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Trabalho Final Sobre Viver a Vida

Por:   •  7/8/2021  •  Trabalho acadêmico  •  1.824 Palavras (8 Páginas)  •  172 Visualizações

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UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
ECO - Escola de Comunicação Social
Período Letivo: 2021.1
Professor: Paulo Oneto
[pic 1]

Trabalho de conconclusão de curso desenvolvido para a disciplina de Filosofia e Cinema por Carolinne Ferreira da Silva de Moraes, DRE: 116038533


Viver a vida: a linguagem da tragédia moderna no filme de Godard

“Viver a vida” (Vivre sa vie, no original em francês), é um filme do cineasta Jean Luc Godard lançado em 1962. Nele, podemos acompanhar a história de Nana, uma jovem de 22 anos que vive em Paris e abandona marido e filho para seguir seus sonhos e ser uma atriz, porém ela precisará se prostituir para manter uma vida livre. Um dos primeiros filmes da carreira do célebre diretor da Nouvelle Vague, “Viver a vida” é uma tragédia moderna em todos os sentidos: seja pela trajetória da protagonista e sua perspectiva e filosofia de vida, seja pela forma de apresentação e encenação escolhida pelo diretor.

O filme é dividido em doze quadros aparentemente sem relação causal entre si, como se fossem doze episódios da vida da personagem. Através dos acontecimentos relatados em cada quadro, podemos ir montando um quebra cabeça da vida de Nana e assim, compreender o que a leva ao seu final trágico como prostituta. Vemos o término do casamento de Nana, e sua tentativa de levar a vida como vendedora em uma loja de discos, mas a necessidade de uma alta quantia para se estabelecer a leva a ser expulsa de seu apartamento e até mesmo a ser interrogada pela polícia por supostamente ter roubado uma senhora na rua. Após essa série de humilhações, Nana se volta à prostituição para conseguir viver.

É na metade do filme que Nana conhece Raoul, que será seu cafetão, através de uma antiga amiga que também se tornou prostituta depois de ter sido abandonada com os filhos pelo marido. Nana seguirá se “profissionalizando” no ramo e tentando encontrar felicidade mesmo vivendo uma realidade tão cruel, até que – já no final do filme – ela se apaixona e resolve largar a prostituição para ficar com seu novo amor. Infelizmente, Raoul não permite que ela largue as ruas, e decide vende-la a um grupo de criminosos. A transação termina mal, e Nana acaba baleada pelos homens e morre abandonada na rua.

Se para Aristóteles, a tragédia é “a imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, (...) e que suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções”, o drama de “Viver a vida” se distancia dessa definição clássica. Para o filósofo grego, a tragédia é a mimetização de figuras grandiosas, “melhores que nós”, enquanto Nana é uma anti-heroína, faltando a ela as virtudes típicas dos heróis, mesmo os trágicos. Podemos apontar também a falta de um clímax catártico em sua trajetória: não há um momento do filme que suscita uma catarse das emoções conforme a tragédia aristotélica.

A forma escolhida por Godard de contar a sua história também reforça esse distanciamento do aspecto épico e catártico da tragédia clássica. A divisão em doze episódios e a enunciação antecipada dos acontecimentos que iremos ver em cada sequência traz uma quebra na narrativa e na progressão dramática da história de Nana. Esse e outros recursos utilizados por Godard são inspirados nas teorias do teatro épico do dramaturgo Bertolt Brecht, como o efeito de estranhamento ou efeito de distanciamento.

Com esse efeito, Brecht pretendia provocar uma atitude de distanciamento crítico em relação ao que estava sendo encenado, em vez de uma identificação emocional dos espectadores com a história e os personagens. Nesse contexto, Brecht buscava utilizar uma série de técnicas que fariam com que a audiência tivesse plena consciência de estar vendo algo encenado, não real. Godard leva esses ensinamentos para o cinema, alterando a ordem dominante da representação cinematográfica, que nos lembra que aquilo que vemos, por mais semelhante que seja ao real, é apenas uma representação.

Godard, especialmente nessa fase inicial de produção cinematográfica, experimenta com diversos estilos e formas do cinema, com planos e montagens menos usuais. Algumas decisões do diretor causam estranhamento, como a cena do primeiro quadro em que Nana conversa com seu ex-marido Paul em um café. Vemos eles durante a conversa apenas de costas, e um reflexo difuso do rosto de Nana no espelho ao fundo. Apesar de ser uma conversa de término, tudo parece muito distante e sem emoção, inclusive a atitude de Paul, que mantém um ar blasé frente a vida e ao abandono por sua esposa.

A atitude de Paul, e mais tarde de Yvette, amiga de Nana que também se prostitui, parece ser um espelho da atitude e do pensamento moderno que atravessa o filme. Esse sentimento é descrito por Deleuze, que afirma: “o fato moderno é que já não acreditamos nesse mundo. Nem sequer acreditamos nos acontecimentos que nos acontecem, o amor, a morte, como se só nos concerniram em parte”. A tragédia se enfraquece na modernidade porque vivemos uma configuração de sociedade muito racional e científica, conhecemos as engrenagens do mundo e como ele funciona, e deixamos de vê-lo como potência.

No entanto, Nana traz um contraponto importante a esse sentimento durante sua conversa com Yvette. Quando a amiga afirma que não é responsável pela vida triste que leva, Nana rebate dizendo que acredita que somos sempre responsáveis pelas escolhas que fazemos na vida por sermos livres. Esse é um reflexo de correntes filosóficas da época, como o existencialismo, como coloca Sartre: “o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo”. O existencialismo defende que a responsabilidade total de sua existência é do próprio homem, não de um ponto de vista estritamente individualista, mas inclusive coletivo: ele é responsável por todos os homens.

Essa ideia transmitida através de Nana é contrária aos moldes clássicos da tragédia tal como pensada por Aristóteles, em que o caos e o destino são peças fundamentais: não importa as ações dos homens, o destino sempre irá se cumprir. Na modernidade, a responsabilidade cabe apenas aos homens, que são livres e dominam suas próprias vidas. Nana é quem cria seu próprio destino, mas paradoxalmente, ele também paira sobre ela durante todo o filme: pequenos indícios de sua morte são mostrados durante o longa, como a cena dos tiros de metralhadora, a leitura de “O Retrato Oval” ou ainda a cena no cinema, em que Nana assiste à “A Paixão de Joana D’Arc”.

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