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Show De Horror

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Por:   •  3/11/2014  •  Tese  •  2.986 Palavras (12 Páginas)  •  196 Visualizações

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TRABALHO DE FILOSOFIA

RESUMO

Capítulo 1

-Show de horror

Na Galeria Franz kafka

Se alguma amazona frágil e tísica fosse impelida meses sem interrupção em círculos ao redor do picadeiro sobre o cavalo oscilante diante de um público infatigável pelo diretor de circo impiedoso de chicote na mão , sibilando em cima do cavalo , atirando beijos , equilibrando-se na cintura , e se esse espetáculo prosseguisse pelo futuro que se vai abrindo à frente sempre cinzento sob o bramido incessante da orquestra e dos ventiladores , acompanhado pelo aplauso que se esvai e outra vez se avoluma das mãos que na verdade são martelos a vapor - talvez então um jovem espectador da galeria descesse às pressas a longa escada através de todas as filas , se arrojasse no picadeiro e bradasse o basta !

Mas uma vez que não é assim, uma bela dama em branco e vermelho entra voando por entre as cortinas que os orgulhosos criados de libré abrem diante dela; o diretor, buscando abnegadamente os seus olhos respira voltado para ela numa postura de animal fiel; ergue-a cauteloso sobre o alazão como se fosse a neta amada acima de tudo que parte para uma viagem perigosa; não consegue se decidir a dar o sinal com o chicote; afinal dominando-se ele o dá com um estalo; corre de boca aberta ao lado do cavalo; segue com olhar agudo os saltos da amazona; mal pode entender sua destreza; procura adverti-la com exclamações em inglês; furioso exorta os palafreneiros que seguram os arcos à atenção mais minuciosa; as mãos levantadas , implora à orquestra para que faça silêncio antes do grande salto mortal; finalmente alça a pequena do cavalo trêmulo , beija-a nas duas faces e não considera suficiente nenhuma homenagem do público; enquanto ela própria , sustentada por ele , na ponta dos pés , envolta pela poeira , de braços estendidos , a cabecinha inclinada para trás , quer partilhar sua felicidade com o circo inteiro - uma vez que é assim o espectador da galeria apóia o rosto sobre o parapeito e , afundando na marcha final como num sonho pesado , chora sem o saber .

Se quatro participantes de um programa de TV , após sete horas de privação de sono e jejum , fossem atirados em uma minúscula garagem , ocupada em grande parte de seu espaço por um carro novo que , apesar de sua disposição sedutora , não pudesse ser utilizado para descanso , e se tivessem que se manter em pé , sem poder dormir , comer , ir ao banheiro ou sequer aumentar o tom de voz , enquanto as condições ambientais fossem brusca e impiedosamente alteradas do extremo frio ao calor sufocante , da garoa à chuva intensa , da brisa gelada à ventania , da escuridão total à luz que ordena aos olhos uma outra escuridão , e essa cena dolorida se estendesse por horas , noite , madrugada , manhã , até a exaustão do último – talvez então um jovem telespectador achasse isso desconfortável.

Comparação precisa, a começar por ser essa a franquia de filmes de terror mais bem sucedida até hoje, o mesmo que o Big Brother na categoria programa de TV , subcategoria reality show .

Um exemplo aleatório: uma mulher desperta em um quarto tendo em sua cabeça um aparelho que, se não desativado a tempo , se abrirá , rompendo sua mandíbula e , literalmente , vergando seu crânio ao avesso; a seu lado encontra-se um homem desmaiado .

Nesse caso, porém, a busca deve ser feita em sua própria cabeça, através do buraco do olho.

Pode-se supor, como alguns críticos o fazem, que sua crueldade seria, então , mais sofisticada , pois o sofrimento do jogo seria prolongado por toda a vida através do trauma de sua solução .

A superação do desafio não depende de sua habilidade para se livrar da armadilha – a chave do “enigma” é oferecida já no primeiro instante e é de fácil alcance – , resulta da capacidade de se libertar dos constrangimentos psíquicos gerados pela dor e pela compaixão .

Se seguirmos a trilha dessa e de outras declarações igualmente sórdidas do dito Boninho; se prestarmos atenção na analogia feita pelo rapaz na garagem; se observarmos o apetite dos telespectadores e dos participantes pelas eliminações; se assistirmos a cada uma das provas e outras provações sob a perspectiva do sofrimento que declaradamente buscam gerar; se, enfim, levarmos a sério o próprio nome do programa a partir de sua origem literária, poderá chegar à conclusão de que se tratam, todos os que tomam parte no jogo , de perversos .

Quando o diretor do Big Brother afirma com todas as letras que o programa não é cultura nem visa o debate, ele mesmo realiza uma crítica cabal à ideologia de sua empresa: “cultura, a gente vê por aqui”25, bem como ao esquálido palavrório de origem do programa, segundo o qual haveria um interesse sociológico ou psicológico na interação dos voluntários26.

Pois ainda que a alta cultura burguesa já estivesse submetida às relações de troca, sua ilusão de autonomia continha, ao mesmo tempo, a verdade da possibilidade de sua realização.

Hoje, a maneira pela qual um músico exibe orgulhoso seu disco de ouro, como prova do valor de sua criação, é sinal que a indústria cultural, essa sim, cumpriu sua promessa: transformar o que outrora era chamado espírito em mineração.

Porém mesmo nas mais que frequentes exceções às regras do programa é possível que se subestime a sapiência dos participantes.

Mas é à sua materialidade que se deve a ilusão de sua autonomia, pois a medida do trabalho , que é propriedade social e de física não tem “nem um átomo”42 , assume a forma de uma coisa .

A isso Zizek denomina fantasia ideológica, uma espécie de grau zero da ideologia: “O que as pessoas desconsideram, o que desconhecem, não é a realidade, mas a ilusão que estrutura sua realidade , sua atividade social .

Entretanto, em sua relação com os participantes ele age como se fossem coisas ( a serem devoradas ) , em sua prática ele é um alucinado .

Naquela falsa prova do Big Brother os participantes seguem um ritual mais poderoso que sua consciência, o círculo e os pedaços de corda que seguravam formavam a prova da liderança mesmo que todos soubessem que não era nada daquilo.

Realidade surreal I Não obstante o sofrimento levado a cabo pelo Big Brother Brasil não ser em nada subjacente e em nenhum momento negado por seus produtores – pelo contrário, a crueldade funciona inúmeras vezes como propaganda – permanece o debate em torno de um de seus discursos de origem, segundo o qual o programa visa propiciar

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