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ORGANIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL: UMA LEITURA DA HISTÓRIA DO CURRÍCULO OFICIAL

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Por:   •  7/5/2014  •  9.513 Palavras (39 Páginas)  •  604 Visualizações

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ORGANIZAÇÃO DO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL: UMA LEITURA DA HISTÓRIA DO CURRÍCULO OFICIAL

Solange Aparecida Zotti1

INTRODUÇÃO

A escola primária, que já foi denominada elementar ou de primeiras letras é, na atualidade, considerada a base sobre a qual se erguem os demais graus de ensino que constituem a estrutura da educação escolarizada. Contudo, esta lógica, intrínseca ao processo educativo, não é a lógica do ponto de vista histórico. A escola primária no Brasil muito tardiamente foi objeto de atenção das políticas educacionais. A educação brasileira começou a ser construída pela ponta da pirâmide, ensino superior e secundário, enquanto o ensino elementar era função da família, que possuía as condições econômicas para tal, basicamente até a República.

Pelo exposto, para explicitar a lógica desse processo é preciso compreender a função específica do ensino primário, de acordo com as necessidades sociais que visa atender. Do ponto de vista histórico é preciso percebê-lo no contexto em que se produz e é produzido. Ainda, se pensarmos em um aspecto intrínseco da organização desse nível de ensino, como no caso a sua organização curricular, é fundamental fazer a análise de como o currículo é forjado historicamente em estreita consonância com o contexto econômico, com os valores e ideais sociais de cada época.

No sentido exposto, o objetivo deste artigo é historicizar a organização do ensino primário, dos jesuítas aos anos de 1980, tendo como eixo norteador a história do currículo oficial. Para este intento percorremos a legislação que, em cada período histórico, define as diretrizes de organização do ensino primário, com atenção às questões relacionadas ao currículo oficial. A análise buscou compreender as determinações legais a partir do contexto socioeconômico em que foram produzidas e do papel mais amplo que a educação desempenhou em cada período.

1 Professora da Universidade do Contestado – campus Concórdia, Mestre em Educação no convênio interinstitucional UnC/UNICAMP e doutoranda em educação na área de História, Filosofia e Educação pela UNICAMP. Membro do grupo de pesquisa HISTEDBR, GT Campinas e líder do grupo de pesquisa “História, sociedade e educação” da UnC – Concórdia.

1 O sentido da escola elementar para a colonização

No contexto de uma economia agroexportadora, três elementos foram essenciais para garantir a máxima rentabilidade da burguesia mercantil: uma economia agrária, latifundiária e escravista. Nessa lógica, a educação escolarizada elementar não fazia sentido aos que estavam designados ao trabalho e à exploração da burguesia metropolitana. Contudo, a instrução logo foi percebida como necessária à camada dirigente, que tinha o papel de servir de articulação entre os interesses de Portugal e as atividades coloniais.

A educação jesuítica, segundo Tobias (1972), pode ser compreendida em dois períodos distintos: o primeiro idealizado por Nóbrega, corresponde aos chamados “tempos heróicos” (1549-1570), teve por objetivo a busca de uma unidade espiritual e escolar entre mamelucos, índios e filhos de colonos brancos, com vistas à futura unidade política da nação; o segundo, após a morte de Nóbrega, é decorrente da filosofia da educação das autoridades jesuíticas de Portugal, destinada exclusivamente às elites.

A escola elementar com os jesuítas teve como objetivo primeiro a catequese, que foi fundamental no processo de colonização. “Colonizar”, em sentido mais amplo, além do espaço, significou colonizar as consciências, sedimentar a visão do colonizador e de suas idéias. “Isto significa uma nova organização social, modelada sob medida, para o aportuguesamento rápido e eficaz. Este era, de fato, o modo comum de sentir dos portugueses, colonos ou jesuítas” (PAIVA, 1982, p.45).

Com Nóbrega, o currículo básico constituía-se do ensino da doutrina cristã, dos “bons costumes” (portugueses) e das primeiras letras. O ponto de partida era o ensino da língua portuguesa, ao mesmo tempo em que o evangelizador aprendia a língua tupi, que acabou sendo matéria do currículo educacional jesuíta, como o veículo mais eficaz de comunicação com o nativo2. Só depois de falar o português e estar iniciado na doutrina cristã, os índios e os demais iniciavam a escola de ler e escrever. Além disso, o canto orfeônico e a música instrumental também eram ensinados, como forma de tornar atraente a educação cristã (TOBIAS, 1972; MATTOS, 1958).

O conteúdo da catequese se constituía da doutrina cristã, seus dogmas, seus princípios morais e sua espiritualidade. O fim era instruir e doutrinar sobre “as verdades”, pois na lógica da “pedagogia da doutrinação: o mundo estava pronto;

2 O Tupi era ensinado em 1556 no Colégio da Bahia e em 1557 no Colégio de Pernambuco.

tratava-se, agora, simplesmente de declará-lo aos que chegavam” (PAIVA, 1982, p.79). Em decorrência disso, completa o autor, o saber original da fé ficou reduzido a decorar; e a profissão de fé a um som. Os missionários acreditavam que com o tempo esta prática se firmasse em convicção, por isso era necessário exigir do índio o comportamento correspondente ao do colonizador. O objetivo era uma sistemática e intensiva imposição, ao elemento indígena, dos valores espirituais, morais e culturais da civilização ocidental e cristã, a fim de que o projeto colonizador pudesse lançar raízes profundas no solo colonizado.

O recurso catequético, de que lançou mão o jesuíta, foi fundamental para a ação mercantil, que buscava subjugar, conformar e, não, fazer crer. Em suma, a catequese foi o principal instrumento da colonização, não como uma força aliada, mas perfeitamente integrada a todo este processo, como instrumento de ajustamento cultural para atingir os objetivos mercantis do estamento dominante (PAIVA, 1982). A escola elementar, então, estendida aos índios e aos filhos dos colonos, tinha um objetivo prático a cumprir. Na visão de Scher (1992), essa prática escolar se constituiu num instrumento para impor e preservar a cultura transplantada, além do interesse dos jesuítas de formar adeptos ao catolicismo, que teve suas bases abaladas com a Reforma Protestante.

Após a morte de Nóbrega, inicia a segunda fase da educação jesuítica que passa a destinar-se exclusivamente à formação das elites para prepará-las a exercer a hegemonia cultural e política na Colônia. Era necessário formar missionários, formar quadros para o empreendimento colonial e do Estado e, ainda, educar as classes dominantes. As normas que conduziam a

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