O documentário “Ser e Ter”

        O documentário “Ser e Ter” do ilustre diretor Nicolas Philibert foi e ainda é considerado um clássico filme para a discussão da área da educação, por diversos motivos. Tal documentário retrata uma real escola do interior da zona rural da França na década de 90, e nesta escola a história é focada no professor que nela leciona, o personagem chamado de Georges Lopes é um professor oriundo de uma família camponesa, que desde muito cedo incentivou o sonho do jovem Georges a ser um professor. Georges em sua maturidade passa então a cumprir seu sonho de lecionar, e é apaixonado pela arte do ensino-aprendizado. A escola que ele leciona, e que o documentário faz uma bela retratação, é de campo, então foge do padrão de escola que existe não só na França quanto em diversos países. Neste modelo de escola em questão, a sala é disposta de alunos em diferentes fases do desenvolvimento cognitivo, o que ao mesmo passo que cria uma união e uma forte característica de fortalecimento dos laços, também apresenta uma dificuldade de como lidar ao mesmo tempo com tantas diferenças.

        O professor não foca em ser meramente um transmissor de conteúdo, mas se dispõe a desenvolver uma característica mais autônoma de cada aluno, buscando entender e dar atenção as diferentes características, dificuldades e facilidade de tantos alunos, já que além da diferença subjetiva de cada um, também conta-se com a diferença de idade e de como isso implica uma completa diferenciação no modo de visão de mundo de cada aluno. A maneira como o professor esforçadamente se dedica a se relacionar com os alunos, transcende a relação de ensino dos conteúdos, e acaba sendo muito positiva para a formação da identidade pessoal de cada aluno ali presente. O professor lida de forma sensível e próxima a cada aluno, ajudando-os a lidar com os problemas da pré-adolescência, as dificuldades de relacionamento, as dificuldades com o conteúdo, como os alunos devem lidar com os problemas e limitações uns dos outros, entre vários outros dilemas que todos passam no decorrer da formação individual e coletiva.

        O professor Georges  tem uma habilidade notável em como lidar com os alunos, e isto é a base que faz com que o professor seja querido, e mais que isso, que o professor seja de fato capaz de ajudar os alunos com vários objetivos propostos pela escola e pelo próprio professor. Ele usa da linguagem e da sensibilidade para criar laços e ser de fato efetivo para o processo de formação de todos.

        Partindo deste breve comentário sobre o documentário e dos motivos que o fazem tão importante para uma reflexão da educação, do aprendizado e das condições possíveis para o amadurecimento das relações e da formação dos alunos, pode-se estabelecer diversas relações entre teorias pedagógicas e psicológicas dispostas no método da escola e do professor. Em diversas cenas pode-se notar muitas características que teóricas que alguns importantes autores desenvolvem em seus estudos.

        Uma primeira característica importante que pode ser notada é a linguagem. Como dito, o professor Georges se utiliza da linguagem como forma de estreitar as relações e entende que a linguagem é primordial para o desenvolvimento do aprendizado das crianças. Para Vygotsky o pensamento se torna viável a partir da linguagem, enfatiza Lefrançois(2009, p. 267 e 268) e é só a partir dela que é permitido a criança desenvolver uma maior compreensão dela e do mundo. Em todo o filme fica bem claro a importância da linguagem no desenvolvimento da criança, e quanto mais a linguagem se desenvolve mais a criança tem um desenvolvimento cognitivo assim como explicita Lefrançois(2009, p. 268)

“[...] Portanto, o desenvolvimento cognitivo é fundamentalmente uma função da ampla interação verbal que ocorre entre a criança e os adultos. Por meio dessas interações, diz, a criança desenvolve a linguagem e, como consequência, o pensamento lógico.”

Fica então bem explícito o reconhecimento da linguagem como um aspecto primordial para o desenvolvimento lógico e como isso proporciona a formação do aluno, e Georges se apoia nesta visão usando este conhecimento como um artificio importante a ser usado para ajudar os alunos a se desenvolverem e apreenderem o conteúdo das matérias e os ensinamentos para além do conteúdo.

Como também já abordado aqui, o modelo de sala de aula abordado no documentário é misto, e se dispõe de crianças de várias idades e de diferentes características, isto pode colocar várias questões em foco, já que gera uma grande interação entre essas diferentes crianças. Uma aproximação da teoria Vygotskyana pode ser notada nesta relação entendendo o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, que é brevemente explicada por Lefrançois(2009, p. 268 e 269) onde fica entendido que esta Zona de Desenvolvimento Proximal é um tipo de desenvolvimento da potencialidade dos alunos. Um aluno mais velho, assim como também o professor, tem uma relação de ensino, mas também de aprendizado com um aluno mais novo, este aluno mais novo pode desenvolver seu conhecimento prévio quando entra em contato com o conhecimento destes outros mais velhos e com mais conhecimento, fazendo com que este aluno mais novo ao entrar em contato com o saber dos mais velhos, alcance novas percepções e conhecimentos que antes não possuía.