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Por:   •  1/6/2014  •  2.472 Palavras (10 Páginas)  •  162 Visualizações

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Estado e a sociedade.

Assiste-se, ademais, à emergente reapropriação do modelo dos "quatro campos" (arqueologia, antropologia social/cultural, antropologia biológica e antropologia linguística) e à revisão das relações com outras áreas constitutivas das ciências humanas. Este modelo, originalmente utilizado para analisar a humanidade através de grandes esquemas evolucionistas e difusionistas, está sendo reelaborado e sobreposto às práticas de trabalho de campo, desenvolvidas a partir de estudos sobre culturas e sociedades particulares. A tradição antropológica de pesquisa de campo, requerendo vivência prolongada dos pesquisadores com seus sujeitos de pesquisa e implicando em compromisso perante esses sujeitos, fornece um aprendizado para olhar o mundo com sensibilidade e, assim, compreender, apreciar e traduzir códigos culturais diversos e respeitar a diferença cultural. Destarte, a produção antropológica tem o potencial não só de desenvolvimento científico no sentido restrito, mas de ação social no sentido mais amplo, particularmente quanto à elaboração de políticas públicas para segmentos sociais urbanos e rurais em situações de desvantagem e risco social e grupos étnicos diferenciados.

Com base na constante renovação de seus horizontes empíricos, antropólogos e antropólogas têm realizado pesquisas de ponta na intersecção de várias áreas de conhecimento. Destaca-se a ampla experiência de pesquisa na Amazônia, tanto no Cerrado quanto no Pantanal, sobre a relação entre populações, agro-biodiversidade e conhecimento tradicional, desenvolvimento e padrões de agricultura sustentável, conflitos ambientais, entre outros. Ressalta-se também a relevância da pesquisa antropológica na interface com as políticas públicas para as populações tradicionais. A qualidade e seriedade dessa atuação dos antropólogos exprimem-se, por exemplo, na existência de um duradouro e ativo convênio entre a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Ministério Público da União.

Estudos realizados na cidade, seja na intersecção com a sociologia ou com o direito, têm examinado problemáticas sobre, por exemplo, grupos urbanos, pobreza, movimentos sociais, violência, justiça, religião e políticas de administração de conflitos, entre outras que podem igualmente subsidiar políticas públicas. Nesse âmbito, os estudos sobre gênero, família, gerações, sexualidade e reprodução recobrem focos muito importantes de preocupação pública. Por sua vez, os trabalhos em antropologia visual são cruciais tanto para a divulgação da disciplina quanto para compreensão de uma sociedade cada vez mais imagética. Ainda que incipiente, desenvolve-se com grande vigor a antropologia da ciência e da técnica, acompanhando tendências internacionais. Na interconexão com a saúde, a análise antropológica torna-se de grande valia para se entender as representações sobre doenças e processos terapêuticos como parte dos sistemas simbólicos culturalmente ordenados e os contextos sociais nos quais ocorrem, como também para examinar e analisar os aspectos organizacionais, institucionais e político-ideológicos dos programas de saúde pública.

Concomitantemente à histórica predominância de estudos relacionados à etnologia indígena, às populações afro-brasileiras, às questões do campo e da cidade no Brasil, bem como aos diversos aspectos da cultura nacional, há antropólogos realizando pesquisas na América Latina, África, Europa, América do Norte e em países como Timor Leste e China. Como resultado, a antropologia do Brasil ocupa hoje inegável liderança na América Latina. Pela ação pioneira da ABA na criação do World Council of Anthropologial Associations, as antigas relações com a antropologia francesa, inglesa e norte-americana foram redefinidas, e novos diálogos institucionais e acadêmicos foram iniciados com antropologias de outros continentes.

Essa multiplicação de temáticas e sujeitos de pesquisa apresenta desafios que requerem uma agenda de prioridades de pesquisa. Se o trabalho de campo (que tende a ser individual) e a relação artesanal entre orientador e orientando constituem pontos fortes da produção do conhecimento antropológico e da formação disciplinar, ao mesmo tempo tendem a levar a uma aparente fragmentação da produção em grande número de linhas e grupos de pesquisa. Para não se perder essa indispensável característica da pesquisa antropológica minuciosa e intensa, as perspectivas que se abrem são no sentido de se estimular a formação de redes que possam levar à elaboração de grandes projetos transdisciplinares. Essa estratégia molda, por exemplo, a emergente criação dos INCTs, alguns dos quais liderados por antropólogos. A ampliação do mercado de trabalho traz também desafios para a formação e a atuação dos antropólogos em órgãos governamentais e não-governamentais, no Ministério Público, nas empresas e nos movimentos sociais, cujas demandas implicam, muitas vezes, expertise em laudos antropológicos. Com a reestruturação e expansão das universidades federais, em vez da tradicional formação em ciências sociais ou da abertura de mestrados profissionais, foram criados vários cursos de graduação em antropologia que visam propiciar a necessária competência profissional, com ênfase em pesquisa de campo e interfaces com outras áreas interdisciplinares. Como são cursos novos e polêmicos, com currículos variados, torna-se imperativo acompanhar, avaliar e refletir criticamente se suprem as necessidades de formação.

A crescente relação entre a antropologia e políticas públicas no contexto brasileiro contemporâneo e o papel de intermediação dos antropólogos entre Estado e movimentos sociais constituem desafios que merecem reflexões propositivas. Nesse sentido, deve-se levar em conta que as transformações no próprio corpus conceitual e analítico da disciplina se fazem acompanhar de mudanças nas relações com os sujeitos da pesquisa antropológica, seja por seu acesso ao sistema formal de ensino (inclusive em programas de pós-graduação em antropologia), seja pela crescente agência política que passaram a desempenhar em cenários globalizados. Se falar junto, falar com estas populações (mais do que falar em lugar delas) é um imperativo que a ABA afirmou na luta pelo reconhecimento dos direitos das populações tradicionais, hoje esses sujeitos estão se tornando parceiros e colegas tanto no âmbito acadêmico como de atuação política. Essa parceria marca um novo ciclo de atuação política dos antropólogos no Brasil.

Bela Feldman-Bianco é presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) (2011-2012), professora colaboradora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

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