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Peter Berger - Religião e Manutenção do Mundo e o filme A Vila

Por:   •  16/9/2018  •  Resenha  •  2.260 Palavras (10 Páginas)  •  557 Visualizações

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CES – ENGENHARIA DE SOFTWARE - ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO – 1º SEMESTRE/2018

ALUNOS: PEDRO FURLANI DA CONCEIÇÃO E GABRIEL RIBEIRO TESTONI

Em breve sinopse, o filme “A Vila”, de M. Night. Shayamalan, conta a história de um grupo de amigos que, confrontado pelo sofrimento, dor e morte que a vida nas grandes aglomerações urbanas lhes afligiu, opta por se isolar em uma floresta, nela estabelecendo um vilarejo em que criam suas famílias sem qualquer contato com o mundo exterior. O grupo, que passa a se denominar “Os anciãos”, cria uma lenda segundo a qual seres monstruosos, denominados “Aqueles de quem não mencionamos”, habitam a floresta, e matam quem tenta atravessá-la. Fazem isso a fim de manter aquela sociedade reclusa, sem que ninguém dela possa se retirar, diante do medo do mito criado. Para os fins do presente trabalho, no intuito de entender como a religião pode ser entendida como construção de mundo, o filme será confrontado com o texto de Peter Berger, de título “Religião e Manutenção do Mundo”.

Segundo o autor, para que, em mundos socialmente constituídos, seus programas institucionais perdurem, será sempre necessário o processo de controle social, eis que, por meio deste controle, passa a se conter resistências individuais ou de grupos que eventualmente existam no interior de dada coletividade. Nesse contexto, a legitimação – entendida como o “saber” socialmente objetivado em dada comunidade – será de extrema importância para a manutenção da coesão social.  Essa legitimação vem, antes de tudo, primariamente, pela simples e própria existência factual, objetiva, de dada sociedade, como evidente em si mesma – o que garante o mesmo efeito a suas instituições e a ações que delas decorrem. Para que as convenções sociais sejam transmitidas entre gerações, será necessário que as novas habitem este mesmo mundo social, e estejam presentes fórmulas legitimadoras para que sejam respondidos os questionamentos que inevitavelmente surgirão. Da mesma forma, ditas fórmulas precisarão ser aplicadas àqueles que já habitam este contexto, de forma repetida, para que se reafirmem, e sejam lembradas, mantendo viva a legitimação na mente das pessoas – e evitando, dessa feita, crises coletivas e individuais que possam botar em cheque a coesão de dada coletividade. O controle social é a marca da sociedade artificialmente criada pelos anciãos, tudo legitimado, em última instância, pelo mito dos monstros da floresta. Às novas gerações são passadas as mesmas e únicas referências – como na cena em que o ancião conversa com crianças em uma escola -, e aos demais, a cultura é sempre lembrada nos eventos sociais, ao exemplo das cenas do funeral, logo no início da película, e dos eventos como almoços coletivos e festas. Quanto maior for eventual resistência, mais drásticos os meios para vencê-la, maior será a necessidade de legitimações extras, a fim de justificar a gravidade da resposta, em diversos níveis. No filme, por exemplo, à medida em que Lucius Hunt se torna mais questionador de sua realidade, e mais corajoso em esticar os limites territoriais de sua sociedade, mais os anciãos vão tendo de reafirmar a realidade imposta toda aquela coletividade – vão aumentando, vez a vez, a gravidade dos “ataques” dos monstros da floresta, tudo no intento de dissuadir Lucius e manter intacta a coesão social. A legitimação possui um aspecto objetivo, a partir de definições da realidade externa, encontrada pelos homens em sua vida cotidiana, mas também um subjetivo – interno ao indivíduo, que será a apreensão daquele mundo objetivamente verificado sendo interiorizada por ele em sua consciência. Ambos os aspectos devem ser mantidos, no intento do controle social. Objetivamente, a população da Vila conhece apenas aquela cultura e estruturas sociais; subjetivamente, vivenciam citada cultura e estruturas como a única realidade possível – vivem e trabalham tendo como finalidade os interesses daquela sociedade em que inseridos.

No entender do autor, a religião tem sido, ao longo da história da humanidade, o maior e mais eficaz instrumento de legitimação social, e assim o é por relacionar as realidades sociais humanas, precárias (caracterizadas por sua mutabilidade, contradição, temporariedade, conflituosidade), à uma realidade suprema, sagrada, ligada à ordem fundamental do universo, um consentimento divino, que lhe transcende é anterior, e que por definição está aquém de sua compreensão (caracterizadas por sua permanência, sua segurança, eternidade, inevitabilidade) – concebe-se que participar da primeira realidade é reflexo da participação da segunda. Em outras palavras, há uma  capacidade única da religião de situar fenômenos humanos num quadro de referência superior, divino, de relacionar a realidade humanamente compreensível com a realidade universal, sagrada. Tudo isso torna, por consequência, mais dificultoso o questionamento por parte dos integrantes de dada coletividade, ainda mais em comparação às possibilidades de questionamento fundadas no consentimento humano, que fundamenta as realidades empíricas. A construção humana é mais fácil se compreender e se questionar do que a construção divina. Aliado a isso, a estrutura política estende o poder do cosmos divino à esfera humana– e a autoridade política é concebida como agente dos deuses, ou mesmo encarnação divina, e o governo se torna um canal pelo qual forças divinas são aplicadas à vida social, para própria manutenção da ordem desejada na esfera divina. Em relação ao filme, é fácil de perceber como esse modelo social anteriormente exposto se encaixa: os anciãos, como fundadores daquela comunidade, gozam de autoridade política nunca questionada, pois fundada em premissas maiores e anteriores aos próprios integrantes; ao mesmo tempo, o fato de todos os membros daquela sociedade viverem, objetivamente e subjetivamente, aquela realidade, com todas as suas ações limitadas ao funcionamento da sociedade em que inseridos, sociedade que por sua vez supostamente seria reflexo de um bem maior (notadamente quando em confronto com o mal representado pelos seres da floresta), concede a referida sociedade ares de verdadeira religião.

Assim, por meio da religião, do ponto de vista objetivo, as instituições sociais, empiricamente tidas por frágeis e voláteis, ao se fundamentarem em status cósmico, passam a ter conferida estabilidade para além das contingências humanas e históricas, superando o próprio término da existência dos indivíduos e de coletividades inteiras; do ponto de vista da consciência subjetiva, o efeito é uma percepção mais segura, pelo indivíduo, de seu papel social, eis que desprendido da identificação dos demais indivíduos (sempre passível de erosão e alteração): a auto-identificação se associa a uma realidade transcendente, universal, associada ao divino (e portanto mais confiável, definitiva), podendo ele então prescindir da inconstante percepção dos outros membros da sociedade. A partir do conjunto desses dois aspectos de legitimação, temos, com efeito, que a existência e a ação dessas instituições, objetivamente verificáveis, ganham um significado muito mais elevado, como representação de uma realidade superior, se investindo em uma qualidade de imortalidade – consequentemente, desvios individuais dos papeis definidos acarretam sanções pesadas, tudo secundado pela legitimação que lhe é anterior. As estruturas sociais na sociedade proposta na história do filme descrevem exatamente este cenário, de controle social tanto objetivo – com instituições funcionando, sem questionamentos, fundadas em uma realidade de um bem maior supostamente anterior às pessoas que então a compunham - quanto subjetivo – com aquela realidade introjetada tão fundo na mente dos habitantes, que em diversas oportunidades em que confrontados com a possibilidade dela se retirar, preferiram manter-se, seja por medo dos seres da floresta, seja por compreensão de seu papel transcendente naquela forma específica de viver e conceber a vida, geradora de uma auto-identificação forte com aquele estilo de vida.

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