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HERMENÊUTICA JURÍDICA CLÁSSICA À NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Por:   •  6/10/2015  •  Trabalho acadêmico  •  7.799 Palavras (32 Páginas)  •  463 Visualizações

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DA HERMENÊUTICA JURÍDICA CLÁSSICA À NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Alexandre Henrique Gonçalves Batista
Bacharelando em Direito pela UnB
Jonas Teixeira Marinho
Bacharelando em Direito pela UFC
Rafael Santiago de Codes Oliveira
Bacharelando em Direito pela UFC
Victor de Resende Mota
Bacharelando em Direito pela UFC

O presente artigo pretende analisar a transição do paradigma de interpretação pautado no pensamento proveniente da Hermenêutica Jurídica Clássica para uma interpretação pautada no desenvolvimento da Nova Hermenêutica Constitucional. Tal alteração resulta de uma nova análise sobre o significado do texto constitucional, seus princípios e valores, bem como as consequências deletérias que a aplicação da Hermenêutica Jurídica Clássica traria à compreensão do texto constitucional, resguardando absurdos e desumanizando o Direito. Inicialmente, discorrer-se-á sobre os aspectos fundantes da Hermenêutica Jurídica Clássica, que ainda são de inestimável valia à interpretação, porém insuficientes à demanda do Estado Democrático de Direito e de seus cidadãos no âmbito constitucional. Também serão abordadas as diferenças entre princípios e regras. Tal análise será não só feita no tocante à resolução de antinomias, mas também serão postas em exame as diferenças estruturais entre essas espécies normativas. Por fim, serão analisadas as técnicas, os métodos e os princípios utilizados para a interpretação das normas constitucionais, bem como suas limitações. Desse modo, busca-se apresentar uma visão abrangente sobre as novas ferramentas teóricas que se destinam a conferir efetividade aos princípios e mandamentos axiológicos da Lei Magna.

Palavras-chave: Hermenêutica Clássica. Nova Hermenêutica. Princípios. Valores. Regras.




1. Introdução


A Hermenêutica tem seu nascedouro na Teologia, servindo de instrumento de compreensão dos sinais religiosos, sendo estes referentes à tradição cristã ou às tradições pagãs. Schleiermacher expande o terreno de aplicação da Hermenêutica, levando-a para a história. Posteriormente, Dilthey propaga o método hermenêutico às ciências que ele denominou “ciências do espírito”, que podem ser identificadas com as atualmente chamadas de “ciências humanas”, onde imperava não a explicação, mas a compreensão do conhecimento. Note que ainda não havia sido inserido o Direito no rol das ciências que se utilizavam do método hermenêutico.
Só com Savigny que é introduzido no Direito o método Hermenêutico. Devido à ligação de Savigny com a Escola Histórica do Direito, as técnicas de interpretação basicamente eram a Interpretação Gramatical, a Interpretação Lógica, a Interpretação Sistemática e a Interpretação Histórica.
Vale salientar, que a Hermenêutica para o Direito não se resume somente à interpretação, relacionando também à aplicação e integração, uma vez que o Direito é dotado de dinamicidade e necessidade de aplicação à realidade, também fluida.
Posterior a Savigny, podemos citar Ihering, introduzindo a Interpretação Teleológica às técnicas utilizadas na Hermenêutica Jurídica. Outros pensadores também fizeram grandes acréscimos à Hermenêutica Jurídica, porém não se mostra o foco do presente trabalho explorarmos cada um, porém não deixaremos de ressaltar seu legado à ciência do Direito.
Neste primeiro momento, onde sé é definida a Hermenêutica Jurídica Clássica, vale salientar que este período está intimamente ligado à Hermenêutica Filosófica. Mais à frente veremos como outro ramo do desenvolvimento da Hermenêutica, desaguando na sua vertente Existencial, influenciou o Direito de forma indelével.

2. Espécies de Interpretação

Faz-se necessário o estudo das principais espécies de interpretação utilizadas pela Hermenêutica Jurídica Clássica antes que possamos nos aprofundar nas diferenças entre esta e a Nova Hermenêutica Constitucional.
Realizar-se-á um estudo breve sobre as principais classificações, uma vez que o foco do presente trabalho não é sobre tal assunto. Contudo, não se pode afastar tais considerações, uma vez que são fundamentais para a compreensão do estudo em foco.
De forma sintética, podemos classificar as espécies de interpretação tendo como referência: a origem, a natureza e o efeito.

2.1 Quanto à origem

A classificação quanto à origem é referente à fonte de onde promana a interpretação. Não há a um enfoque, em tal classificação, do aspecto material, nem dos aspectos formais da interpretação. Somente é posta em análise a origem da interpretação normativa.

2.1.1 Interpretação Pública

É a realizada pelos órgãos do Poder Público e pode ser subdividida em três espécies: legislativa, judicial e administrativa.
A Interpretação Legislativa também é conhecida como Interpretação Autêntica. Esta é a interpretação feita por meio de uma lei, visando estabelecer seu alcance e força.
Segundo alguns autores, inexiste a interpretação autêntica, pois com a promulgação de uma lei visando corrigir a anterior, haveria uma revogação em favor da lei nova.
A Interpretação Judicial é aquela produzida na atividade dos tribunais. Sua construção é feita por meio de sentenças, acórdãos e súmulas, formando assim suas jurisprudências.
A Interpretação Administrativa é a realizada pela por meio de portarias, circulares, decisões etc.

2.1.2 Interpretação Privada

È a realizada pela doutrina, sendo realizada por meio de critérios científicos. Possui grande importância, pois colaboram para a renovação das interpretações da norma e do surgimento de novas perspectivas de interpretação, além de possuir mais dinamicidade.



2.2 Quanto à natureza

Essa classificação é referente à diversidade de técnicas utilizadas para se obter as possíveis interpretações. Note que o método é só um, mas as técnicas são diversas e estas se interpenetram, não havendo uma utilização “pura” de um método em detrimento de outros.

2.2.1 Interpretação Gramatical

Como o próprio nome sugere, esta é a interpretação relativa à análise dos aspectos formais e gramaticais dos enunciados normativos. Analisando de uma perspectiva lógica, este seria a primeira técnica a ser utilizada, uma vez que é fundamental ser travada a leitura do texto antes de se poder interpretá-lo. Embora não seja a melhor técnica, uma vez que não oferece uma interpretação, mas um leque de possibilidades, a Interpretação Gramatical possui inegável importância, pois ajuda a precisar o que pode ser aceitável e o que é estranho à interpretação de determinado enunciado normativo.

2.2.2 Interpretação Lógica

A referida Interpretação Lógica aqui exposta é em seu sentido estrito, uma vez, que poderíamos classificar qualquer Interpretação outra que não a Gramatical como Interpretação Lógica em seu sentido lato. Na Interpretação Lógica, há uma busca pelo sentido original buscado ser expresso pelo Legislador na forma de um enunciado normativo, frequentemente se diz que se busca a Vontade do Legislador.
Tal Vontade do Legislador pode ser vista por dois prismas de análise. O primeiro, através de um sentido objetivo, em que a norma seria portadora de uma vontade correspondente aos anseios da sociedade. A segunda compreensão é subjetivista, em que se vê a Vontade do Legislador como a vontade subjetiva que levou a criação da norma.

2.2.3 Interpretação Sistemática

A compreensão da norma em sintonia com o sistema que ela compõe, havendo uma influência de uma sobre a outra é a técnica da Interpretação Sistemática. Tal interpretação baseia-se na impossibilidade de se estudar as coisas isoladas de seu sistema. Busca-se a coerência interna do ordenamento, de modo que a aplicação de uma norma seja condizente com a orientação principiológica e axiológica do ordenamento.

2.2.4 Interpretação Histórica

Fortemente ligada à Savigny, a Interpretação Histórica pode ser subdividida em dois aspectos.O primeiro, o aspecto tradicionalmente compreendido como a Interpretação Histórica é referente às relações entre a occasio legis e a origo legis, ou seja, os fatos que geraram no passado a necessidade do enunciado normativo e os fatos no presente que dão suporte ao referido enunciado. Portanto, é preciso um exame da evolução através do tempo de determinada situação, para que se chegue à compreensão atual do enunciado normativo que o regula.
O segundo aspecto é o que é denominada Interpretação Filológica. Esta também pode ser considerada uma subdivisão da Interpretação Gramatical. A Interpretação Filológica é referente ao estudo diacrônico das expressões empregadas. Para tanto, é necessário um bom conhecimento lingüístico e uma pesquisa histórica do termo.

2.2.5 Interpretação Teleológica

A Interpretação Teleológica baseia-se no telos, ou seja, o fim pretendido pelo enunciado normativo. Não há uma restrição a somente o que o texto explicita, guiando-se a interpretação pelo fim desejado, seja este a justiça, a proteção de um determinado bem ou a razoabilidade. Por meio desta técnica adentram, no Direito, elementos meta-jurídicos que colaboram para a melhor identidade entre o Direito e a sociedade a qual a ele está submetido.

2.2.6 Interpretação Sociológica

A Interpretação Sociológica busca três objetivos: eficacial, atualizador e transformador.
O objetivo eficacial é referente a tentativa de, por meio da interpretação, oferecer aplicabilidade ao enunciado normativo, ou seja, permitindo-lhe ter eficácia.
O objetivo atualizador é referente a fornecer dinamicidade ao enunciado normativo de modo que este possa regular os fatos através dos tempos, prescindindo de nova redação.
O objetivo transformador pretende fornecer ao Direito a capacidade de se moldar aos anseios populares, servindo como um dos vetores do progresso social, buscando fornecer base a estes anseios.
A Interpretação Sociológica como um todo fornece um canal de contato do Direito com a realidade social. Tal contato serve como força atualizadora e de grande influência material para o Direito, situando-o no espaço-tempo com relação à sociedade que o submete.

2.3 Quanto aos efeitos

A classificação quanto ao efeito, como o próprio nome sugere, não diz quanto aos métodos ou a fonte, tão só o resultado alcançado pelo processo Hermenêutico.

2.3.1 Interpretação Declarativa

Ocorre quando o texto coincide com o espírito da lei, ou seja, bastaria a Interpretação, ou melhor, o Elemento Gramatical para a obtenção do mesmo resultado Hermenêutico

2.3.2 Interpretação Extensiva

Ocorre quando o texto é menor que o espírito da lei. Portanto, há a necessidade de que elementos externos aos textos sejam empregados para a obtenção do resultado, ou seja, são usadas outras técnicas além do Elemento Gramatical.
Não se deve confundir a Interpretação Extensiva com a Analogia, pois esta última é um método de integração, não de interpretação.

2.3.3 Interpretação Restritiva

É o caso contrario da Interpretação Extensiva, a letra da lei é mais extensa que o espírito da lei. Portanto, por meio de Elementos outros que não o Gramatical, se obtém a interpretação menos extensa que a letra da lei. Por vezes onde a lei diz que se deve interpretar restritivamente seria mais preciso dizer que se deve interpretar declarativamente.


2.3.4 Interpretação Modificativa

Biparte-se em duas modalidades: a Interpretação Modificativo-Atualizadora e a segunda, a Interpretação Modificativo-Corretiva.
A primeira é resultante de uma interpretação em que há os elementos teleológico e/ou sociológico. Devido a uma mudança na realidade social, posterior à feitura do enunciado normativo, há a necessidade de se readequar tal enunciado à nova realidade. Não se deve confundir com a Interpretação Extensiva, pois esta parte de pressupostos a priori para adaptar o enunciador, ao passo que o modificativo-atualizadora parte de pressupostos a posteriori.
A segunda possibilidade surge quando estamos frente a uma antinomia. Para que se evite o afastamento de um enunciado, a compreensão de um é alterado, desse modo compatibilizando-os anulando a antinomia. Tal interpretação provém do Elemento Sistemático.

2.3.5 Interpretação Ab-rogante

Resulta de uma interpretação em que o Elemento Sistemático está presente. Também aparece frente a uma antinomia, porém se mostra impossível ser sanada a antinomia pelos critérios tradicionais. Portanto, interpreta-se uma em detrimento da outra, forçando a anulação da antinomia.
Existiria, supostamente, a Interpretação mutuamente ab-rogante, em que ambos os enunciados são afastados, porém é forçoso admitir tal medida como uma interpretação, uma vez que não sobra o que se interpretar.

3. Hermenêutica Ontológica

Paralelo ao desenvolvimento da Hermenêutica Epistemológica ocorreu o florescimento da Hermenêutica Existencial, tendo como expoentes Heidegger e Gadamer. Tal Hermenêutica influenciou a Hermenêutica Jurídica, oferecendo base teórica para a Nova Hermenêutica Constitucional. Antes, porém, de nos determos nas especificidades e na mudança de paradigmas de interpretação, façamos um breve apanhado da teoria de Heidegger e Gadamer.
Heidegger altera o delineamento que era dado à interpretação. Antes se era buscada a interpretação correta, por meio de um método que poderia ser usado universalmente sempre com resultados semelhantes. Porém, Heidegger expande a compreensão da interpretação, desvinculando-a de seu caráter de “neutralidade”, colocando em cheque a Hermenêutica como método de alcançar a compreensão única e válida, abrindo espaço para outras compreensões. Para tal, ele parte da pré-compreensão do intérprete. Isto anula a pretensão de uma neutralidade na análise interpretativa, pois já se é inserido antes da tentativa de interpretar, uma compreensão que delineara o resultado.
Gadamer prosseguiu com o desenvolvimento da Hermenêutica Existencial. Também crítico do método, uma vez que segundo ele, obteríamos um resultado viciado, pois o método já definiria o resultado. Contudo, para Gadamer, o texto teria sentido ilimitado, pois para ele o resultado interpretativo resulta em uma espiral Hermenêutica. O contato travado entre o intérprete e o texto é adicionado ao horizonte de cada um, havendo sempre um acréscimo das possíveis interpretações, pois por meio do diálogo se busca a compreensão, mas através desse mesmo diálogo, surgem mais dúvidas. Além disso, Gadamer via que na própria aplicação havia uma concreção do entendido.
Da Hermenêutica Existencial se introjetou na Hermenêutica Jurídica os aspectos da pré-compreensão, da abertura de sentido e da concreção na aplicação.
Temos por pré-compreensão na seara jurídica o conhecimento prévio, proveniente da convivência social e da própria Constituição, fornecendo uma orientação material prévia à interpretação de qualquer enunciado normativo.
Na abertura da interpretação se é dado espaço para que novas direções sejam abertas ao texto, pois este tendo sentido ilimitado, permite que o Direito não fique preso a uma forma rígida, mas seja fluido e possa se adequar à realidade que o provoca.
Com relação à concreção na aplicação temos que não ocorre a subsunção do fato à norma, havendo uma adequação da norma ao fato, de modo a preservar a equidade na aplicação, princípio imperativo para uma sociedade justa e democrática.

4. Do surgimento da nova hermenêutica constitucional

Com as transformações políticas e ideológicas ocorridas principalmente após a Segunda Guerra mundial, a importância dada a Constituição cresceu consideravelmente, e esta passou a ser efetivamente considerada como a pedra angular de todo o ordenamento jurídico, base não apenas de sua unidade lógica, mas também de sua unidade axiológica. Assim, não era mais suficiente que a norma infraconstitucional se conformasse formalmente à Constituição (como queria Kelsen), mas era também necessário que houvesse conformidade material, isto é, a norma precisa estar em conformidade com os princípios e os valores constitucionais.
Recebendo influência da Jurisprudência dos Interesses de Ihering, surgiu a Jurisprudência das Valorações, que conferiu grande importância aos valores, vistos como os interesses predominantes da sociedade. A posição privilegiada que os valores assumiram no ordenamento jurídico contribuiu, de forma decisiva, para a atribuição de maior relevância aos princípios constitucionais no Direito Positivo.
Nesse novo contexto, os princípios constitucionais, que eram considerados pela maioria dos juristas apenas como programas políticos que deveriam orientar o legislador na elaboração das leis, adquiriram poder vinculante e passaram a ser considerados efetivamente como normas.
Com a ascensão dos princípios à categoria de normas autônomas, os métodos desenvolvidos pela hermenêutica jurídica clássica, que se destinavam apenas às normas com estrutura de regras, tornaram-se insuficientes para a compreensão e a aplicação das normas constitucionais. Sobre isso, afirma o professor Glauco Barreira Filho (2002, p. 62): “Como, no entanto, o Direito tem recebido uma elevada ênfase social e a atenção dos juristas tem recaído, de modo especial, sobre a Constituição, cujas normas são estruturadas sob a forma de princípios, tornou-se necessário uma nova metodologia.”
Sob a influência da Jurisprudência das Valorações, operou-se notável mudança nas concepções de interpretação das normas, o que ocasionou o surgimento da nova hermenêutica constitucional, que, embora não substituindo a hermenêutica jurídica clássica, veio a complementá-la. Essa nova hermenêutica apoiou-se principalmente em três pressupostos: um político (o reconhecimento da autoexecutoriedade das normas e a mudança do paradigma legalista para o paradigma constitucionalista), um técnico-jurídico (a ascensão dos princípios à categoria de normas) e um filosófico (a valorização da hermenêutica existencial, proposta por Heidegger e Gadamer). Sobre a metodologia da nova hermenêutica, esclarece o professor Glauco Barreira (2002, p. 62): “É na Jurisprudência das Valorações que a Nova Hermenêutica Constitucional vai encontrar o seu paradigma metodológico.”
Para a compreensão adequada da nova hermenêutica constitucional e das suas diferenças em relação à hermenêutica jurídica clássica, é necessário analisar primordialmente as diferenças quanto à estrutura e à aplicação dos princípios e das regras.

5. Diferença estrutural entre princípios e regras

Embora haja muitas divergências acerca da diferença entre regras e princípios, a maior parte dos modernos teóricos constitucionalistas estão de acordo em afirmar que os princípios também possuem força normativa, destacando-se, dentre eles, Robert Alexy (2008,p. 87):

Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de norma.

Um dos maiores problemas referentes à diferenciação de princípios e regras é a grande quantidade de critérios que podem ser utilizados. Além do usual critério da generalidade, por meio do qual regras seriam normas pouco gerais e princípios seriam normas bastante gerais, existem ainda diversos outros:

[...] ‘a determinabilidade dos casos de aplicação’, a forma de seu surgimento – por exemplo, por meio da diferenciação entre normas ‘criadas’ e normas ‘desenvolvidas’ -, o caráter explícito de seu conteúdo axiológico, a referencia à ideia de direito ou a uma lei jurídica suprema e a importância para a ordem jurídica. Princípios e regras são diferenciados também com base no fato de serem razões para regras ou serem eles mesmos regras, ou, ainda, no fato de serem normas de argumentação ou normas de comportamento (ALEXY, 2008, p. 88-89).

A partir desses critérios, são possíveis basicamente três teses diversas acerca da diferença entre princípios e regras. A primeira afirma que é insustentável tal distinção diante da enorme e confusa variedade de critérios existentes. A segunda defende a ideia de que é possível essa distinção, salientando que ela consiste em uma diferença de grau de generalidade. A terceira tese, por sua vez, sustenta que entre regras e princípios não existe apenas uma diferença gradual, mas uma diferença qualitativa. Essa última tese, defendida por Robert Alexy, é a que mais satisfatoriamente dá conta do problema, porquanto leva em conta as especificidades estruturais das regras e dos princípios, não se valendo de critérios vagos e imprecisos nem reduzindo suas diferenças meramente a uma questão de grau.
Segundo Alexy, princípios são “mandamentos de otimização”, isto é, ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Dessa forma, eles são caracterizados por poderem ser satisfeitos em diversos graus e pelo fato de que não são limitados somente pelas possibilidades fáticas, mas também pelas possibilidades jurídicas, representadas pelas regras e princípios colidentes.
As regras, por outro lado, seriam, segundo o eminente jurista alemão, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível, ou seja, as regras determinam que algo específico seja realizado ou não. Disso pode-se concluir que as regras, diferentemente dos princípios, ou são satisfeitas ou não o são: não há, portanto, variações no grau de realização, como há com os princípios.
Outra importante distinção feita por Alexy diz respeito ao diferente caráter prima facie das regras e dos princípios. Os princípios, cujas exigências não são absolutas, mas limitadas pelas possibilidades fáticas e jurídicas, contêm um mandamento prima facie, isto é, uma obrigação que deve ser cumprida desde que não entre em conflito com um mandamento que possua maior importância no caso concreto.
As regras, por sua vez, não constituem um mandado prima facie, mas um mandado definitivo, porquanto estabelecem uma determinação que é satisfeita ou não o é. Apesar disso, ressalta Alexy que as regras podem perder seu caráter definitivo e adquirir um caráter prima facie (caráter segundo o qual devem ser cumpridas à primeira vista, antes de se levarem em consideração as circunstâncias, mas não necessariamente devem ser cumpridas após a análise do caso concreto) desde que a elas sejam acrescentadas cláusulas de exceção no processo de decisão de um caso concreto.
Afirma ainda o jurista alemão que o caráter prima facie das regras com cláusulas de exceção é bem diferente daquele dos princípios:

Um princípio cede lugar quando, em determinado caso, é conferido um peso maior a outro princípio antagônico. Já uma regra não é superada pura e simplesmente quando se atribui, no caso concreto, um peso maior ao princípio que sustenta a regra. É necessário que sejam superados também aqueles princípios que estabelecem que as regras que tenham sido criadas pelas autoridades legitimadas para tanto devem ser seguidas e que não se deve relativizar sem motivos uma prática estabelecida. Tais princípios devem ser denominados “princípios formais” (ALEXY, 2008, p. 105).

Dessa forma, mesmo com o enfraquecimento de seu caráter definitivo, o caráter prima facie das regras mantêm-se muito mais forte que o caráter prima facie dos princípios, ou seja, as regras têm uma tendência muito maior a serem cumpridas após terem sido levadas em consideração as circunstancias especificas do caso concreto do que os princípios. Por outro lado, mesmo com o fortalecimento de seu caráter prima facie, por meio da introdução de uma carga argumentativa a seu favor, os princípios não obtêm um caráter prima facie como o das regras.

6. Da distinção entre colisão de Princípios e conflito de Regras

6.1 Antinomias

Antinomias são, segundo o professor Norberto Bobbio, normas incompatíveis entre si. Para ele, a regra é que o Direito não tolera as antinomias. Cabe, portanto, à hermenêutica jurídica a tarefa de eliminar as antinomias.
Para explicar o surgimento de antinomias, utilizaremos as quatro figuras de qualificação normativa: o obrigatório, o proibido, o permitido positivo (permite fazer) e o permitido negativo (permite não fazer). Segundo Norberto Bobbio, as antinomias se referem a normas que não podem ser ambas verdadeiras, podendo ser ambas falsas. Nas figuras de qualificação normativa, ocorre antinomia quando há relação entre obrigatório e proibido, entre obrigatório e permitido negativo; e entre proibido e permitido positivo. Exemplificando: podemos ilustrar o primeiro caso com o art.27 da Constituição italiana, que afirma: “A responsabilidade penal é pessoal”, que entra em conflito com o art.57, §2° do Código Penal italiano, que atribui ao diretor de jornal responsabilidade pelos delitos cometidos através da imprensa pelos seus colaboradores. O segundo caso é exemplificado pelo conflito entre o art.18 do T.U. das leis sobre a Segurança Pública italiana, que afirma: “Os promotores de uma reunião num lugar público ou aberto devem avisar, pelo menos três dias antes, o delegado” e o art.17, §2° da Constituição italiana, que afirma: “Para as reuniões, também em lugares abertos ao público, não é exigido aviso prévio”. No terceiro caso, o exemplo que temos é o do art.502 do CP italiano, que considera a greve como delito, enquanto o art.40 da Constituição italiana claramente estatui que o direito à greve é exercitado no âmbito das leis que o regulam. Apesar de no terceiro exemplo não haver uma oposição total entre as normas, há entre elas oposição parcial, que também constitui antinomia (BOBBIO, 1995, p 85-86).
Antes de examinarmos propriamente o conteúdo do tópico, devemos nos atentar para as duas condições necessárias para a ocorrência de antinomias.
A primeira condição básica é que as normas em conflito pertençam a um mesmo ordenamento. Embora ocorram antinomias entre normas de ordenamentos diferentes, estas ocorrem somente quando os ordenamentos encontram-se relacionados, seja de maneira coordenada, seja de maneira subordinada.
A segunda condição é que as normas devem ter o mesmo âmbito de validade, ou seja, devem regular o mesmo assunto de maneira diversa em relação aos aspectos temporal (devem se referir ao mesmo tempo), material (devem se referir ao mesmo objeto), espacial (devem se referir ao mesmo local) e pessoal (devem se referir à mesma pessoa).
Agora, prosseguiremos nosso estudo adentrando os tipos de antinomias. Eles são: total-total, parcial-parcial e total-parcial.
A antinomia total-total ocorre quando duas normas incompatíveis têm igual âmbito de validade. Nesse caso, nenhuma das normas pode ser aplicada sem conflitar com a outra. Por exemplo: a norma “É permitido entrada de animais no prédio” e a norma “É proibido entrada de animais no prédio”.
A antinomia parcial-parcial ocorre quando as normas conflitantes possuem âmbito de validade em parte igual e em parte diferente. Quando isso ocorre, a antinomia subsiste apenas para a parte igual. Por exemplo: a norma “É proibido, aos adultos, fumar cachimbo e cigarro das nove às onze em locais fechados” e a norma “É permitido, aos adultos, fumar charuto e cigarro das nove às onze em locais fechados” .
A antinomia total-parcial ocorre quando duas normas incompatíveis têm âmbito de validade igual, porém uma norma possui âmbito mais restrito do que outra. Nesse caso, “a antinomia é total por parte da primeira norma com respeito à segunda e somente parcial por parte da segunda com respeito à primeira” (BOBBIO, 1995, p 89). Como exemplo, pode-se citar a oposição entre a norma “É proibida a venda de bebidas alcoólicas entre a meia-noite e as seis horas da manhã” e a norma “É permitida a venda de cachaça entre a meia-noite e as seis horas da manhã”.
Existem outros tipos de antinomias, mas que, por não serem propriamente antinomias, são nomeadas de antinomias impróprias. Dentre essas, existem, de acordo com Norberto Bobbio, as antinomias de princípio, sobre a qual versaremos quando tratarmos das colisões de princípios, e a antinomia de avaliação, que ocorre no caso em que uma norma pune um delito menos relevante para a ordem jurídica com uma pena mais grave do que a aplicada a um delito mais relevante para a ordem jurídica. No caso da antinomia de avaliação, não devemos falar propriamente em antinomia, mas em injustiça. Outra antinomia imprópria é a teleológica, ocorrendo esta quando a norma que prescreve o meio para alcançar o fim está oposta à que prescreve o fim.

6.3 Critérios para a solução das antinomias

A eliminação das antinomias consistirá, na maioria das vezes, na eliminação de uma das normas em conflito e na aplicação da outra norma. Em alguns casos, porém, não será aplicada nenhuma norma ou serão aplicadas as duas normas, mas com algumas restrições.
Para iniciarmos a abordagem do tema, precisamos distinguir as antinomias em solúveis (ou aparentes) e insolúveis (ou reais). Os motivos pelos quais nem todas as antinomias são solúveis são: a existência de casos em que não é possível aplicar nenhuma das regras para solução de antinomias e a existência de casos em que é possível aplicar duas ou mais regras de solução de antinomias.
As regras fundamentais para eliminar antinomias são: o critério hierárquico, o critério cronológico e o critério da especialidade.
O critério cronológico, ou lex posterior, é o que no conflito entre norma posterior e norma anterior escolhe aplicar a posterior: lex posterior derrogat priori. Tal preferência explica-se pela adaptação do Direito às exigências sociais. Além disso, o legislador deve estar atento à utilidade da lei nova; portanto, a lei nova, supostamente, é melhor do que a antiga.
O critério hierárquico, ou lex superior, é o que decide pela norma hierarquicamente superior no conflito entre normas de hierarquia diferente: lex superior derrogat inferiori. Tal preferência é estabelecida em face da pirâmide normativa, que mostra o ordenamento jurídico como um sistema escalonado. Tal critério visa manter a estrutura do ordenamento intacta. Em relação aos costumes e sua hierarquia, a questão é complexa, pois, apesar de a maioria dos ordenamentos afirmar que o costume é inferior à lei, alguns ordenamentos os consideram da mesma hierarquia que a lei e outros os consideram superiores à lei.
O critério da especialidade, ou lex specialis, é o que, ocorrendo conflito entre uma norma geral e uma norma especial, escolhe aplicar a norma especial: lex specialis derrogat generali. A escolha é justificada através da justiça maior da norma menos extensa, pois, por ser mais específica, adequa-se melhor aos casos concretos. A injustiça de aplicar a regra geral ocorre porque ela trata de modo igual pessoas que pertencem a categorias diferentes; então, tendo sido aplicada uma regra mais específica, será mais fácil a realização da justiça, que é o fim maior do Direito. É importante ressaltar que, havendo a eliminação da antinomia pelo critério da especialidade, acontece somente a inutilização da parte da lei geral que é incompatível com a lei especial, mas não da lei geral em si.

6.4 Insuficiência dos critérios

Nem sempre os três critérios fundamentais irão resolver as antinomias. Pode haver antinomia entre normas que sejam contemporâneas, gerais e da mesma hierarquia. Em um código, por exemplo, há antinomias dos tipos total-total e parcial-parcial, que não podem ser solucionadas pelo uso de nenhum dos três critérios. Infelizmente, para tais situações não existem critérios fixos. Dependerá mais do julgamento do intérprete; porém, vale salientar que esse intérprete não é livre para decidir arbitrariamente. Ele deve seguir linhas possíveis de interpretação.
As possibilidades para o intérprete das normas em conflito são: eliminar uma das normas, eliminar as duas normas ou aplicar as duas normas.
No caso de eliminar uma das normas, o intérprete fará uma interpretação ab-rogante. Sendo essa ab-rogação, na verdade, em sentido impróprio, pois se for realizada pelo jurista, este não possui poder ab-rogativo, ou se for realizada pelo juiz, este tem o poder de apenas não aplicar determinada norma, mas não possui o poder de bani-la do ordenamento.
Só pode ser realizado o caso de eliminar as duas normas em conflito quando a oposição normativa for de contraditoriedade (a validade de uma implica a invalidade de outra), não de contradição. O intérprete utilizará, então, a interpretação mutuamente ab-rogante.
No caso de aplicar as duas normas, que é o caso mais recorrente na jurisprudência, o intérprete só pode se socorrer de tal possibilidade se satisfizer a condição de demonstrar que a incompatibilidade entre as normas é somente aparente e não existe uma incompatibilidade real. Para demonstrar a compatibilidade entre as normas, o intérprete deverá utilizar-se de interpretação corretiva. Pode-se considerar a interpretação corretiva como uma forma atenuada da interpretação ab-rogante. Esse tipo de interpretação tem por finalidade a modificação do sentido original da norma para torná-la compatível com a outra norma conflitante.

6.5 Conflito dos critérios

Nesse tópico trataremos de como resolver as chamadas antinomias de segundo grau, ou conflito entre critérios que visam solucionar as antinomias de primeiro grau. Como proceder quando há possibilidade de aplicar mais de um critério para resolver antinomias?
Quando as duas normas antinômicas estão colocadas de modo que, qualquer que seja o critério aplicado chegar-se-á à mesma solução, não há problema para discutir.
Quando, porém, a aplicação de critérios diferentes conduza a resultados diferentes, estaremos diante de um conflito de critérios. Examinaremos nos próximos parágrafos como proceder em cada caso.
Ocorre o conflito entre o critério hierárquico e o cronológico quando uma norma posterior-inferior conflita com uma norma anterior-superior. Nesse caso, há uma regra: o critério hierárquico prevalece sobre o critério cronológico; então, elimina-se a norma posterior-inferior. Tal regra justifica-se com base na manutenção da sistemática do ordenamento jurídico.
O conflito entre o critério de especialidade e o cronológico ocorre quando uma norma anterior-especial é antinômica em relação a uma norma posterior-geral. Nesse caso, também há uma regra: o critério da especialidade prevalece sobre o critério cronológico. A lei eliminada será, então, a posterior-geral. Podemos perceber pelos casos analisados que o critério cronológico é o mais fraco dentre os três.
Quando ocorre conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, a situação se complica, pois ambos são critérios fortes. É o caso de uma norma geral-superior em conflito com uma norma especial-inferior. Para tal caso, não é possível inferir uma regra. Cabe ao intérprete analisar qual critério deve prevalecer de acordo com as circunstâncias.

6.6 Colisão de Princípios

Após termos realizado uma análise sobre o conflito de regras, iremos agora analisar como resolver um choque entre princípios. Notemos que, por se tratar de outro objeto (o princípio e não mais a regra), não poderemos aplicar os critérios da Hermenêutica Jurídica Clássica de resolução de antinomias. Iremos aplicar as recomendações da Nova Hermenêutica Constitucional. Assim se intitula essa nova forma de interpretar, tendo em vista que a constituição de um país contém os princípios que regem o ordenamento jurídico daquele país.
Uma diferença fundamental entre o conflito de regras e a colisão de princípios é que as antinomias podem ser resolvidas abstratamente, enquanto a colisão de princípios só pode ser resolvida através da análise das circunstâncias fáticas. Além disso, a solução para o choque de princípios só é válida para o caso concreto a que se aplicou, ou seja, não terá efeito erga omnes. Não irá ser necessariamente válida para outro caso concreto, ou para o julgamento do mesmo caso em outra instância.
Vale lembrar também que os princípios são inafastáveis, ou seja, não se pode simplesmente ignorar um princípio em virtude de ele estar em conflito com outro princípio. Podemos inferir, então, que a colisão de princípios deverá ser solucionada através de um juízo de ponderação, ou seja, deve-se dar um peso maior a um princípio do que a outro, mas ambos incidem sobre o caso concreto. Para saber qual princípio o intérprete deverá atribuir maior importância no caso, ele deve ser guiado pela máxima da proporcionalidade, sendo esta entendida na acepção de método.
São sub-princípios da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Trataremos de cada um nos parágrafos subsequentes.
No juízo de adequação, há a análise da relação meio-fim. Cogita-se se o meio é adequado para a realização do fim desejado, estabelecendo considerações sobre os desdobramentos fático-jurídicos das relações entre os meios e os fins.
Na aferição da necessidade, a relação em estudo é meio-meio, ou seja, procura-se o meio mais suave para atingir o fim desejado. O intérprete observará qual dos meios possíveis é menos agressivo, menos arbitrário. Analisará também se os benefícios decorrentes da realização de um direito são motivos suficientemente fortes para justificar a restrição dos outros direitos em jogo.
A proporcionalidade em sentido estrito resulta na ponderação entre os direitos e interesses em jogo (fim-fim). O que o intérprete irá analisar são os benefícios e os prejuízos na concretização da medida, para então atribuir maior importância para um princípio ou para outro.
Para finalizar a parte de colisão de princípios, traremos um caso concreto em que teve que ser utilizada a proporcionalidade, ou sopesamento de princípios. Eis o caso abaixo:

TST- RECURSO ORDINÁRIO EM AGRAVO REGIMENTAL: ROAG 724 724/1997-026-07-40.4Relator(a): Luiz Philippe Vieira de Mello Filho
Julgamento: 22/11/2007
Órgão Julgador: Tribunal Pleno,
Publicação: DJ 28/03/2008.
RECURSO ORDINÁRIO EM AGRAVO REGIMENTAL - PEDIDO DE SEQÜESTRO - PRECATÓRIO - PRET E RIÇÃO - COLISÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. Sob o ângulo do direito objetivo existiu, efetivamente, o descumprimento do art. 100 da Constituição da República, porém tenho que pela regra da hermenêutica, não se trata da simples interpretação do previsto naquele dispositivo, mas há necessariamente colisão de princípios, pela qual não se perquiriria de culpa ou dolo do agente. A ação praticada pelo administrador no Tribunal de origem, por si só, configura ilícito que desatende ao princípio da impessoalidade no pagamento ordenado dos precatórios. Tem-se, assim, o princípio da pessoalidade violado por força do ato do Prefeito, o que coloca em confronto o art. 100 da Constituição da República. Por outro lado, a decisão assim proferida levaria a insolvência do Município e não comportaria nenhuma eficácia, mantendo eficiente o ato irregular do gestor da administração municipal. Decisão, assim, puniria o interesse público e todas as necessidades daquela municipalidade, pelo que exsurge o conflito de interesses entre o princípio da moralidade e o do interesse público, que, também, se encontra albergado na Constituição da República. Assim, atipicamente, ocorre uma colisão de princípios, eis que o art. 100 da Constituição da República nada mais é do que um vetor do princípio da impessoalidade e o art. 37 do mesmo ordenamento é o do princípio da moralidade, que assegura a atuação ou determina regularmente aquela do Prefeito Municipal e, na existência dessa colisão de princípios, não há dúvida, nessa hipótese atípica, afasta-se a manutenção da eficiência da solução adotada àquele que foi privilegiado, punindo, idealmente, o Município, ou seja, ambos seriam prejudicados, tanto aquele que foi privilegiado no seqüestro, que ficaria em situação benéfica, quanto o Município e seus munícipes, que restariam punidos a adimplir um precatório em detrimento de todas as condições de saúde, educação, segurança e outras, que poderiam ter investimentos nesse valor, sobretudo daquela região onde tal importância é crucial para a manutenção do Município. No entanto, não obstante a existência de colisão de princípios constitucionais, esta Corte consagra o entendimento de que, na presente hipótese, inexiste a demonstração de preterição pois não apresentada a posição do precatório do exeqüente na respectiva ordem cronológica daqueles expedidos em face do Município. -PRECATÓRIO. QUEBRA DA ORDEM DE PRECEDÊNCIA CRONOLÓGICA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE.

7. Da interpretação constitucional

7.1 Considerações iniciais

Interpretar, nas palavras de Paulo Bonavides, é uma “operação lógica, de caráter técnico, mediante a qual se investiga o significado exato de uma norma jurídica, nem sempre clara ou precisa” (BONAVIDES, 2007, p.437). A interpretação constitucional é aquela específica da Lei Maior, ou seja, é aquela que se busca estabelecer o sentido e o alcance das normas constitucionais.
Existe um debate doutrinário a respeito da interpretação constitucional. Para uns, apesar de a Constituição ser hierarquicamente superior ao restante das normas, em relação ao aspecto interpretativo, não existirá qualquer hierarquia. Dessa forma, ambas terão o mesmo tratamento na sua interpretação. Diverge a outra parte da doutrina, pois afirma serem insuficientes apenas os métodos tradicionais da hermenêutica jurídica, já que, pelo fato de as normas constitucionais apresentarem especificidades, devem também ter uma interpretação específica. Manuel Peixinho (2003, pp. 80-81) esclarece que “A norma constitucional, em função de sua especificidade, reclama por métodos próprios, que levam em consideração não só sua função semântica, mas, também, sua textura político-institucional.”
As normas constitucionais apresentam particularidades em relação às demais normas do ordenamento jurídico. Primeiramente, elas se caracterizam por serem de hierarquia superior, logo, irão vincular e dar validade às demais normas, caso isso não ocorra serão inconstitucionais. Outra particularidade das normas constitucionais é o seu caráter político e axiológico. Elas regem a estrutura e a organização do Estado, bem como distribuem competências aos poderes. Nelas, estão inseridos os direitos humanos essências, como, por exemplo, o da dignidade da pessoa humana.
Por essas distinções, as normas presentes nas Constituições apresentarão uma interpretação especial, além da interpretação clássica. Dessa forma, estabeleceram-se métodos e princípios da interpretação constitucional. Preleciona Gomes Canotilho (1998, p. 119):

Atualmente, a interpretação das normas constitucionais é um conjunto de métodos e princípios, desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência com base em critérios e premissas – filosóficas, metodológicas e epistemológicas– diferentes, mas, em geral, reciprocamente complementares, o que só confirma o já assinalado caráter unitário da atividade interpretativa.

7.2 Métodos da interpretação constitucional

Foram principalmente implementados pelos juristas alemães, como Theodor Viehweg, Josefh Esser e Friedrich Müller.
Conforme Canotilho (1998, p.1136), é bastante controvertido, no âmbito do Direito Constitucional, a escolha de um método justo para a interpretação das constituições. Esse autor mostra que são fundamentais o método jurídico; o tópico-problemático; o hermenêutico-concretizador; o científico-espiritual; e o normativo-estruturante. Apesar dos nomes individuais, eles não são métodos hermenêuticos autônomos, mas sim uma concretização do método da compreensão.

7.2.1 Método jurídico ou hermenêtico-clássico

Nesse método, a constituição é considerada essencialmente como uma lei. Com isso, a interpretação constitucional será igual à interpretação legal, ou seja, serão utilizadas regras tradicionais da hermenêutica, revelando o sentido dessas normas através dos elementos interpretativos usados para as leis em geral, como o filológico, lógico, histórico, teleológico e genético.

7.2.2 Método tópico-problemático

Segundo Chaïm Perelman (2004, p.119), os tópicos são lugares comuns, utilizados geralmente nos discursos persuasivos. São esquemas de pensamento ou raciocínio, pontos de vista. De acordo com Canotilho:

A interpretação da constituição reconduzir-se-ia, assim, a um processo aberto de argumentação entre os vários participantes (pluralismo de intérpretes) através da qual se tenta adaptar ou adequar a norma constitucional ao problema concreto. Os aplicadores-interpretadores servem-se de vários tópoi ou pontos de vista, sujeitos à prova das opiniões pró ou contra, a fim de descortinar, dentro das várias possibilidades derivadas da polissemia do sentido do texto constitucional, a interpretação mais convincente para o problema (CANOTILHO, 1998, p.1137).

Como a Constituição apresenta um pluralismo axiológico e uma abertura textual, ela mostra-se mais problemática do que sistemática. Por isso, é imprescindível que ela seja interpretada dialogicamente com todos os tópoi possíveis e escolhido àquele de melhor argumento. Essa interpretação tem como característica partir do problema para a norma.

7.2.3 Método hermenêutico-concretizador

Conforme Canotilho, esse método interpretativo é definido como: “uma compreensão de sentido, um preenchimento de sentido juridicamente criador, em que o intérprete efetua uma atividade prático-normativa, concretizando a norma para a partir de uma situação histórica concreta” (CANOTILHO, 1998, p.1138). Ele se inicia pela pré-compreensão do sentido de um texto normativo pelo intérprete e/ou aplicador que irá concretizar a norma diante de uma dada situação histórica.
Diferencia-se esse método do tópico-problemático, pois este prima o problema perante a norma, enquanto aquele prima o texto constitucional diante do problema. Ambos detêm o problema da falta de um critério de verdade que dê uma maior segurança às interpretações e não fique apenas vinculado aos critérios pessoais de justiça dos intérpretes.

7.2.4 Método científico-espiritual

Também conhecido como método valorativo ou sociológico, ele é utilizado como um instrumento de integração em sentido amplo. Há tanto o sentido jurídico-formal, que integra o ordenamento jurídico com as normas constitucionais, sendo essas suporte e fundamento de validade para as demais, quanto o sentido político e sociológico, que regula e supera os conflitos surgidos com a evolução política e social. Por isso, não se deve interpretar a Constituição como uma visão estática, mas com uma dinamicidade que a sociedade impõe às normas, devendo interpretá-la de forma evolutiva.

7.2.5 Método normativo-estruturante

Antes de se ater ao método é necessário ter um conhecimento prévio. Friedrich Müller com uma visão pós-positivisa, distingue o texto normativo da norma. Ele afirma que o texto legal, antes de qualquer interpretação, não passa de símbolos lingüísticos. Esse texto só adquirirá o caráter normativo após a sua interpretação e a sua aplicação em cada caso concreto pelo juiz. Logo a norma necessita tanto dos símbolos lingüísticos como do caso concreto. Afirma ainda:
Não é o teor literal da norma (constitucional) que efetivamente regulamenta um caso concreto, mas sim [...] todos aqueles que elaboram, publicam e fundamentam a decisão reguladora do caso, providenciando quando necessário, a sua implementação fática, sempre de conformidade com o fio condutor da formulação linguística dessa norma, bem assim com outros meios metódicos auxiliares que ajudam sua concretização (MÜLLER, 1999 apud COELHO, 2009, p. 129).

O método normativo-estruturante busca a interpretação das normas constitucionais baseado na relação existente entre os preceitos jurídicos e a realidade regulada, ou seja, a relação entre o programa normativo e o âmbito normativo. Dessa forma, a normatividade busca complementação fora do ordenamento jurídico, não se atendo à tradicional e exclusiva ligação com os comandos jurídicos.

8. Princípios da interpretação constitucional

Assim como os métodos, esses princípios auxiliam na interpretação das normas constitucionais. Vale ressaltar que da mesma forma como os métodos, os princípios da interpretação constitucional devem ser aplicados conjuntamente. As interpretações por eles proporcionadas não têm caráter obrigatório, ou seja, não vincularão o intérprete, mas apenas valerão como um tópico ou ponto de vista interpretativo para auxiliar na melhor escolha dentro os vários possíveis.
Os princípios mais importantes da interpretação constitucional são: o princípio da unidade da Constituição; o princípio da concordância prática; o princípio da repartição funcional; o princípio da eficácia integradora; o princípio da força normativa da Constituição; o princípio da máxima efetividade e o princípio da interpretação conforme a Constituição.

8.1 Princípio da unidade da Constituição

Com esse princípio busca-se estabelecer uma unidade e uma coerência da Lei Maior. As normas constitucionais devem ser vistas como preceitos integrados, afastando a possibilidade de sua interpretação de forma isolada. Caso exista uma situação em que duas ou mais normas constitucionais “pretendam” regular um determinado fato, aplica-se esse princípio para evitar tal conflito.
Como bem preleciona Glauco B. Filho (2002, p.79): “ A superação de contradições não [se dá] através de uma lógica de exclusão de uma parte a favor de outra, mas através de uma lógica dialética de síntese, através de uma solução de compromisso”.

8.2 Princípio da concordância prática

Também conhecido como princípio da harmonização. Ele consiste numa recomendação ao aplicador da norma constitucional, para que este, no momento da aplicação do texto, pondere e concilie bens ou valores constitucionalmente protegidos que estejam em conflito, otimizando a realização de todos eles ao mesmo tempo em que não os nega o mínimo necessário.

8.3 Princípio da repartição funcional

Sabendo que a Constituição é o âmbito normativo onde se estabelecem e se distribuem competências aos poderes, bem como a estrutura e a organização do Estado, aos interpretes é vedada a possibilidade de se utilizarem de tópicos que sejam contrários às normas constitucionais organizatório-funcionais, como, por exemplo, em relação à separação dos três poderes.

8.4 Princípio da eficácia integradora

Esse princípio orienta o intérprete para que escolha pontos de vista favoráveis à integração social e à unidade política. Ele preconiza a resolução de problemas constitucionais com a integração dos aspectos sociais que a sociedade passa a valorar.

8.5 Princípio da força normativa da Constituição

Tal princípio determina que se deve, ao interpretar os preceitos constitucionais, escolher argumentos que priorizem maior eficácia da Constituição, de forma que se possa ajustar o sentido das normas ao longo do tempo. Com isso, irá proporcionar uma maior permanência dessas normas diante da evolução social.

8.6 Princípio da máxima efetividade

Este se vincula ao princípio anterior, configurando-se como um sub-princípio. Da mesma forma que o princípio da força normativa, orienta os aplicadores da Constituição para que a intérprete de forma que lhe conceda uma maior eficácia possível. Deve-se interpretar uma norma constitucional da forma que mais lhe otimize a eficácia, sem, contudo, alterar seu conteúdo. É bastante utilizada na aplicação dos direitos fundamentais.

8.7 Princípio da interpretação conforme a Constituição

Além de um princípio interpretativo, é também um instrumento de controle de constitucionalidade. Diante de normas infraconstitucionais polissêmicas, aplica-se esse princípio para escolher o sentido que mais seja conforme com a Lei Maior. Deve-se lembrar o princípio da presunção de constitucionalidade das leis que afirma que as leis são, inicialmente, constitucionais. Dessa forma, a inconstitucionalidade não pode ser presumida, mas deve ser provada, como afirma Inocêncio Coelho (2009, p. 141).

9. Limites da interpretação constitucional

Assim como em todos os campos da comunicação humana, há a necessidade de se limitar a interpretação para se obter um sentido que satisfaça os anseios sociais. Especificamente, no âmbito do Direito, os seus aplicadores devem afunilar os diversos sentidos dos preceitos normativos para que se obtenha uma maior certeza e segurança jurídica. A interpretação constitucional deve ser realizada de forma intersubjetiva e devem ser respeitados os valores e princípios essenciais contidos nessa Lei.
Outro assunto que também é importante mencionar é o da mutação constitucional. Essa mutação é definida como uma alteração do sentido da norma sem, contudo, modificar o texto normativo. Como diz Canotilho (1998, p.1153): “Muda o sentido sem mudar o texto”. Também é definida por Coelho:

Mutações constitucionais nada mais são do que as alterações semânticas dos preceitos da Constituição, em decorrência de modificações de prisma histórico-social ou fático-axiológico em que se concretiza sua aplicação (COELHO. 2009, p. 152)

Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6ª. ed. Brasília: UnB. 1995

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. .21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 1998.

COELHO, Inocêncio. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição. 2ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da Constituição e os Princípios Fundamentais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.

PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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