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O BOM-CRIOULO E A REPRESENTAÇÃO DE UM EX ESCRAVO QUE UTILIZA A MARINHA IMPERIAL COMO POSSIBILIDADE DE FUGA

Por:   •  11/11/2018  •  Artigo  •  4.394 Palavras (18 Páginas)  •  188 Visualizações

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O BOM-CRIOULO E A REPRESENTAÇÃO DE UM EX ESCRAVO QUE UTILIZA A MARINHA IMPERIAL COMO POSSIBILIDADE DE FUGA

Maria Angela Gomes Gonçalves[1]

Resumo

Este documento apresenta uma breve análise da vida do personagem Amaro, protagonista do romance oitocentista de Adolfo Caminha. Tratando-se de um homem negro, escravo até seu ingresso na Armada Imperial, o artigo pretende trazer à tona uma representação dos homens que encontraram na Marinha de Guerra brasileira uma brecha para um recomeço em um local diferente da senzala.

Palavras-chave: Escravidão. Marinha. Adolfo Caminha. O Bom Crioulo.  

 

Introdução

        O objetivo deste artigo é analisar versa sobre expor, a partir de uma perspectiva interna, uma análise sobre o livro O Bom-Crioulo - lançado no Rio de Janeiro em 1895, por Adolfo Caminha (1867-1897) - que conta a história de Amaro, um negro, que foge da fazenda onde é tido como escravo e vai trabalhar na Marinha Brasileira. Lá, enfrenta desafios sobre a brusca mudança, aflições acerca de seus familiares deixados para trás e uma série de sentimentos expressos no livro e que serão explorados durante este trabalho.

        Para que a empreitada de dissecar o livro seja bem-sucedida, é necessário antes compreender o contexto histórico em que ele foi escrito e a forma como o livro foi então recebido e discutido, pois além de tratar de assuntos que dizem respeito às questões raciais, o livro também aborda questões homossexuais.

No contexto do período devemos ressaltar que o romance, naturalmente, causou um escândalo na época. Robert Howes em um artigo sobre raça e sexualidade transgressiva, faz menção ao livro de Adolfo Caminha, afirmando que a obra, apesar de sua notoriedade vendeu muito bem de acordo com o neto de Caminha, o que lhe gerou um lucro de 2.000 mil-réis, mais do que todos os seus outros livros juntos. (LACERDA, 1957).

Uma crítica ao livro, publicada em A Notícia de 20-21 de novembro de 1895, apareceu na “Semana Literária”, coluna assinada por Valentim Magalhães, membro fundador da Academia Brasileira de Letras.

“Ora o Bom Crioulo excede tudo quanto se possa imaginar de mais grosseiramente imundo [...] não é um livro travesso, alegre, patusco, contando cenas de alcova ou bordel, ou noivados entre as hervas, à lei do bom Deus, como o Germinal... nada disso. É um livro ascoroso porque explora- primeiro a fazê-lo, que eu saiba- um ramo de pornografia até hoje inédito ou inabordável, por ante natural, por ignóbil. Não é, pois, somente um livro faisandé: é um livro podre; é o romance-vômito, o romance-poia, o romance-pus. [...]. Este moço é um inconsciente, por obcecação literária ou perversão moral.  Só assim se pode explicar o fato de haver ele achado literário tal assunto, de ter julgado que a história dos vícios bestiais de um marinheiro negro e boçal podia ser literariamente interessante...” (A Notícia, 21-21 de novembro de 1895.)

No decorrer do romance, Amaro se apaixona por um de seus colegas de ofício, o jovem branco Aleixo, com quem vive uma série de perturbações que vão além das características físicas. Neste ponto, ainda no esqueleto do romance, podemos perceber uma série de atribuições aos personagens, que para o século de sua publicação são um tanto quanto polémicas.

Lara Moutinho (2004) ao analisar raça, gênero e sexualidade na construção da identidade nacional, utiliza dois escritos literários, uma peça de Nelson Rodrigues e um romance do autor sul-africano John Coeetze. Através destes textos ela identificou um tabu referente aos casais formados por homens negros e mulheres brancas durante o século XIX. O homem branco ao se relacionar com uma mulher negra ainda pressupõe a dominação da colonização; o contrário disto não era bem visto à sociedade. Ou seja, Adolfo Caminha não só atribui polémicas quanto a sexualidade dos personagens, mas toca na própria mistura de raças do século XIX.

Por causa do seu tema, O Bom-Crioulo desperta cada vez mais interesse entre escritores que falam sobre gênero e sexualidade, afinal, foi a primeira grande obra literária sobre homossexualidade a ser publicada no Brasil e, também, uma das primeiras a ter um puro negro como seu herói.

Guido Vieira trabalha com O Bom-Crioulo tratando opressão à emancipação, com ênfase na questão homossexual. Rafaella Queiroz e Sheila Oliveira, apresentam um artigo, resultado de estudos literários, onde o personagem Aleixo passa a ser a analise principal a partir de suas transformações no decorrer do romance. Já na proposta deste artigo, Amaro é colocado como nossa representação por toda sua história, mas principalmente por ser um negro, ex escravo na Marinha Imperial, o que se encaixa perfeitamente na definição da micro-história, que tem como princípio unificador a crença em que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados. Dessa forma pude utilizar O Bom-Crioulo anteriormente, no trabalho: “DE ESCRAVO À MARINHEIRO: A Marinha de Guerra brasileira como caminho de escravos fugidos para alcançar a liberdade durante o século XIX”, na conclusão da especialização em História Militar e pretendo continuar meu trabalho de pesquisa utilizando-a.

Limitemo-nos ao objetivo principal, que é encontrar no personagem uma representação da vida de tantos outros escravos neste mesmo período. Talvez não com todas as características que Caminha o atribuiu durante o romance, mas certamente, mais um escravo que conseguiu encontrar no sistema uma chance de fuga da própria escravidão. Escravos que conseguiam encontrar em uma sociedade, onde eles mesmos eram um cerne econômico, brechas que pudessem favorecê-los em algum momento. Analisar suas posições diante da escravidão, não como heróis ou como vítimas, mas, talvez, encontrar em um romance os sentimentos que não puderam ser relatados por esses homens.

1 Análise da obra

         Falar sobre O Bom-Crioulo e não analisar o contexto histórico em que Adolfo Caminha o escreveu e publicou, seria ignorar seu impacto social (1895). Adolfo Caminha, quando escreveu tal obra, estava trabalhando como funcionário público, depois de pedir demissão como oficial da Marinha em 1890 - fato que podemos atribuir à riqueza de detalhes sobre a vida em alto mar.

O Bom-Crioulo é uma obra ambígua, que está aberta a diversas interpretações. O personagem principal, Amaro, além de negro, é homossexual, ex escravo e trabalhador braçal. Características que, isoladas, já seriam suficientes para tornar a obra, pelo menos, polêmica a quem lesse.  

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