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A Concepção Ontoantropológica Do Direito Penal

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Por:   •  28/8/2013  •  5.626 Palavras (23 Páginas)  •  437 Visualizações

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O FUNDAMENTO MATERIAL DO ILÍCITO-TÍPICO À LUZ DA COMPREENSÃO ONTO-ANTROPOLÓGICA DO DIREITO PENAL DE FARIA COSTA: A OFENSIVIDADE E OS SEUS DISTINTOS NÍVEIS

Diego Alan Schöfer Albrecht

Júlia Bagatini

SUMÁRIO: Introdução. 1. A síndrome funcionalista e o excessivo predomínio da política criminal: a necessidade de um argumento de validade a frear a Zweckrationalität. 2. A compreensão onto-antropológica do direito penal de Faria Costa: a ofensividade como fundamento material do ilícito-típico. 3. Ilicitude versus(?) tipicidade. 4. A ofensividade e os seus distintos níveis. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.

Introdução

Vivemos um tempo de efemeridades, de transitoriedades. Um tempo que nos faz refém da circunstância. Um tempo que glorifica o instante e que, talvez por isso, conceba o futuro como uma simples sucessão ininterrupta de muitos presentes. Um tempo que muito se aproxima, ou que até se confunde, com a temporalidade. Um tempo, enfim, que podemos chamar tempo breve, que não consegue conviver com o tempo longo. E se as coisas são, realmente, assim, não podemos negar, no seguimento de Faria Costa, que “estes são tempos de ‘razão débil’ e que quando se ousa ir contra o tempo, de duas uma: ou se não tem razão ou se tem razão para outro tempo”.

A despeito disso, se bem que cientes do risco inerente a uma tal postura, acreditamos que o tema de que cuidaremos a seguir demanda a adoção de uma razão, de um pensamento que se pretende forte. Mesmo que o caminho escolhido nos leve a andar, de certo modo, na contramão do pensamento reinante, ainda assim é nossa firme convicção de que se trata do caminho mais consentâneo à realidade. Falamos da necessidade de se (re)pensar e (re)discutir o fundamento do Direito Penal, hoje tão permeado por compreensões utilitaristas, e da consequente necessidade de se estabelecer um seu argumento de validade, capaz de conferir-lhe legitimidade.

A fim de cumprirmos os objetivos estabelecidos para o presente estudo, iniciaremos com uma análise crítica do atual cenário da ciência penal, no qual a política criminal afigura-se como a vertente mais poderosa. Uma vez manifestada nossa antipatia em relação às teses funcionalistas hoje predominantes, falaremos sobre a necessidade de se encontrar um argumento de validade capaz de legitimar a intervenção penal e de limitar as pretensões político-criminais, o que faremos a partir da adesão à compreensão onto-antropológica do Direito Penal desenvolvida por Faria Costa. Finalmente, após algumas breves considerações acerca da relação entre tipicidade e ilicitude, encerraremos abordando a noção de ofensividade e os seus distintos níveis.

1. A síndrome funcionalista e o excessivo predomínio da política criminal: a necessidade de um argumento de validade a frear a Zweckrationalität

A ordem jurídico-penal pode ser estruturada a partir de duas realidades dinâmicas e indissociáveis: o crime e a pena. Essas realidades dão origem a duas distintas formas de pensar o Direito Penal: de um lado, podemos fundamentá-lo com base nas consequências da norma, isto é, na pena; de outro lado, podemos explicá-lo a partir do objeto da norma, ou seja, do ilícito.

Limitemo-nos, por ora, à primeira perspectiva, a qual serve de base às orientações de cunho funcional, cuja feição mais extremada pode ser vislumbrada no funcionalismo-sistêmico de Jakobs, para quem ao Direito Penal cabe a tarefa de manutenção das expectativas normativas juridicamente fundadas, não havendo, por conseguinte, espaço para a noção de bem jurídico-penal, ou melhor, bem e norma acabam por se fundir num único elemento ou objeto jurídico. Partindo do mesmo radical, ou seja, da pena como elemento estruturante do Direito Penal, podemos surpreender os pensamentos de Roxin e de Figueiredo Dias, sensivelmente mais racionais e moderados em comparação à postura de Jakobs, sobretudo em razão de não prescindirem – como regra – da noção de bem jurídico-penal como limite à intervenção punitiva. Tentemos explicar melhor.

Desde V. Liszt, a dogmática penal, a política criminal e a criminologia formam o modelo tripartido denominado ciência conjunta (total ou global) do Direito Penal (die gesamte Strafrechtswissenschaft). Se no início as duas últimas podiam ser consideradas ciências auxiliares da primeira, hoje, ao que parece, as coisas são vistas de outra maneira. São perceptíveis a disseminação e o predomínio das orientações de cariz funcionalista no campo do direito. Pensamento que se guia por uma “racionalidade estratégica, não discursiva, orientada por um princípio de optimização na realização de um certo objectivo, em que a escolha da solução ou da acção entre as soluções ou acções possíveis se determina pelos efeitos, lográveis nas circunstâncias, que melhor realizem esse objectivo”.

Em termos penais, a crescente absorção de tais orientações talvez explique a hoje costumeira atribuição, à política criminal, de uma “posição de domínio e mesmo de transcendência face à própria dogmática”. A legitimação da intervenção penal parece estar se desapegando da necessária fundamentação axiológica e se aproximando, cada vez mais, de argumentos funcionais, a exemplo da utilidade social. O nosso tempo parece perceber o político como protagonista absoluto e as leis como meros instrumentos disponíveis à realização da sua intencionalidade, que outra não é senão alcançar a finalidade político-criminalmente estabelecida. Essa, de modo sutil, pode ser expressa na contenção da criminalidade, mantendo-a dentro de níveis socialmente toleráveis, ou, dito de modo mais impressivo, o fim último da política criminal é o de “dominar ou, à la limite, o de fazer desaparecer a criminalidade”.

É certo, porém, que o Estado, impulsionado por uma racionalidade finalística (Zweckrationalität), deve elaborar estratégias e definir táticas para alcançar as finalidades que lhe são inerentes (no nosso preciso recorte, isto é, tratando-se de política criminal, a contenção da criminalidade). De fato, a política criminal é uma atividade cuja “concretização se leva a cabo através de actos intencionados, previamente definidos, que, por seu turno, pressupõem uma racional utilização dos meios adequados à prossecução daqueles objectivos”, ainda que este esse último aspecto, o da racional utilização, seja muitas vezes descurado. Nesse contexto, o tipo legal de crime emerge como principal – ou, pelo menos, o mais utilizado – mecanismo ou instrumento para atingir as referidas intencionalidades,

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