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RESENHA CRÍTICA : O HOLOCAUSTO BRASILEIRO

Por:   •  5/9/2015  •  Resenha  •  2.563 Palavras (11 Páginas)  •  1.266 Visualizações

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O Holocausto Brasileiro: A história esquecida no processo histórico dos Manicômios Brasileiros

Por Mylena Menezes (*)

Daniela Arbeux é uma jornalista brasileira, formada em Comunicação Social pela Universidade de Juiz de Fora em 1995, onde deu início a sua carreira no jornal Tribunal de Minas, do qual atualmente é repórter especial, ganhando reconhecimento em sua área devido a publicação da reportagem que deu origem ao livro Holocausto Brasileiro, no qual tornou-se conhecido dentro dos direitos humanos por ser um grande trabalho investigativo que revelou uma tragédia brasileira na história dos Hospícios, salvando do esquecimento uma parte da história. O livro é constituído de quatorze capítulos, onde em cada um desse, a autora traz os traçados das memórias daqueles que sobreviveram a esse holocausto, que ocorreu dentro do maior hospício na época, localizado na cidade mineira de Barbacena, conhecido como colônia. Segundo a autora no prefácio, a escolha da nomenclatura holocausto, não foi um exagero de sua parte, embora soe como tal, ela afirma que tendo em vista as coincidências dos fatos que ocorriam em Barbacena com os atos praticados contra os judeus, durante a segunda guerra mundial, o nome escolhido foi “terrivelmente preciso”, pois naquele lugar foi registrado a morte de pelo menos 60 mil pessoas que tiveram suas vidas ceifadas por um motivo torpe, que incluíam causas de morte como: o frio, fome e doenças provocadas pelos maus cuidados que recebiam dentro dos muros do colônia. O hospital psiquiátrico tinha sua função desvirtuada da qual conhecemos hoje, pois naquela época, os requisitos admitidos para o ingresso das pessoas naquele ambiente não estavam relacionadas apenas ao diagnóstico de doença mental, mas traziam também pessoas com epilepsia, alcoólatras, militantes políticos, prostitutas, homossexuais e qualquer outro que “incomodasse” de qualquer forma aqueles que detinham o poder, atendendo a teoria eugenista que sustentava a teoria da limpeza social, ou seja, retirando da sociedade os indesejados, realocando-os para lugares distantes e sórdidos, como assim era, o colônia. Os tratamentos terapêuticos inexistiam, e apenas como fonte de controle sobre os internos faziam uso de eletrochoques. As pequenas informações como as descritas acima, e também trazidas no prefácio pela autora desperta a curiosidade do leitor para conhecer o resgate de uma história tórrida, invisível por tantos anos, que revela o genocídio brasileiro que teve a conivência de médicos, políticos e até mesmo da própria sociedade que fechou os olhos por muito tempo para uma barbárie como essa. O primeiro capítulo de sua obra, a autora refaz o caminho traçado por uma funcionária do hospital, fazendo o leitor ingressar na memória do personagem para conhecer de perto a estrutura física e a rotina diária do hospital que dava início com o soar do apito do trem anunciando a chegada do conhecido “trem doido”, com os rejeitados sociais, acuados, temerosos, ao pisar no solo do colônia, chegando de uma viagem sem volta. Daniela, através dos relatos do sobrevivente esclarece o procedimento padrão dos recém chegados que passavam pela triagem, onde eram separado homens, mulheres e crianças, despidos do pouco que carregavam consigo, as funcionárias registravam dados elementares sobre o paciente e este era direcionado para um dos sete pavilhões que compunha o colônia, o qual deveria comportar inicialmente 200 internos, mas já possuía 5 mil pacientes que dormiam amontoados uns sobre os outros, fato este que levava a morte diária de muitos pacientes devido o frio causado pela serra da Mantiqueira, que fazia parte da bela paisagem mineira mas que provocava a morte dos excluídos que tentavam se proteger com o famoso uniforme  “azulão”. O hospício que teve sua finalidade deturpada desde sua gênese registrou a mais repugnante história brasileira, marcada pelo desvio do conceito de ser humano, o desrespeito aos direitos preconizados na própria Constituição, deixou a responsabilidade das mortes nas mãos dos funcionários que eram impotentes diante das atrocidades ocorridas naquele lugar. O segundo capitulo, a autora relata sem nenhuma restrição a memória de uma sobrevivente que traz em suas lembranças nitidamente todo seu sofrimento, a qual foi vítima de todo tipo de violação a uma dignidade que se perdeu antes mesmo de entrar no hospital colônia, pois já sofria os maus tratos por quem lhe criava. Neste trecho da obra, assim como em muitos outros capítulos, a autora deixa claro para o leitor o tamanho da gravidade da tragédia que ocorreu, o fazendo aceitar o nome holocausto como a denominação adequada para descrever os atos de crueldade cometidos contra os que não tinham voz. Atos repugnantes como tomar água do esgoto, passar fezes na barriga quando se estava grávida, andar pelo pátio sem qualquer roupa, tomar a própria urina, eram uns dos exemplos da realidade daqueles internos que encontravam nesses atos desprezíveis, nojentos, o meio para sobreviver e se proteger dentro daquele ambiente que despersonalizava cada vez mais, aquelas pessoas já abandonadas pelo meio social. O terceiro capitulo traz um título que chama a atenção do leitor não para mais uma história de sofrimento, mas o remete a tentar compreender por que a autora intitula o capitulo de: “O único homem que amou o Colônia”, diante disso faz-se questionar: Como poderia alguém em meio de tanto sofrimento amar aquele Hospital? Quem seria ele? Essas indagações são instigantes para dar continuidade a leitura, e assim descobrir um pouco mais a frente que houveram histórias emocionantes de alegria que se fizeram presentes na infância inocente dos que nasciam nas casas construídas nos terrenos do Hospital, o capitulo traz as memórias do neto do administrador do hospital; das crianças com sua inocência observando o cotidiano dos internos que saiam do hospital para trabalhar em construções na cidade, e os cortejos daqueles que morriam e eram conduzidos ao cemitério, mas devido a ingenuidade delas, não compreendiam o porquê de tudo aquilo, o motivo daquelas pessoas serem chamadas de loucas, e por elas “morarem” com grandes muros os cercando, pois a imagem que os “loucos de Barbacena” transmitiam para aquelas crianças eram de pessoas que não provocavam pavor em ninguém, eram apenas tristes, donos de uma vida sombria. Após conhecer algumas lembranças daqueles que tiveram conhecimento do holocausto com um olhar diferente, o capítulo seguinte remete a uma outra finalidade para a existência do Hospital Psiquiátrico, que era a comercialização de cadáveres para as grandes Universidades Públicas do País, embora impactante seja o relato do professor, testemunha de uma dessas vendas, esta informação acaba dando as respostas aos questionamentos feitos pelo leitor ao início do livro, ao tentar saber para onde iriam tantos corpos, já que em média morriam 16 pessoas por dia, o cemitério da cidade não comportaria tantos cadáveres. E para solucionar o “problema”, a indústria de venda de corpos era a melhor saída para as faculdades, que precisavam comprar peças anatômicas mais baratas, e para favorecer lucro para o diretor da instituição psiquiátrica. É interessante perceber que se tinha uma preocupação do que se fazer com os corpos, mas jamais se pensaria no que fazer para evitar esse “amontoado” de cadáveres, pois o valor despendido seria bem maior, tendo em vista que seria melhor lucrar com o fim daqueles que já estavam marcados para morrer, do que prolongar a vida desses. Durante a leitura, quando se pensa que nada mais pode chocar, depois de se ter conhecimento de tanta dor, sofrimento, por aquelas pessoas esquecidas no tempo, a autora nos apresenta a uma nova informação, de que as crianças que eram internas de um Hospital Psiquiátrico Infantil de um município chamado Oliveira, foram transferidos para o Colônia após o hospital ser fechado, e na esperança de resgatarem a infância roubada dentro de seu novo endereço, o que elas encontraram foi uma realidade de mais sofrimento, onde eram tratadas sem nenhum pudor em uma ala infantil, mas sim com tratamentos iguais aos fornecidos aos adultos, pois os eletrochoques, camisas de força, aprisionamentos, abandonos e as lobotomias faziam parte de suas rotinas, assim como as condições degradantes de sobrevivência. Uma situação que se tinha a conivência dos funcionários que nada podiam fazer, diante daqueles que detinham o poder. Embora esse fato fosse a realidade, Daniela traz a atitude de uma concursada que desencantada com o primeiro emprego decidiu não mais ser cúmplice de toda aquela desumanidade, pois mesmo querendo salvar aquelas crianças de alguma forma, não encontrava recursos para cuidar de tantas crianças e impedir os maus tratos que sofriam, sendo assim optou deixar o emprego público e levar consigo apenas as lembranças tristes das crianças que lá cuidou por algum tempo. Nos dois capítulos seguintes os relatos das memórias dos sobreviventes, os lembram que são filhos do colônia, que não apenas nasceram das mulheres que ali lutaram por sua vida durante anos sobrevivendo naquele lugar, mas que tiveram sua infância em um ambiente em que jamais poderia proporcionar a lembrança do quanto é bom ser criança. Nestes capítulos, a autora traz a história de uma criança, filha de uma das internas, mas adotada por uma funcionária, onde teve uma infância aos “arredores” do colônia e apenas quando já adulta descobriu toda sua história através de uma busca incessante pela sua mãe biológica que ainda era interna do atual hospital psiquiátrico construído em um dos pavilhões desativados do colônia, embora o leitor torça pelo final feliz, o resultado dessa busca leva essa menina a informação de que sua mãe já tinha falecido um ano atrás, só lhe restando conhecer essa mãe pelos registros do hospital, o que a levou a perceber que já esteve outras vezes muito próximo de sua mãe, mas que o fato de ambas desconhecerem as suas relações de parentesco não foi possível a aproximação como mãe e filha. Após a história da menina de Oliveira, o capítulo seguinte já consegue mostrar ao leitor que vamos chegando próximo ao fim do livro, onde a autora nos traz a atualização dos status de alguns sobreviventes do colônia, onde encontramos finais felizes como o casamento de dois ex-pacientes, que no meio de tanta tristeza conseguiram construir uma linda história de amor entre um epilético e uma catatônica quebrando as barreiras do preconceito, mostrando que não importava onde estivessem, o tratamento desumano que recebiam, o amor em meio de tudo isso era o pouco que podiam alimentar e fazer crescer, significando a única lembrança positiva trazida da história de sofrimento por eles vividas. O sonho do casamento foi realizado com ajuda dos moradores locais, da psicóloga que trabalhava na residência terapêutica, onde o casal passou a morar, e com a ajuda de todos, o sonho foi realizado conforme manda as tradições do casamento. Intitulado de: “Encontro, desencontro e reencontro”, o capítulo seguinte traz a primeira história que carrega muita dor e sofrimento, mas apresenta um lindo final feliz para uma mãe guerreira, uma mulher de fibra que já começa a vida lutando e sofrendo por viver “sozinha” no mundo, depois da morte de seus pais ainda quando criança, mesmo achando que esse fato fosse o bastante para deixa-la triste e sem rumo, a vida lhe preparou um caminho com muitas dificuldades e desafios a serem enfrentados. Não bastava a morte do pais, o trabalho de doméstica desde cedo, essa menina teve que passar por um abuso sexual seguido do estupro provocado por seu patrão, o que lhe deixou grávida aos 14 anos, um motivo suficiente para uma família conhecida na região, levar essa adolescente para os muros do colônia com a finalidade de se “livrarem do problema” assim como muitos outros faziam. Geralda, assim como era chamada, chegou ao colônia sem entender as razões de ser levada para aquele lugar que lhe provocava medo e nojo. Ela nada levou para aquele lugar, apenas carregava consigo sua sanidade mental o que lhe fez garantir um lugar de trabalho dentro do colônia. Pouco tempo depois na instituição, sua bolsa se rompeu, e ela deu à luz a seu primogênito, e mesmo sem ter uma boa saúde, conseguiu amamentar durante 6 meses seu filho, e cuidou desse até completar os 2 anos, momento este que Geralda foi mandada embora do colônia para trabalhar fora do hospital, apenas tendo permissão de vê-lo nos domingos, uma situação que durou pouco tempo, até ele ser mandado para um orfanato. Geralda apenas teve seu filho arrancado de suas mãos, mas não conhecia o destino que foi dado a ele, no entanto, passou a vida tentando ter de volta em seus braços seu filho querido, e mesmo depois de muitos anos pode reencontra-lo, quando essa criança já era um homem feito, que teve um futuro militar, mas nunca esqueceu de sua mãe e sempre buscou senti-la em seus braços novamente. Os capítulos seguintes demonstram a história de alguns profissionais, como fotógrafos, psiquiatras e outros que já começavam a luta pelo fim do colônia, as reportagens, as fotos, as denúncias eram o começo de tudo, mas ainda assim não era o suficiente na luta antimanicomial. Contudo, essa luta ganhou força quando renomes internacionais dentro da psiquiatria como o Michael Foucault impulsionado pela curiosidade despertada pelos relatos dos alunos que se faziam presentes em suas palestras, embarcou em um “turismo” dentro do hospital psiquiátrico de Barbacena para conhecer de perto as barbáries, constatando o sofrimento provocado por aquele lugar, que foi até chamado de “antecâmara da morte”. Não apenas Foucault, mas também, Franco Basaglia, o psiquiatra italiano, pioneiro na luta antimanicomial foram trazidos pelos psiquiatras brasileiros com o propósito de fazer com que essas pessoas com voz mundial pudessem contribuir com a luta de poucos. Dessa forma, após as visitas a instituição, vários artigos de crítica ao colônia começaram a ser publicados, e o peso dessas críticas ocasionaram atos de perseguição aos psiquiatras brasileiros, que foram acusados de infringir a ética médica, perdendo seus empregos, e respondendo a processos. Contudo, os atos de perseguição não foram suficientes para interromper a luta que foi iniciada, e as declarações de Basaglia foram decisivas para a implantação do movimento da reforma psiquiátrica mineira, e embora tenha demorado e custado o emprego de muitos, a história do holocausto brasileiro foi tornando conhecida e alvo de: artigos, documentários e filmes que impactavam a cada cidadão que conhecesse a história nua e crua, o que foi de grande valia para que ocorressem mudanças no hospital, que englobava não apenas o fechamento de alguns pavilhões do colônia, mas as mudanças no atendimento, os critérios de internações, as condições de vida dentro de um hospital psiquiátrico.

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