos e estigmatizantes.

Coloca-se o dispositivo na mesma linha de tratamento da proibição de doação à concubina (CC, art. 550), mantendo o tratamento preconceituoso existente de há muito.

Malgrado o concubinato não tenha merecido tratamento de entidade dotada de natureza familiar, consoante a opção legislativa (CC, art. 1.727) e o consensus omnium jurisprudencial, o dispositivo é de duvidosa razoabilidade porque está retirando do testador a liberdade sobre a sua porção disponível (a legítima dos herdeiros necessários e a meação do cônjuge ou companheiro estão preservados). Não custa lembrar que se trata de parcela disponível do patrimônio do titular, já restringida pela legítima, pertencente aos herdeiros necessários. Esta parte disponível do patrimônio poderia ser testada (ou doada) para qualquer pessoa, por mais estranha que seja. Entretanto, não pode ser para a concubina.

Conforme os docentes, trata-se de “disposição legal excessivamente moralista e preconceituosa, explicitando uma exacerbada preocupação com o adultério e ignorando as novas formas de composição de núcleos familiares, baseadas no afeto. Proíbe-se uma pessoa casada de dispor, gratuitamente, de seu patrimônio em favor de seu concubino ou de sua concubina. Com isso, o sistema termina promovendo uma interdição parcial de uma pessoa plenamente capaz, pois retira do titular o direito de livre dispor de seu patrimônio, como se fosse incapaz para tanto”. (Grifos nossos)

Enfim, é uma tentativa de desestímulo do concubinato.

Há, sem dúvidas, uma influência da moral cristã, que repugnava as formas de constituição de família apartadas dos rituais do Código Canônico. Prova disso é que a proibição vem de tempos longínquos, nos quais a ciência jurídica sofria a ascendência da Religião. Assim, atravessaram as Ordenações Afonsinas (Livro IV, Título 13), Manuelinas ¬¬(Livro IV, Título 8) e Filipinas (Livro 4ª, Título 66) para ganhar cores bem nítidas no Código Civil de 1916 (art. 1.177).

A título de curiosidade, vale a lembrança de que o Código de 1916 apenas proibia o testamento em favor da concubina do homem casado, e não do concubino da mulher casada, demonstrando absoluta discrepância de tratamento entre sexos. Ou seja, uma mulher casada poderia testar para o seu concubino; o homem casado, não.

O mais surpreendente era a justificativa da disparidade de tratamento: “o legislador visou evitar escandalosas investigações a respeito da vida íntima de mães de família”. (MAXIMILIANO, Carlos, cf. Direito das Sucessões, cit., pg. 513).

Mantendo a proibição de testamento em benefício da concubina, a legislação brasileira ignora toda a evolução da matéria no direito comparado, deixando de perceber que os mais contemporâneos Códigos Civis não apresentam norma semelhante, como se pode notar no português, no italiano, no francês e no alemão.

Conquanto a atual redação legal (CC, art. 1.801, III) enseja algum nível de dúvida, por conta da imprecisão, prevalece à compreensão de que a proibição alcança todas as pessoas casadas, independentemente do gênero sexual, a partir de uma interpretação sistêmica e finalística.

Não incide a vedação, todavia, se o testador já estiver separado de fato, independentemente de prazo, porque, no caso, já se permite a constituição de uma união estável, consoante previsão expressa do

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