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Oralidade: o saber ignorado

Por:   •  14/2/2017  •  Trabalho acadêmico  •  2.163 Palavras (9 Páginas)  •  150 Visualizações

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Oralidade: o saber ignorado.

Regina Martins de Vasconcelos

Disciplina: História, Imagens e Oralidades.

Prof.ª Dra. Rosângela de Jesus Silva.

Resumo.

Abordaremos neste trabalho acadêmico, o reconhecimento – recente – da oralidade como fonte histórica. Durante os séculos em que o saber eurocêntrico resumia-se tão somente aos conteúdos dos livros (aos documentos escritos), os saberes de outros povos, como os indígenas da América, foram ignorados, por ser considerado primitivo. A oralidade, porém, permite, através do “manejo” adequado de metodologias próprias, conhecer infindáveis aspectos de uma cultura.

  1. Introdução.

A sociedade cristã-ocidental é marcada pela “cultura do papel”. Datas, nomes, acontecimentos, tudo deveria estar devidamente anotado.[1] O que estava escrito possuía valor e o que não estaria registrado, era desconsiderado. Foi preciso uma geração de historiadores, da chamada Escola dos Annales para reconhecer que outros recursos além dos livros e papéis também constituíam fontes históricas.[2]

Na Europa medieval, formada por uma grande parte de pessoas analfabetas, a escrita dotava os que soubessem dominá-la de um caráter excepcional frente aos demais. Os clérigos católicos ostentavam Bíblias ornamentadas inclusive com pedras preciosas. As palavras escritas ali dentro eram sagradas para essa sociedade.[3]

A invenção da máquina de impressão por João Gutemberg, por volta de 1450, trará novos parâmetros para um novo período que a sociedade européia acredita estar vivendo. A máquina de impressão permitiria a partir de então, a multiplicação de livros – os mais variados – o que vale dizer: de Saber.[4] Neste período, a constituição do europeu enquanto homem “moderno” necessitava do “outro” que lhe fizesse oposição: o “primitivo”, ou ainda, o selvagem.[5]

Paul Thompson esclarece que por muito tempo a história pautada nos documentos estava restrita às classes dominantes. A vida de camponeses, de soldados e de pequenos comerciantes não era digna de registro, frente aos reis, nobres, generais, políticos, que determinavam os “rumos” dos acontecimentos históricos.[6] Como vimos, essa situação somente é contornada com as novas reflexões da Escola dos Annales.

Dentre as novas fontes históricas reconhecidas pela Escola dos Annales, temos a história oral e as imagens, bem como os vestígios arqueológicos e outros vestígios históricos (cerâmica, cestaria, tecidos, etc). Todavia, o não reconhecimento destas fontes nos séculos XV e XVI – início da invasão e colonização da América pelos europeus –, foi um fator decisivo para que as centenas de etnias indígenas fossem consideradas “primitivas” e “inferiores” pelos “modernos” e “superiores” colonizadores.

  1. Os saberes não reconhecidos pelos analfabetos da invasão.

A oralidade, predominante em grande parte de etnias indígenas do continente americano não poderia competir com toda a burocracia transladada durante o processo de invasão e colonização. A palavra oral não possuía peso frente aos papéis, aos selos reais, aos livros, e todo um sistema burocrático. O sistema de escrita da sociedade maia foi desconsiderado. Os “desenhos” não significavam nada para os invasores europeus a não ser mensagens diabólicas. Muitos códices maias foram destruídos, sistematicamente. Os quipos utilizados no império inca eram inconcebíveis como um instrumento de contagem. A CalmécacMomachtique (Casa do Estudante) no império asteca, responsável pela formação de imperadores, sacerdotes, astrônomos, arquitetos, era incompatível perante o modelo de uma “verdadeira” universidade.[7]

Segundo Dussel,

Conta-se que “três tlamatinime de Ehécatl, de origem tezcocana, foram comidos pelos cães. Vieram apenas se entregar. Ninguém os obrigou. Vieram apenas trazer seus papeis com pinturas. Eram quatro, um fugiu; três foram atacados, lá em Coyoacan”. Somente hoje podemos imaginar a humilhação, a falta de respeito, a tragédia daqueles sábios que pretendiam entregar aos “invasores” – frequentemente analfabetos, homens brutais e incultos – a maior preciosidade de sua cultura, de sua visão mística da existência, como era sua tradição. Estas culturas não tiveram a vantagem da helenista ou romana, que o cristianismo “trabalhou” por dentro e, sem destruí-las, as transformou nas culturas das cristandades bizantina, copta, georgiana ou armênica, russa ou latino-germana desde o século IV d.C, as culturas ameríndias foram truncadas pela raiz.[8]

Todos os saberes dos povos indígenas – das centenas de etnias presentes no continente à época da invasão – foram desconsiderados pelos invasores europeus. É parte do processo de colonização do território e de suas sociedades, identificado como colonialidade do saber.[9]Segundo Catherine Walsh, a colonialidade do saber é:

(...) el posicionamiento del eurocentrismo como  la  perspectiva  única  del conocimiento,  la  que  descarta  la existencia  y viabilidad de otras racionalidades epistémicas y otros conocimientos que no sean los de los hombres blancos europeos o europeizados. Esta colonialidad del saber es particularmente evidente e nel sistema educativo (desde la escuela hasta la universidad) donde se eleva el conocimiento y La ciência europeos como el marco científico-académico-intelectual.[10]

Analisaremos agora, uma expressão oral da cultura guarani, constituída há séculos – ou milênios – e que foi sistematicamente anulada pelos europeus. Os guaranis viviam em uma grande região que hoje é delimitada por estados fronteiriços de quatro países (Sul e sudeste do Brasil, Uruguai, Paraguai e norte da Argentina), na densa floresta que cobria o território. Percorriam diversos “caminhos”, conhecidos como Peabiru, cujo nome quer dizer “caminho e grama amassada” é entendido como um conjunto de “caminhos” ou “trilhas” bastante extensos que existiram por muitos séculos em regiões de densa vegetação e utilizados por diversos povos.[11]

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