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Holocausto Brasileiro

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Por:   •  29/1/2014  •  4.838 Palavras (20 Páginas)  •  890 Visualizações

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Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex [resenha]

O livro apresenta, com detalhes, o requinte de crueldade que era utilizado nos internos, tais como choque elétrico, prisão em celas solitárias, agressão física e a cruel lobotomia. Cabe ressaltar, que entre esses internos não se encontravam apenas portadores de sofrimento mental, muitos deles estavam ali por não possuírem documentos, por serem opositores de algum político, moças estupradas que, para não “manchar” sua honra, foram depositadas naquela sucursal do inferno, indigentes e até mesmo esposas que foram traídas pelo marido.

Em nome da “razão”, os ditos “loucos” eram tratados como animais, sem nenhuma dignidade. Estima-se que mais de 60 mil internos foram mortos nesse campo de concentração brasileiro. Até mesmo depois das mortes, esses corpos eram transformados em números, que por sua vez se tornavam cada vez mais rentáveis para os responsáveis pelo hospital psiquiátrico, haja vista que eram esses corpos que, por décadas, abasteciam as faculdades de medicina em todo estado de Minas Gerais.

Ao mesmo tempo em que deflagra um verdadeiro Inferno de Dante, o livro também mostra muitas histórias de superação e de luta pelas desconstrução desses meios de cura. Apesar de ser um relato de algo que aconteceu, chama-se a atenção para demonstrar que ainda hoje há hospitais psiquiátricos que insistem neste tipo degradante de tratamento.

O livro me fez pensar na grande capacidade que esse mecanismo de controle social tem de se renovar. Como prova disso, podemos nos valer do programa de internações promovido pelo governo do Estado de São Paulo e diversas instituições, no mês de janeiro deste ano, na chamada Cracolândia, para realizar internações de massas de dependentes químicos. Este programa teve com base a Lei da Reforma Psiquiátrica, entretanto realizou uma leitura equivocada deste diploma normativo.

Um dos grandes avanços da Lei da Reforma Psiquiátrica Nacional foi considerar todos os portadores de sofrimento mental como sujeitos de direitos, assim gozando de proteção quando suas liberdades estivessem na iminência de sofrer intervenção, seja estatal ou de outro indivíduo qualquer. Essa lei prioriza o tratamento ambulatorial, haja vista que respeita a especificidade de cada um, sendo a internação o caso extremo. Por outro lado, essa política de internação, e sua leitura equívoca, prioriza as internações. E o pior de tudo, existe um Projeto de Lei 7.663/2010, do deputado Osmar Terra (PMDB), que pretende dar prioridades as internações, contrariando todos os ganhos de mais de trinta anos no tratamento psicossocial.

Voltando ao livro, ele nos faz questionar os direitos humanos, principalmente quando as instituições que deveriam tutelá-los, são as mesmas que os degradam em nome de interesses e, algumas vezes, em nome de Deus… Ou seja, não é muito diferente do que ocorre hoje…

Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade.

Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.

Quando chegavam ao hospício, suas cabeças eram raspadas, suas roupas arrancadas e seus nomes descartados pelos funcionários, que os rebatizavam. Daniela Arbex devolve nome, história e identidade aos pacientes, verdadeiros sobreviventes de um holocausto, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste, ou Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que, dos 34 anos de internação, ficou mudo durante 21 anos porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava.

Os pacientes da Colônia às vezes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Nas noites geladas da Serra da Mantiqueira, eram deixados ao relento, nus ou cobertos apenas por trapos. Pelo menos 30 bebês foram roubados de suas mães. As pacientes conseguiam proteger sua gravidez passando fezes sobre a barriga para não serem tocadas. Mas, logo depois do parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados.

Alguns morriam de frio, fome e doença. Morriam também de choque. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos foram decompostos em ácido, no pátio da Colônia, diante dos pacientes, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. Nada se perdia, exceto a vida.

No início dos anos 60, depois de conhecer a Colônia, o fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro, desabafou com o chefe: “Aquilo é um assassinato em massa”. Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro da luta pelo fim dos manicômios que também visitou a Colônia, declarou numa coletiva de imprensa: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa”

O Holocausto ou o dever da lembrança

É interessante, embora também trágico, que a expressão genocídio tenha surgido tão tardiamente na história. Somente em 1944, através da obra ¿Axis Rule in Ocupped Europe¿, do jurista polonês de origem judaica Raphael Lemkin, elaborou-se um estatuto jurídico específico aos crimes de guerra em massa e aqueles praticados contra as minorias étnicas, religiosas ou culturais durante a Segunda Guerra Mundial. Mais tarde as Nações Unidas (ONU), em 1948, inscreveu o genocídio nos seus estatutos enquanto o mais grave crime contra a humanidade.

Na sua definição exata, conforme,

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