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Samba de Enredo e Direito do Trabalho

Por:   •  6/10/2021  •  Artigo  •  10.065 Palavras (41 Páginas)  •  87 Visualizações

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Objetivo

Este artigo pretende expor e analisar como a música popular brasileira, ou mais especificamente um de seus gêneros, retratou a relação capital e trabalho ao longo do século XX. Por meio da exemplificação e da contextualização histórica, pretendemos demonstrar como os movimentos cíclicos de liberdade e restrição à criatividade do compositor popular permitiram a vazão de sentimentos, reivindicações e leituras históricas por meio do samba. Comprovaremos, ainda, que mesmo em situações de patrulhamento político-ideológico, ou de atrelamento de conteúdo aos interesses econômicos de financiadores, o sambista soube inserir exceções no curso da história, contrariando a tese reiteradamente defendida de que ele é uma sorte de “Lumpemproletariado”.

Não se pretende afirmar que o samba, ou especialmente o samba de enredo, foi um hino de luta ou instrumento de resistência. O próprio contexto da festa momesca repele a predominância de temas exageradamente críticos ou uma visão pessimista sobre fatos e passagens históricas. Mas, por outro lado, também não se pode aceitar que o Samba serviu tão somente aos interesses oficiais de exaltação da terra e seus governantes. Pelo contrário: Em inúmeras oportunidades soube dar vazão ao adágio latino “ridendo castigat mores”, retratando e reivindicando uma nova perspectiva para a classe que o produz. “A alegria não é uma ilusão, é um recurso”

Heitor Villa-Lobos, em palavras que lhe são atribuídas por Fabiana Lopes da Cunha, afirma que “Nenhuma arte exerce sobre as massas uma influência tão grande quanto a música. Ela é capaz de tocar os espíritos menos desenvolvidos, até mesmo os animais. Ao mesmo tempo, nenhuma arte leva às massas mais substância. Tantas belas composições corais, profanas ou litúrgicas, têm somente esta origem - o povo.”

Tais palavras teriam sido proferidas num contexto de evocação da brasilidade, própria do segundo quartil do século XX, e instrumentalizada pelos sucessivos governos de então (especialmente o primeiro período Getulista). Um esforço de mobilização e educação pela música, que deixou marcas profundas na estrutura do Samba de Enredo mas que, também, soube ser subvertido pelo compositor popular, de modo a apresentar ao grande público sua leitura crítica sobre o mundo que o cerca.

O Samba e a Música Popular Brasileira

Definir o que é a Música Popular Brasileira é tarefa extremamente complicada, alheia aos objetivos deste artigo. Por outro lado, exemplificar a discutir a presença das tensões entre capital e trabalho em todos os ramos da música brasileira resultaria em uma tarefa tão extensa quanto inconclusiva. Por isso, é importante delimitar de algum modo o espectro de atuação dessa análise, para que o estudo fique coerente e objetivo. Para tanto, vamos circunscrever a pesquisa a apenas um dos itens desse rico conjunto.

Talvez de forma instintiva, o primeiro gênero que se aponta como representação máxima da música popular brasileira é o Samba. Por si, isso já justificaria sua adoção como campo de pesquisas do tema abordado. Por outro lado, a riqueza genérica desse segmento acarreta um vultoso número de subgêneros, tornando a tarefa igualmente desnorteada. Por isso, mostra-se útil a um estudo mais produtivo a delimitação dessa análise a apenas parcela desse universo cultural brasileiro, no caso, o Samba de Enredo.

A opção pelo samba de enredo envolve algumas de suas características mais essenciais: a) A origem histórica do gênero musical, intimamente relacionada com o operariado e as classes sociais menos favorecidas do Rio de Janeiro do início do século; b) A origem popular das composições, normalmente feitas por cidadãos comuns inominados e/ou desconhecidos do grande público; c) A identificação ostensiva que os desfiles de escola de samba guardam com a imagem estereotípica da cultura brasileira; d) A estrutura de poesia épica, que propicia e torna a leitura histórica uma das marcas essenciais dos Sambas de Enredo; e) As relações conturbadas, mas necessárias, que as escolas de samba tiveram com o governo ao longo do século XX; f) a estrutura comunitária das escolas de samba, que influencia diretamente no processo de escolha do tema-enredo e seu desenvolvimento artístico.

Assim, pretendemos nas páginas que se seguem expor um pouco desses traços distintivos do Samba de Enredo e como essas peculiaridades fomentam tanto as possibilidades de leitura crítica da história como a instrumentalização dessa vertente cultural por governantes e empresários.

Para tanto, faremos no início do artigo uma análise sobre o processo de criação do Samba de Enredo e, consequentemente, da escolha do Tema-Enredo, seguida de uma discussão acerca da liberdade de compositores e carnavalesco na expressão de suas pretensões. Neste sentido, vamos empreender uma pesquisa cronológica das influências dos dois períodos ditatoriais e daqueles tempos de democracia que os sucederam, identificando os seus reflexos na produção literária e musical de Sambas de Enredo.

Adiante, vamos debater como o crescimento e popularização da festa na década de 90 fez restringir a criatividade do artista, dada a alta dependência e instrumentalização das Escolas de Samba por empresários, em moldes muito similares àqueles de tempos ditatoriais.

Por fim, procuraremos identificar momentos em que o sambista, mesmo delimitado em sua liberdade de expressão, soube expor seu ponto de vista sobre a realidade do cidadão suburbano e, por óbvio, como o trabalho e os demais fatores de produção foram retratados na visão do popular, normalmente educado apenas nas escolas de samba.

A posição literária do Samba de Enredo

Foi dito acima que o Samba de Enredo adota uma estrutura de poesia épica, em contraposição ao notório esquecimento que esse gênero literário amargou na literatura brasileira desde o início de seu descolamento da portuguesa. A poesia épica é o gênero literário no qual se lança mão da estrutura de poema para narrar fatos históricos, exaltar heróis e feitos grandiosos de um povo ou nação. O exemplo mais famoso de poema épico na literatura portuguesa talvez seja a obra de Luís de Camões, “Os Lusíadas”.

Tal definição permite aproximar a estrutura do Samba de Enredo deste gênero literário. Isto pois é reiterado nessa forma de poesia popular a menção a fatos e heróis, bem como a leitura histórica e cronológica por meio da poesia musicada pelo samba. Tal inserção é defendida por muitos pesquisadores do gênero, dentre os quais cabe citar Mussa e Simas, que afirmam “Entre as espécies de samba, o samba de enredo é certamente

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