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Estrutura Organizacional

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Por:   •  29/10/2013  •  1.870 Palavras (8 Páginas)  •  241 Visualizações

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O CASO DOS EXPLORADORES DE CAVERNAS

Introdução

Este trabalho tem o objetivo de apresentar uma reflexão sobre o “Caso dos Exploradores de Cavernas” criado por Lon L. Fuller. Cabe destacar que tal reflexão foi feita no âmbito da legislação aplicável no Brasil.

Para tanto, foi feita uma atenta análise do caso, seguida de pesquisa da legislação brasileira aplicável – Constituição Federal e Código Penal, a qual possibilitou a redação do voto a respeito do caso, complementado pelas conclusões.

Breve relato do caso

Em princípios de maio do ano de 4299, cinco pessoas, membros da Sociedade Espeleológica (uma organização amadorística de exploração de cavernas), ficaram presas dentro de uma caverna que exploravam, em consequência de um desmoronamento de terra, comum em cavernas de rochas calcárias como aquela.

Uma equipe de socorro foi prontamente enviada ao local e iniciou o trabalho de remoção das rochas e da terra que obstruíam a saída da caverna. No 32º dias após a entrada dos cinco homens na caverna, houve a desobstrução que possibilitou a evasão do recinto.

Os homens tinham levado poucas provisões, insuficientes para tão longo período de isolamento dentro do local, que não possuía animais e nem vegetais.

No 20º dias soube-se que eles possuíam um rádio e então foi providenciada infra estrutura capaz de possibilitar contato com eles.

Nesse contato, soube-se então que os cinco estavam vivos, mas preocupados quanto à possibilidade de que suas rações não fossem suficientes para suportar a espera pelo resgate. Os homens souberam então que o serviço duraria ao menos mais 10 dias. Ao consultar um médico sobre a possibilidade de sobreviverem sem alimentação por mais 10 dias, receberam a informação de que isso seria pouco provável. Em contato posterior, 8 horas mais tarde, um dos homens perguntou se sobreviveriam caso se alimentassem da carne de um dentre eles. Recebendo a resposta positiva à sua indagação, o homem quis saber sobre a conveniência dos cinco tirarem a sorte para selecionar qual deles serviria de alimento aos demais. Como não houve resposta a essa indagação, cessou também o contato com o cinco, pois não mais acessaram o rádio, conquanto o funcionamento dele fosse possível.

No 33º dia após a entrada na caverna, um dos homens, aquele que tinha feito as consultas sobre a possibilidade de se tirar a sorte para selecionar um dos cinco para servir de alimento aos demais, tinha sido morto e servido de alimento a seus companheiros.

Uma vez resgatados, os quatro homens remanescentes foram levados a julgamento, sob a acusação de provocar morte premeditada.

Meu voto sobre o caso

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o caso deve ser examinado com base no sistema de leis vigente no Brasil. De fato, não cabe invocar normas de “Direito Natural”, já que o ordenamento jurídico brasileiro é cristalino quanto à validade das leis em todo o território nacional , inclusive, em seu subsolo, em seus céus e em seus mares. Ademais, os envolvidos no caso foram educados em sociedade civilizada, de modo que tinham a perfeita noção de que matar não é permitido por nossas leis, exceto em casos muito específicos, como a legítima defesa e quando em guerra. No Brasil, o “Direito Natural” só pode ser aplicado em raros casos de indivíduos que vivem em comunidades localizadas em regiões remotas de nosso território, sem conhecimento de nossa cultura e de nossas leis, ou seja, casos envolvendo alguns – e não quaisquer – indígenas (SANTOS FILHO, p. 05). Não fosse assim, na prática o Estado renunciaria tacitamente ao seu poder-dever de impor o império das leis em todo o território nacional, de modo que poderia surgir um particular sistema de regramento social em qualquer local no qual as pessoas se achassem no direito de impor regras próprias – seja nas favelas das periferias de São Paulo, seja nos morros cariocas, seja nas cidades que ficam na selva amazônica, seja no sertão nordestino, seja no interior das organizações capitalistas, seja em comunidades religiosas. No limite, isso levaria à dissolução do Estado.

Uma vez afastada a possibilidade esdrúxula de “uso do Direito Natural”, cabe tecer considerações técnicas sobre o mérito no caso, estritamente à luz do Direito Positivo.

Em primeiro lugar, cabe discutir se houve ou não houve crime. De fato, essa é a premissa exigida para que faça sentido um julgamento de mérito.

Para saber se houve crime, é preciso antes de tudo caracterizar o fato ocorrido, a fim de verificar se atende ou não a condição de ato passível de ser considerado crime na legislação brasileira, ou seja: detalhar o fato evidenciando as provas de que ocorreu e verificar se há lei que permita classificá-lo como candidato à categoria de crime .

Quanto ao primeiro requisito, cumpre ressaltar que não há dúvidas de que houve uma morte provocada pelos acusados. Foram encontrados os restos mortais da vítima, os quais foram devidamente identificados como tal, bem como houve confissão dos acusados em relação ao fato de que a morte foi provocada por eles.

No que se refere à segunda condição, cabe indagar: há comando legal que defina o ato de provocar a morte de um ser humano como crime passível de punição? A resposta é afirmativa: o Artigo 121 do Código Penal deixa claro que a prática poderá ser punida com pena de reclusão , caso os réus não sejam considerados inocentes em eventual julgamento. Cumpre ressaltar que não há qualquer tipo de condicionante relativo à razão para ocorrência do fato ou ao grau de isolamento do local no qual se deu o crime.

Dado que o fato foi comprovadamente real, que os acusados foram identificados como responsáveis pela ocorrência do fato e que há lei anterior à ocorrência do fato que o defina como crime, fica caracterizado que é ato passível de apreciação na esfera penal.

Cabe, contudo, análise técnica mais aprofundada, que necessariamente deve anteceder a conclusão sobre caracterização ou não de crime: de fato, ainda não se pode ter certeza absoluta sobre a ocorrência de crime, já que o Artigo 23 do Código Penal prevê possibilidades nas quais o ato se descaracteriza como crime. Urge, pois, verificar se o fato se enquadra em alguma delas – ocorrendo isso, não há crime caracterizado; caso contrário, caberá julgamento na esfera penal pela acusação de crime contra a vida.

A primeira possibilidade de descaracterização de crime se daria em caso de o ato ter sido praticado pelos agentes em estado de necessidade. O Artigo 24 do Código Penal define o estado de necessidade, a fim de não permitir que qualquer tipo de banalidade seja invocada como justificativa para elidirem-se punições merecidas: somente se caracteriza em estado de necessidade alguém em perigo, cujo sacrifício de direito não era razoável exigir-se, nas circunstancias em que ocorreu o fato. Era o caso dos quatro acusados na época? Vejamos:

1º) havia perigo? Quando ocorreu o fato, eles encontravam-se confinados em uma caverna já há mais de 30 dias, sem provisões e tendo a certeza de que havia risco real e iminente de morte por desnutrição, bem como não havia a certeza absoluta de que o resgate seria feito em prazo hábil, já que sempre poderia ocorrer um deslizamento de terra que o adiasse. Está caracterizada, pois, situação de evidente perigo à sobrevivência dos homens ali confinados;

2º) havia direito ameaçado de ser sacrificado? Dada a imprevisibilidade concreta sobre o momento exato do resgate combinada à certeza de que tal não se daria em prazo que garantisse a todos a sobrevivência sem que se alimentassem, estava caracterizada a ameaça real e evidente ao direito à vida de cada um que estava dentro da caverna – seja em função de perecer pela fome, seja em razão de poder ser morto para servir de alimento aos demais;

3º) era razoável exigir-se o sacrifício ao direito à vida? Evidentemente, tal não poderia ser exigido dos acusados, dadas as peculiaridades já explicitadas, independente de terem ou não contato via rádio com o mundo exterior, já que isso não mudaria a situação concreta de perigo à sobrevivência em que lá se encontravam – exceto caso esse contato se traduzisse em termos de fornecimento de alimentos via buraco, como foi feito no caso dos mineiros presos em uma mina no Chile;

4º) as circunstâncias em que ocorreu o fato eram suficientemente excepcionais a ponto de justificar a razoabilidade em não se exigir a renúncia à atuação dos acusados em defesa de seu direito de proteger a sua própria vida? Obviamente, tal isolamento em termos de acesso a outras alternativas de alimentação deve ser considerado como circunstância suficiente para justificar o comportamento adotado pelos acusados.

Uma vez caracterizado o estado de necessidade dos acusados e afastadas as possibilidades listadas no § 1º e no § 2º do Artigo 23 do Código Penal, visto que nenhum deles tinha o dever legal de enfrentar aquele perigo, fica claro que não há crime, conforme se pode inferir com base no disposto no Artigo 23 do Código Penal.

Assim sendo, houve erro do Promotor de Justiça ao aceitar a denúncia de crime; consequentemente, o julgamento em primeira instância foi descabido, dado que contraria o já referido dispositivo legal. Deve-se, portanto, colocar em imediata liberdade os acusados, dado que não praticaram crime algum.

Minha Opinião Sobre o Caso

O Caso dos Exploradores de Cavernas foi criado por um professor norte-americano em 1949 – no Brasil, foi publicado em 1976. Trata-se de um caso que ainda costuma ser utilizado como obra introdutória nos cursos de Direito no Brasil, com o objetivo de suscitar a discussão entre a interpretação literal das leis e sua adequação a cada caso concreto.

Mesmo considerando a boa intenção subjacente, é preciso reconhecer que trata-se de caso de mau gosto e de duvidosa aplicação concreta, vez que envolve canibalismo, prática visceralmente repudiada e praticamente inexistente na quase totalidade das sociedades contemporâneas, bem como uma situação extremamente excepcional e pouquíssimo provável de ocorrer – creio que seria bem mais interessante, eficaz e útil a futura aplicação o uso de casos redigidos com base em julgados verídicos.

Cabe destacar que o texto carece de falta de clareza e de significativa incoerência em um trecho crucial: embora afirme que os homens foram libertados no 32º dias apos sua entrada na caverna , em outro trecho diz que a morte ocorreu no 33º dia após a entrada na caverna , o que seria impossivel caso a informação do dia do resgate estivesse correta. Ademais, como se fundamenta em um sistema de leis diferente do brasileiro, creio que não caberia aplicá-lo em cursos de graduação, menos ainda em cursos introdutórios, pois acredito que não se deve ensinar o básico usando a exceção da exceção, a bem de evitar confusão e dificuldade desnecessária no aprendizado e na fixação de conceitos – em minha opinião, esse texto poderia ser melhor aproveitado em estudos de pós-graduação, nos quais o objetivo seja aprofundar discussões entre pessoas já iniciadas nos conceitos fundamentais.

Bibliografia

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

BRASIL. Decreto-Lei 2848 (Novo Código Penal). http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del2848.htm

FULLER, Lon L. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Tradução do original inglês e introdução por Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre, Fabris, 1976.

SANTOS FILHO, Roberto Lemos dos. Índios e imputabilidade penal. http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/indios_imputabilidade_Penal.pdf

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