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O conceito de diálogo

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Por:   •  20/8/2014  •  Tese  •  5.212 Palavras (21 Páginas)  •  220 Visualizações

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A noção de diálogo costuma ser inspiradora enquanto imagem metodológica em ciências humanas, como na pedagogia (que, entre nós, tem no nome de Paulo Freire quase um sinônimo de diálogo) e, talvez mais recentemente, na antropologia, onde vem se apresentando como a "metáfora" pela qual se orientam algumas etnografias inovadoras. De modo geral, o recurso à noção de diálogo traduz a intenção de proceder à superação do caráter unilateral, hierárquico e auto-suficiente de abordagens de conhecimentos, de situações e relações intersubjetivas. A preocupação é, naturalmente, com a forma pela qual se dá, por exemplo, o aprendizado, a vivência, a criação ou, no caso da pesquisa de campo antropológica, com a forma de produção de conhecimento, em uma pesquisa que envolve a subjetividade do pesquisador e a interação intersubjetiva.

Mas, se a noção de diálogo tem apelo, enquanto imagem de um modo de fazer e de pensar, creio que o seu uso, talvez em virtude de ser bastante rotineiro, incorre no risco de banalizações que tendem a reificar justamente a forma. Assim é que normalmente, ao menos no cotidiano, empregamos o termo diálogo para conotar situações que se apresentam sob o aspecto exterior de conversas. Mesmo no âmbito de discussões mais especializadas, como na antropologia social, a noção é empregada de maneira variada e ampla, tanto pelos autores de etnografias experimentais que adotariam como orientação uma "metáfora do diálogo", quanto por parte da crítica desses experimentos.(1)

Neste artigo, num primeiro momento meu propósito é focalizar um sentido forte de diálogo, que se exprime para além dos limites acadêmicos da antropologia. (2) Minha motivação é tratar de questões que me são pessoalmente instigantes e que nem sempre podem ser transpostas para os códigos da disciplina. No entanto, apesar disso, ao mesmo tempo que procuro focalizar o sentido forte de diálogo, tentarei aproxima-lo de noções mais correntes nos códigos da disciplina e, para tanto, faz-se necessário introduzir outra noção, a de pensamento por imagem, a ser explicitada ao longo do texto, que permite a discussão da natureza da forma na imagem simbólica - uma discussão essencial tanto para o discernimento do sentido rigoroso de diálogo quanto para essa aproximação.

Num segundo momento, procuro desenvolver a reflexão a respeito do sentido forte de diálogo, associada à noção de pensamento por imagem, em um dos experimentos etnográficos classificados dentre os de tipo "dialógico": Las enseñanzas de Don Juan - Una forma yaqui de conocimiento, de Carlos Castañeda.

O caráter experimental da etnografia de uma iniciação

A escolha de uma obra de Castañeda me traz um sentimento um pouco incômodo, o da obrigação de justificá-la; por isso, antes de prosseguir, quero firmar os termos da justificativa. Sabemos que Las enseñanzas de .D. Juan, traduzido no Brasil como A erva do diabo, (3) é um livro bastante popular, principalmente entre as gerações que viveram o movimento contracultural dos anos 60/70. A afirmação contracultural de uma "nova sensibilidade" e a busca de autoconhecimento encontraram expressão na obra de Castañeda. Já os antropólogos acadêmicos, a julgar pelos meios que conheço, tendem a desconhecer o empreendimento do autor como pesquisa antropológica e o livro como etnografia - apesar de ter sido proposto dessa maneira. Estas já seriam razões para se supor uma intenção polêmica na escolha; entretanto, não é o caso. Não fiz parte da geração que conferiu sucesso editorial a Castañeda, e minha leitura foi motivada em um contexto acadêmico de estudos referentes a tendências inovadoras, em uma fase recente da antropologia (aproximadamente nos últimos trinta anos), tendências essas que, segundo a revisão de Marcus & Fischer (1986), caracterizariam uma vertente "experimental", marcada pela suspensão dos paradigmas teóricos e mesmo pela ausência da preocupação com paradigmas. Las enseñanzas de D. Juan é por eles situada dentre as inovações etnográficas e identificada, no interior desse conjunto, como de orientação "dialógica". Logo, o que de fato justifica a escolha do livro são as perguntas instigadas por seu caráter experimental no método etnográfico.

É bastante conhecido que, para pesquisar as práticas e os conhecimentos de um velho índio acerca de plantas alucinógenas, o trabalho de campo do autor, em lugar da observação participante convencional, tomou o rumo de um processo de iniciação do qual fizeram parte experiências de ingestão dos alucinógenos. Pois esse foi o caminho que o mestre-feiticeiro D. Juan estabeleceu para o pesquisador como a forma real, e supostamente única, pela qual ele poderia "aprender" a respeito das plantas e "compartilhar o conhecimento" - conhecimento que, nos termos do feiticeiro, as plantas, que são entidades, propiciam ao iniciado.

Resultou disso uma etnografia insólita, porque o pesquisador ousa estruturá-la segundo seu processo de iniciação nos conhecimentos do mestre. (A iniciação de antropólogos junto a práticas "nativas" não é algo tão incomum, porém, o ato nada desprezível de estabelecer a vivência da iniciação como fio condutor da representação etnográfica ainda o é.)

Em outras palavras, como etnografia é inusual porque, por um lado, é estruturada basicamente a partir dos dados memorialísticos das próprias experiências do investigador e das codificações, editadas sob o estilo de diálogos de campo, que essas experiências recebiam por intervenção do mestre-feiticeiro. Por outro lado, inusual e causadora de muita estranheza porque Castañeda traz à tona, com o estatuto de vivência própria de uma dimensão real, experiências subjetivas e intersubjetivas cuja natureza poderia ser denominada místico-espiritual.

O primeiro aspecto - o de que é o antropólogo quem fornece dados para o feiticeiro - contém, entre outras inovações e dificuldades, uma curiosa subversão na ordem dos fatores entre pesquisador e pesquisado. 0 segundo aspecto, que se assemelha à ordem da internalidade pessoal da vivência mística, é particularmente difícil para os códigos da disciplina antropológica - senão intraduzível nesses códigos. (4)

Las enseñanzas de D. Juan é o aprendizado de uma forma de conhecimento dada, como diz o autor, no "sistema de crenças" de D. Juan, o índio yaqui tido e autodenominado como feiticeiro (um "bruxo") em virtude de suas artes adivinhatórias e do tipo de forças e entidades que conhecia. A meu ver o texto se esmera em mostrar - de modo empático, não-teórico - que a intimidade

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