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A Produção de Subjetividade no Território Socioeducativo

Por:   •  13/11/2018  •  Trabalho acadêmico  •  4.962 Palavras (20 Páginas)  •  118 Visualizações

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A Produção de Subjetividade no Território Socioeducativo[1] 

Graziela Contessoto Sereno[2] MEPCT/RJ

Fabiana P. de O. Marques[3] UFRJ

Resumo:

O presente trabalho tem como proposta apresentar inquietações e reflexões realizadas a partir da trajetória profissional na área dos Direitos Humanos, vinculadas a projetos ligados à temática infância e adolescência e Justiça Juvenil, acerca do processo de criminalização dos adolescentes e jovens, principalmente daqueles presentes no território socioeducativo.

Palavras-chave: sistema socioeducativo, adolescente e violência

O projeto de justiça juvenil tinha como objetivo promover a garantia e defesa dos direitos humanos de adolescentes autores de ato infracional em cumprimento de medida socioeducativa, através da atuação nos casos em que fossem verificados processos de vitimização direta e indireta, visando contribuir para a construção de um modelo de Justiça Juvenil pautado na concepção da proteção integral e do garantismo como parte integrante do Sistema de Garantia de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.

Neste sentido, partimos da necessidade em trabalhar a questão dos adolescentes autores de ato infracional buscando a relação direta entre Estado, violência e controle punitivo, analisando este como parte constitutiva da violência institucionalizada do próprio sistema capitalista contemporâneo que têm em sua essência a produção da desigualdade e barbárie.

Assim propomos pensar a subjetividade dos adolescentes por um outro viés que não pela identidade, pois, por sermos herdeiros de uma concepção racionalista e individualista, a subjetividade apresenta-se como universal e interiorizada; desta forma, perdemos as implicações históricas, sociais, tecnológicas, políticas, econômicas. Mas “a subjetividade não é passível de totalização ou de centralização no indivíduo. Uma coisa é a individuação do corpo. Outra é a multiplicidade dos agenciamentos de subjetivação: a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro do social”. (GUATTARI & ROLNIK, 2000, p.31)

A subjetividade não se confundiria com o conceito de identidade. A identidade, segundo Guattari e Rolnik, seria o resultado de uma produção de massa. Ela estaria ligada a algum quadro de referência que passaria por uma identificação do indivíduo, por exemplo: o nome, a filiação, a impressão digital, etc. Por outro lado, “os processos de subjetivação são fundamentalmente descentrados em relação à individuação” (Ibid., p.69).

Para os autores, a subjetividade está sob o signo da exterioridade e, desta forma, compreendemos não ser possível pensar a subjetividade dos adolescentes autores de ato infracional e seus familiares sem pensar a instituição, a sociedade ou o Estado; suas subjetividades não estão centradas no sujeito, não são individuais, mas sim coletivas. (SERENO, 2015).

Assim, trabalharemos com a perspectiva de território socioeducativo, e destacamos que não compreendemos este território como apenas um lugar físico, mas também como a dimensão do jogo de forças presente nas instituições, nas organizações, nos estabelecimentos, nos discursos e práticas, mostrando a indissociabilidade entre saber, poder e produção de subjetividades. (FOUCAULT, 1984)

Para trabalhar o conceito de território trazemos Deleuze e Guattari que falam da importância do território Deleuze, em uma entrevista, afirmou afirmando que todo animal tem “um mundo específico”, desde ambientes muito reduzidos, indispensáveis a sua reprodução, como o “território” dos carrapatos. Este “mundo específico” dos animais não seria extensível ao homem, que “não tem um mundo”, mas “vive a vida de todo mundo”. Trata-se, portanto, de uma primeira distinção entre as duas territorialidades. (Deleuze, 1992,90)

Este espaço que constitui um “pequeno mundo” exige a definição de um contexto próprio, delimitado, por exemplo, a legislação vigente na área da infância e adolescência, as unidades de internação para adolescentes, ou seja, constituído por padrões de interação por meio dos quais o grupo ou coletivo assegura uma certa estabilidade e localização. Como afirma Felix Guattari no livro “Micropolítica: Cartografias do Desejo”:

A noção de território aqui é entendida num sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que fazem dele a etologia e a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos (GUATTARI e ROLNIK, 1986:323).

Cabe ressaltar que ao tratarmos do território socioeducativo estaremos evocando todos os atores envolvidos no processo de cumprimento da medida socioeducativa; a legislação vigente; as políticas públicas e as normalizações, que juntos produzem ressonâncias, não só nos adolescentes e seus familiares como também nos profissionais envolvidos na execução da medida socioeducativa.

O Contexto

A Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE representaram marcos histórico da luta pelos direitos da criança e do adolescente. Ambas balizadas pela chamada Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas, que atribui à criança e ao adolescente a condição de sujeitos de direito, além de defini-los como pessoas em peculiar situação de desenvolvimento, conferindo-lhes a prioridade absoluta no atendimento e na elaboração de políticas públicas. Todo esse paradigma remonta ao Estado o dever de garantir às crianças e adolescentes direitos fundamentais a todo cidadão.

Entretanto, mesmo após vinte e cinco anos de promulgação do ECA, percebe-se ainda que o que fora preconizado não se configura como uma realidade para toda a sociedade brasileira. Na prática, enquanto psicólogos e assistentes sociais nos deparamos com sujeitos que, ao contrário de terem sua vida garantida pelo Estado, as tem mortificadas. Período este marcado pela adesão cada vez maior do Estado brasileiro ao projeto neoliberal, que potencializa o fetiche de mercadoria, fortalece a lógica do individualismo, propõe uma participação mais efetiva da iniciativa privada e um novo perfil das políticas econômicas e sociais desenvolvidas pelo Estado.

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