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Os “Espirituais”: A Nova Humanidade e a Sociedade Alternativa na Eclesiologia de Paulo

Por:   •  23/5/2021  •  Artigo  •  8.084 Palavras (33 Páginas)  •  141 Visualizações

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FACULDADE ADVENTISTA DE TEOLOGIA

LATU SENSU EM ESTUDOS TEOLÓGICOS, INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

Teologia Paulina - Prof. Reinaldo W. Siqueira

Os “Espirituais”: A Nova Humanidade e a Sociedade Alternativa na Eclesiologia de Paulo

Marcelo Palma Rezende

Resumo

Neste artigo iremos procurar entender a definição que Paulo faz da natureza humana em sua primeira carta aos Coríntios nos capítulos 2:1-3:3. Vamos procurar compreender o ambiente sociocultural da cidade de Corinto como sociedade greco-romana. Para entendermos a origem da terminologia empregada pelo apóstolo neste texto, vamos procurar os relacionamentos intertextuais que serviram de base para as expressões que ele emprega para qualificar os tipos de seres humanos. Com base nessa pesquisa vamos entender quem são os “espirituais” para Paulo e como, a partir desse grupo como elemento constituinte da sociedade ideal da Ekklesia, a verdadeira natureza e propósito da Igreja como “sociedade alternativa” a todos os sistemas civilizatórios presentes no mundo ficam patentes assim como seu chamado elevado para ser a antecipação atual da realidade da verdadeira sociedade humana futura.

Palavras-chave: Eclesiologia, Espirituais, Coríntios, Paulo, Ecos, Intertextualidade

Em 1906, em uma das encostas montanhosas próximas às ruínas da antiga Éfeso, o arqueólogo Karl Herold, do Instituto Arqueológico da Áustria, descobriu uma pequena caverna utilizada no passado provavelmente como local de culto por grupos cristãos que trouxe uma revelação no mínimo intrigante: afrescos do século VI que apresentavam no centro a figura do Apóstolo Paulo como a figura central. Mas Paulo não estava sozinho. Ao seu lado uma figura feminina nomeada como Tecla que apresentava em sua postura toda a importância e autoridade que ela possuía aos olhos daqueles que haviam decorado o local. Ela está ao lado do Apóstolo e, imitando seus gestos, possui a mão direita erguida indicando estar sendo retratada em pleno ato do ensino. Assim como Paulo (que igualmente possui a mão erguida como mestre) ela também possuía autoridade de ensinar. Mas os detalhes intrigantes dessa caverna continuam. A imagem de Tecla apresenta sinais claros de vandalismo e depredação. Seus olhos estão apagados e seus dedos da mão direita erguida estão raspados na pintura. Cristãos posteriores, ao que leva a crer, manifestaram sua repulsa ao fato de Tecla ter sido colocada como mestre em pé de igualdade com o apóstolo sendo ela mesma uma mulher. Se essa interpretação para os atos de vandalismo na caverna reflete a realidade, vemos aqui uma tensão entre correntes diferentes de interpretação não apenas do papel da mulher no funcionamento da igreja, mas na própria compreensão da eclesiologia oriunda da teologia do apóstolo Paulo, afinal, ele é a figura autoritativa central de onde deriva a possibilidade de Tecla ser recebida como mestre. Esse pequeno exemplo nos apresenta a questão deste artigo: o conceito de Paulo da comunidade cristã e sua proposta de igualdade e asserção geral na comunidade de Cristo. Essa comunidade utópica, mais do que a poderosa instituição com a qual ela foi identificada séculos depois revela uma tensão entre a viabilidade de uma sociedade alternativa e a abertura dessa comunidade ao sistema vigente na sociedade de então com o objetivo de ampliar seu alcance de influência e crescimento. Qual é a natureza dessa sociedade, a “Ekklesia” de Paulo? Como ela pode ser radicalmente oposta a todos os valores da sociedade atuante e ao mesmo tempo suficientemente integrada e sedutoramente atrativa para aqueles que vivem totalmente alienados em relação à sua cosmovisão?

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Respeitando o escopo deste artigo vamos nos concentrar na a primeira carta de Paulo aos coríntios e um estudo específico de caso para respondermos a essas questões. Na história dessa comunidade vemos de maneira muito clara essa tensão: o desafio de se viver a igualdade cristã, a má compreensão da natureza verdadeira da “Ekklesia”, o desafio de existir em meio à sociedade patronal greco-romana e como essa tensão se refletia na vida prática da comunidade. Nos capítulos 2:10-3:3 Paulo define a natureza humana em alguns grupos e identifica a nova humanidade, o “Homem Espiritual” (πνευματικὸς) que deveria constituir a comunidade da “Ekklesia”. Com base nesses elementos constituintes que refletiriam o nível da maturidade da comunidade, a igreja deveria firmar sua identidade e viver sua dinâmica interna de relacionamento e edificação e externa de missão. Examinaremos especificamente os Capítulos 2:10-3:3 para entendermos a nova humanidade e buscaremos estabelecer a origem desta terminologia em Paulo para descobrir seu real significado. Dessa maneira tentaremos entender o conceito paulino de igreja, seu elemento humano constituinte e como ela deveria se relacionar com a comunidade circundante. Veremos que para Paulo a igreja é uma amostra de uma nova humanidade que anacronicamente estaria manifesta neste mundo uma vez que ela é constituída de homens que carregam uma outra natureza estranha a realidade natural presente e, como tal, deveriam viver encarnando uma proposta de dinâmica existencial interna e externa radicalmente diferente, sob o risco de não ser a “Ekklesia” do Senhor.

O Ambiente da Tensão: A Sociedade Patronal Greco-Romana de Corinto

Corinto, no passado, devido a seu destaque como cidade grega e poder local competidor havia sido destruída por Roma e, 146 a.C. Em 44 a.C. foi refundada por Júlio César e foi repovoada por militares, escravos libertos, artesãos e comerciantes. Um olhar superficial para a sociedade de então nos leva a projetar as estratificações de classes sócias baseadas nos bens de produção ou nos potenciais de comercio segundo a leitura econômica liberal ou marxista que automaticamente é feita hoje em dia para se entender as diferenças sociais das sociedades antigas. Mas esse é um anacronismo hermenêutico-histórico falacioso, pois a sociedade daquela época não era divida e categorizada como a sociedade moderna é atualmente em sua complexa rede de riquezas.

Ao contrário, a sociedade romana (que era tipicamente representada em Corinto), era baseada em um sistema patronal centralizado na unidade doméstica que por sua vez compunha um micro aglomerado de “casas” ou “famílias” que eram controlados ou dirigidos por aristocracias locais. Essas unidades familiares, as casas (oikos) eram muito diferentes das unidades nucleares familiares atuais que são baseadas em vínculos consanguíneos parentais constituídas de marido, mulher e alguns filhos. As “casas” ou “oikos” poderiam ser comparadas com microempresas domésticas administradas por patronos organizadas hierarquicamente em uma estrutura fixa de cadeia de comando onde cada membro representava seu papel previamente estabelecido. Eram formadas obviamente pelos parentes próximos, mas além destes por escravos, libertos, trabalhadores contratados, e mesmo eventualmente por atendentes e parceiros no comercio ou profissão (MEEKS, 2011, p. 172). Esse sistema celular era a segurança do funcionamento macro da sociedade imperial Romana.

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