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Holocausto Brasileiro e Historia da Loucura

Por:   •  25/6/2015  •  Trabalho acadêmico  •  2.026 Palavras (9 Páginas)  •  611 Visualizações

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      A INSANIDADE DOS “NORMAIS”, NO PAÍS DO FUTEBOL: E A SUA CORRELAÇÃO COM O SOFRIMENTO ATEMPORAL.

Roselange do Nascimento Silva Ayres¹

Não fosse um trabalho jornalístico da maior seriedade e competência da jornalista Daniela Arbex, diria eu, se tratar da obra de um renomado roteirista de filmes de Hollywood. Os relatos dos fatos, antes tão bem camuflados, do que ocorreu durante décadas no Hospital psiquiátrico Colônia na cidade mineira de Barbacena. Fundado em 16 de agosto 1900 e mantido inicialmente pela Igreja Católica, o maior hospital psiquiátrico do Brasil, em pleno século XX foi protagonista de uma das maiores atrocidades contra a pessoa humana em solos brasileiros, talvez até pior que a escravidão e a ditadura. Semelhantemente ao que ocorreu na Europa dos séculos XVII e XVIII, os internamentos aqui também foram compulsórios e os tratamentos dispensados tanto quanto desumanos, a começar pela forma como eram escolhidas as pessoas que deveriam ser internadas, e terminar pela forma como eram vistos os “pseudo pacientes”. A clientela ali presente era formada por pessoas que contrariavam a vontade daqueles que se encontravam na parte mais alta da pirâmide do poder: Garotas defloradas por fazendeiros, advogados, que não podiam ter suas reputações de “nata da sociedade” desnudada perante a sociedade hipócrita da época; filhas de coronéis que por algum motivo lhes desobedeceram e engravidaram antes do casamento; epiléticos; prostitutas, que por não terem seus programas pagos, cortavam seus clientes com lâminas de barbear; esposas traídas, internadas por seus maridos para que os mesmos pudessem viver seus romances com suas amantes; negros; alcoólatras; subversistas ou inimigos do regime político da época; pessoas que contrariavam os interesses de gente rica; crianças de rua; homossexuais; pessoas tímidas; pessoas sem documentos; e uma parcela irrisória de pessoas que realmente apresentavam problemas mentais.

Análogo ao ocorrido nos Hospitais Gerais na França do século XVII e em alguns países da Europa, em Barbacena a coisa era macabra. Pra começar, os supostos loucos, que agora sabemos ser a grande minoria, chegavam nos famosos “trens de doidos”, amontoados como qualquer mercadoria sem valor nenhum, para permanecerem por anos e até mesmo décadas da mesma forma; amontoados como um monte de estrume sem a menor dignidade humana. Semelhante à forma como os judeus eram levados aos campos de concentração nazista. Barbacena, é uma cidade mineira localizada na serra da Mantiqueira, uma região de baixas temperaturas. Às noites, elas despencam. O cartão de visitas do hospital colônia? Tirar-lhes todas as roupas e os pertences, cortar os cabelos dos homens como se fosse prisioneiros de guerra, desnudar-lhes não somente os corpos, mas também as suas almas e dignidades.

Com dormitórios insuficientes, o único lugar onde podiam dormir era ao relento, sobre fardos de capim (feno), como feras selváticas, o que fazia com que eles se amontoassem instintivamente nas noites gélidas de Barbacena, buscando uma espécie de equilíbrio térmico, um aquecimento por meio do contato dos seus corpos, que se revezavam a noite inteira, para que os que ficavam na extremidade desse “círculo da morte”. Não raras eram as noites que não havia morte mortes por hipotermia. Muitos desses só possuíam Uma muda de roupa, e quando essa ia para lavanderia a única opção era manter-se nu (a). O que era em vão, pois nas noites de inverno intenso da serra da Mantiqueira, a média de mortos chegava a dezesseis pessoas por dia (em períodos com grande número de internamentos). E o destino dado a esses corpos? A venda para Faculdades de Medicina de todo Brasil.

Entre 1969 e 1980 foram vendidos para universidades de todo Brasil 1.823 corpos. Afinal de contas, alguma finalidade haveriam de ter para os administradores do “Hospital Colônia” aqueles que eles tratavam como escória da sociedade. Após a diminuição da demanda das faculdades por cadáveres, a solução encontrada pelos administradores “do Colônia”, foi o enterro em covas rasas e a  decomposição dos cadáveres por meio de  ácidos, para que os ossos pudessem ser aproveitados (vendidos) e não deixarem assim de ter lucro através da tragédia alheia. Garotas ou mulheres que iam para o Colônia grávidas, aprenderam uma técnica um tanto repugnante para protegerem seus fetos;  passavam fezes em suas barrigas e em todo corpo para que evitar que fossem tocadas, torturadas.

 Os internos eram submetidos à eletrochoques. Já que era uma prática comum no manicômio. Essa técnica desumana era praticada não como terapia (o que também não seria aceito há muito), mas como meio de tortura. E eram constantes, intensos e aleatórios. Muitas vezes a rede elétrica da cidade de Barbacena não suportava a sobrecarga provocada pelo consumo excessivo de energia elétrica com os choques dados em pacientes que na maioria das vezes chegaram ali com suas faculdades mentais em pleno funcionamento, até mesmo crianças eram vítimas. Funcionárias recém-contratadas da unidade tinham como primeiro teste, aprender dar eletrochoque em internos por simples diversão.

O nível de perversidade era extremo. Transcende qualquer mente maquiavélica. Josef Mengele, o médico monstro, braço direito Hitller durante a Segunda Guerra Mundial, seria aluno do ensino fundamental “no Colônia”, haveria que  se graduar lá no quesito maldade. Para equiparar o hospital psiquiátrico de Barbacena aos campos de concentração nazista só faltaram mesmo as câmaras de gás, porque o genocídio foi semelhante. Pessoas foram obrigadas a comer ratos, pombos e outros animais rasteiros, bebiam água do esgoto que corria a céu aberto dentro “do Colônia” e até mesmo beber a própria urina quando eram deixados sem água; comiam fezes, e a ração fornecida era insuficiente, insossa, imunda e servida em cochos, como que servidas aos porcos, muitos deles eram doadores compulsórios de sangue para os mais debilitados ou submetido a lobotomia (cirurgia que secciona as vias do cérebro que une os lobos frontais ao tálamo).

Como se não bastasse as torturas as quais os internos eram submetidos, impunham-lhes também a pratica de trabalho escravo. Abriam estradas com enxadas, colhiam dez alqueires com mantimentos para suas alimentações (e venda do excedente), consertavam vias públicas, preparavam doces, limpavam pastos. Sendo que em 1916 metade da receita “do colônia” foi proveniente do que os eles plantavam e colhiam. Qualquer pessoa com o mínimo de lucidez não os veria como loucos, mas, como escravos. O mesmo já havia ocorrido na Europa nos séculos XVII e XVIII onde as indústrias exploravam a mão de obra dos internos dos hospitais gerais, como eram chamados. O local onde o excedente da lei da oferta e da procura por cadáveres para aulas de anatomia estão enterrados em covas rasas num terreno baldio de oito mil metros quadrados

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