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Por:   •  10/3/2015  •  8.237 Palavras (33 Páginas)  •  102 Visualizações

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A evolução constitucional do Brasil Paulo Bonavides TRAÇANDO a evolução constitucional do Brasil devemos concentrar todo o interesse indagativo e toda a diligência elucidativa numa seqüência de peculiaridades, de ordem histórica e doutrinária, que acompanharam e caracterizaram o perfil das instituições examinadas, designadamente com respeito à concretização formal e material da estrutura de poder e da tábua de direitos cujo conjunto faz a ordenação normativa básica de um Estado de poderes limitados. De tal sorte que a reflexão há de ocorrer ao redor de temas-chave como poder constituinte e Constituição, separação de poderes, organização unitária e organização federativa do Estado e direitos do homem, cuja universalidade e fundamentalidade, por exprimir parte essencial de todo pensamento político concretizado em termos constitucionais, não pode deixar de ser assinalado com todo o destaque devido. O Brasil desta análise histórica corresponde assim a um modelo de país constitucional que até aos nossos dias se busca construir, numa longa travessia de obstáculos. Até agora esse modelo permanece todavia inacabado, após cerca de dois séculos de renovadas diligências e sacrifícios; é projeto fugaz sujeito às oscilações da idéia e da realidade com as quais não logrou ainda se compatibilizar. Projeto bloqueado inumeráveis vezes pelas resistências absolutistas, pelo continuísmo e vocação de perpetuidade governista, bem como pelos interesses representativos comprometidos com um status quo de dominação que a classe política busca manter inalterável, debaixo de seu jugo, insensível por inteiro ao rápido senão vertiginoso agravamento das desigualdades sociais e regionais, cujo quadro é sobressaltante enquanto prelúdio de uma tragédia de sangue e guerra civil, de conseqüências imprevisíveis. Vemos iminentes, na senda da política recolonizadora em execução, as batalhas de emancipação do segundo período colonial de nossa História. Mas essas batalhas hão de ferir-se unicamente se tivermos fibra, coração e alma para arrostar, com as energias do espírito nacional, rememorativo das páginas heróicas do passado, a soberba imperialista dos invasores silenciosos, que ora nos ameaçam dissolver a identidade de povo, apagando os traços, as cores e as raízes de nossa cultura, ou seja, de nossa brasilidade. O constitucionalismo europeu teve por premissa de luta e contradição o absolutismo de uma sociedade já organizada e estruturada, a saber, a sociedade feudal do ancien régime. Tinha história e tradição. Tinha riqueza e cultura. Tinha profundas raízes espirituais O nosso constitucionalismo, ao revés, levantou-se sobre as ruínas sociais do colonialismo, herdando-lhe os vícios e as taras, e ao mesmo passo, em promiscuidade com a escravidão trazida dos sertões da África e com o absolutismo europeu, que

tinha a hibridez dos Braganças e das Cortes de Lisboa, as quais deveriam ser o braço da liberdade e todavia foram para nós contraditoriamente o órgão que conjurava a nossa recaída no domínio colonial. Sem embargo desses pressupostos negativos, que significaram desníveis qualitativos de iniciação constitucional, tanto de portugueses quanto de brasileiros, houve um processo até certo ponto comum de introdução de instituições representativas e constitucionais no que toca à velha metrópole e à nascente nacionalidade, quando esta estreou os primeiros passos da caminhada para a independência imperial e a criação do Estado. Com efeito, a fonte doutrinária fora a mesma: o constitucionalismo francês, vazado nas garantias fundamentais do número 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789. Nesse documento se continha a essência e a forma inviolável de Estado de Direito. Idêntica, por igual, a fonte positiva de inspiração imediata: a Constituição de Cadiz. Fomos tão longe que lhe decretamos a vigência durante 24 horas. Com efeito, entre nós o fraco rei espavorido a outorgou no Rio de Janeiro num triste episódio que mal recomenda a memória política de D. João VI. A Constituição de Cadiz fora deveras relevante em determinar as bases liberais da primeira Carta Magna de Portugal: a chamada "Constituição vintista" de 23 de setembro de 1822. O influxo europeu, inglês e continental sobre o constitucionalismo brasileiro é traço marcante dos primeiros momentos de definição do nosso estatuto institucional. As antigas colônias hispânicas recém-emancipadas ou em processo de emancipação, ao contrário, rompiam com o passado europeu, ou seja, com o velho mundo, deixando de consagrar assim as instituições da liberdade derivadas do mundo inglês ou francês para recolherem e adotarem a grande sugestão republicana, federativa e presidencial de Filadélfia, que seus constituintes lhes sopravam; mas fracassaram por inteiro criando repúblicas fragmentadas, federações desfeitas e governos presidenciais dissolvidos em ditaduras de opressão e caudilhismo. Só com o advento da república cerca de 70 anos depois é que o Brasil mudava o norte de sua navegação política e aportava no mesmo modelo malogrado das repúblicas vizinhas. A primeira época constitucional do Brasil, já nos seus primórdios, já na sua trajetória ao longo do Primeiro Reinado, guarda estreitos vínculos com Portugal, redundando numa singular comunhão de textos constitucionais, produto da mesma outorga imperial nos dois países: no Brasil, a Constituição de 1824; em Portugal, a Carta de 1826, cópia daquela que D. Pedro nos concedera e que ele fez chegar à Regência de Lisboa pelas mãos do embaixador inglês. Foi, diga-se de passagem, um texto, em matéria de limitação de poderes, relativamente bem sucedido, tanto lá quanto aqui, não obstante o seu baixo grau teórico de legitimidade e suas discrepâncias com a inteireza democrática e representativa do século revolucionário que proclamara os direitos do homem e sagrara a inviolabilidade constitucional da separação de poderes. A linha originalíssima das nossas nascentes constitucionais se enraíza em fatos históricos que, de início, acompanham os dois povos, decidem-lhe o destino e fazem depois ambos perseverarem na busca de um denominador comum das aspirações nacionais que é o Estado de Direito em toda a sua amplitude e solidez; um objetivo

no caso brasileiro ainda por alcançar, decorridos já cerca de 200 anos de malogros institucionais, por obra de uma crise constituinte, instaurada ao começo da nacionalidade e recorrente em distintas ocasiões históricas, fazendo assim instável a base do regime político e jurídico, à míngua de elementos valorativos e espirituais suscetíveis de consolidar a ordem normativa da Constituição. Antes de passarmos revista àqueles fatos históricos, obedecendo a uma seqüência já estabelecida - poder constituinte, separação de poderes,

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