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Fichamento - O Saber Local: Fatos e leis em uma perspectiva comparativa

Por:   •  6/11/2016  •  Resenha  •  2.314 Palavras (10 Páginas)  •  3.366 Visualizações

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GEERTZ, Clifford. “O Saber Local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa”. In: O Saber Local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Tradução Vera Mello Joscelyne. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

No início do texto, aproxima-se a ciência do direito e da etnografia, uma vez que as duas funcionam à luz do saber local e "se entregam à tarefa artesanal de descobrir princípios gerais em fatos paroquiais”. Entretanto, uma visão de mundo parecida não é o suficiente para que advogados e antropólogos tenham muitos assuntos em comum. O que ocorre é justamente o contrário: por serem peritos em assuntos práticos, são distanciados por suas afinidades eletivas. Critica-se uma separação entre os aspectos lógicos e os aspectos práticos do direito, "o direito sem direito" e a falta de uma sensibilidade etnográfica no direito assim como uma sensibilidade jurídica na antropologia.

O autor aponta o limitado interesse de advogados e antropólogos a sua própria área, no máximo perguntando-se se a outra parte pode ser útil na resolução de seus clássicos problemas. Por isso, há uma necessidade de uma consciência maior e mais precisa da do que a outra disciplina significa. Geertz entende que para isso ocorra, uma abordagem mais desagregante que a atual é necessária, que se encontre entre as duas disciplinas temas específicos que serão abordados distintamente. Para isso, propõe-se um "ir e vir" hermenêutico entre os dois campos, olhando-se para uma direção, depois para a outra para que ocorra uma complementação. As duas disciplinas certamente tem muito a se ensinar, ajudar. Assim, podem-se formular questões morais, políticas e intelectuais importantes para ambos.

Geertz entra na temática da relação entre fato e lei, entre ser e dever ser. A relação entre os fatos e sua natureza que tem sido foco de preocupação jurídica, o foco principal na "explosão dos fatos, temor aos fatos e esterilização dos fatos". Já os fatos sociais mostram que os juízes não precisam apenas conhecer as leis, sendo necessários conhecimentos como compra e venda de imóveis no Rio de Janeiro, a polícia militar de São Paulo etc. Coloca-se em questão a depreciação do júri uma vez que as jurisprudências podem e muitas vezes afastam os fatos da discussão, deixando-os ao juízo dos "guardiões da lei".

Há a compreensão de que os fatos não nascem espontaneamente, são construídos socialmente por todos os elementos jurídicos, desde os regulamentos da evidência até a retórica dos juízes e os academicismos ensinados na faculdade de direito. Geertz coloca que essas "configurações fatuais" são levadas ao tribunal para uma demonstração, como um truque de mãos. Não, de fato, um truque de mãos, apenas um fenômeno crucial, base de toda a cultura, que é o processo de representação. E não é apenas no direito que esse processo ocorre. A representação está em todas as instituições da sociedade, desde a arte, passando pelo comércio e pela ciência. O direito é apenas uma maneira específica de imaginar o mundo dentre várias outras.

Essa maneira específica, entretanto, é normativa, e como tal tem um problema fundamental que é descobrir como representar aquela representação. O autor diz ser essa uma descoberta difícil, sendo necessário desenvolvimento na teoria da cultura. Geertz pega a ideia de um jovem antropólogo suiço, Franz von Benda-Beckmann que considera a linguagem do "se então" e "como portanto" dos casos concretos, acreditando ser esse um modo viável atualmente. Por esse ângulo busca-se diferenciar leis (como devem ser as coisas) e fatos (como são as coisas), desenvolvendo assim um sentido de justiça determinado, sempre específico, local, dependente de como fato e lei relacionam-se nos diferentes contextos culturais.

Geertz, para mostrar como o direito muda nesse multiculturalismo leva alguns exemplos, como o caso das leis antipoluições: a Toyota contratou mil engenheiros para lidar com elas e a Ford mil advogados; o caso de "Regreg", nome dado a um balinês que tem um história muito peculiar. Regreg ficou sem esposa um dia que ela fugiu com outro homem da aldeia. Regreg pediu a ajuda do conselho local, que não tinha regulamentação para ajudá-lo, por mais que ele insistisse, seu problema era pessoal e não coletivo. Os membros do conselho eram sorteados a cada certo período de tempo, e um dia Regreg foi sorteado. Era sua obrigação como integrante da aldeia assumir o cargo, mas Regreg, amargurado, renunciou. E foi completamente excluído da aldeia por isso, passando a viver com os cães na ruas, até sua família foi obrigada a largá-lo. Um dia, um político de extrema importância da Indonésia, comparado a um deus por alguns, intercedeu por Regreg. E teve como resposta "vá plantar batatas".

O caso de Regreg mostra como o senso comum é pautado com Lei em algumas sociedades. Regreg nunca foi uma ameaça ao sistema, apenas à etiqueta pública. Assim, Geertz chama a atenção para o que chama de antropologia interpretativa, comparando nossa visão do membro do conselho com outras formas de saber local, não só torna aquela visão mais consciente de outras formas de sensibilidade jurídica que não a sua, assim como a faz mais consciente da qualidade precisa de sua própria sensibilidade.

Nesse momento do texto, o autor introduz três conceitos que só conseguimos compreender abrindo nossa mente. São variedades distintas de sensibilidade jurídica, de culturas diferentes, e Geertz tenta estabelecer uma conexão entre essas sensibilidades e as visões que são nelas incorporadas sobre o que realmente é a realidade. Os conceitos são haqq, dharma e adat, da cultura islâmica, índica e algo perto de malaio, respectivamente. Cada uma dessas palavras é repleta de significados. Para entendermos, o autor aproxima haqq de verdade, realidade e validade; dharma de obrigação, dever e mérito; adat de prática, consenso social e estilo moral. Lembrando novamente que são conceitos que nossa cultura não permite entender por inteiro.

O haqq está presente em vários níveis da cultura islâmica. No nível religioso é empregado para Deus, para o Corão (haqq é também um dos nomes de Deus). No nível metafísico representa a fatualidade, a essência, a natureza legítima, “núcleo inteligível de algo que existe”. O nível moral é facilmente visto no Marrocos, onde frases como “O haqq está com você” e “O haqq está dentro de você” são usadas cotidianamente. “O haqq está dentro de você” quer dizer que você está errado, foi injusto ou parcial, no sentido de você sabe a verdade, mas não a admite. Já “O haqq está com você” significa que a razão está

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