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A Comparação entre Inês de Castro e Concubina Yang Yuhuan: da História à Literatura

Por:   •  30/12/2017  •  Tese  •  2.710 Palavras (11 Páginas)  •  460 Visualizações

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A Comparação entre Inês de Castro e Concubina Yang Yuhuan: da História à Literatura

Qual é a figura mais parecida com Inês de Castro na realidade chinesa? Perante esta questão, o primeiro nome que surgiu na minha cabeça foi exatamente Concubina Yang, cujo nome próprio é Yang Yuhuan (literalmente significa bracelete de jade). Mesmo sendo duas mulheres que viviam em sociedades completamente distintas e até em dois períodos com a distância de 600 anos (D. Inês, 1320-1355; Concubina Yang, 719-756), constatamos que existem várias semelhanças entre as duas figuras, tanto nos registos históricos, como na reconstrução constantemente realizada pelas obras literárias. Portanto, este texto pretende abordar, nas perspectivas históricas e literárias, alguns aspetos semelhantes das duas personagens que respectivamente demonstram a sua relevância na história e na cultura dos seus países.

1. Contextos Históricos do Surgimento dos Mitos

Não é nada difícil encontrar as ligações intrínsecas entre D. Inês e Concubina Yang, pois estas são ambas vítimas do poder masculino numa sociedade patriarcal. Viviam as duas em períodos cheios de conflitos e ganharam o amor do homem mais poderoso, sendo o primeiro a causa das suas tragédias enquanto o último, consequentemente, a fonte inesgotável das inumeráveis obras literárias.

Pouco - ou quase nada - se sabe quanto à origem de D. Inês e de Concubina Yang porque a história foi sempre escrita com seu foco nos machos. Portanto, não se relata muito sobre esta parte da sua vida que não tem a ver com os grandes homens.

Para fazer uma comparação entre as duas personagens, cabe aqui relatar brevemente a história de Concubina Yang, já que a de Inês de Castro é bem conhecida em Portugal. Nobre Concubina Yang Yuhuan era a mulher com maior relevância entre as quatro belezas mais famosas na China antiga, assim como uma concubina imperial que ganhou mais afeto do seu imperador em dinastias feudais. No entanto, era difícil ser uma mulher na China antiga. Nem ser bonita ajuda muito, porque, como diz o ditado da China, "as belezas são normalmente infelizes, cujo destino será a morte prematura".

Tal como o caso de D. Inês e D. Pedro, o casamento de Concubina Yang e Imperador Xuanzong era, com efeito, desonroso e nunca foi aceitado pela aristocracia feudal. Historicamente, Yang Yuhuan foi, no início, a esposa do príncipe Shou, filho de Imperador Xuanzong. Seduzido pela sua beleza, Imperador Xuanzong queria tê-la como sua concubina. Era impensável, na China antiga com os seus estritos ideais confucianos quanto às relações familiares, que um sogro se casasse com a sua própria nora. Em outras palavras, era simplesmente um incesto. Todavia, cabe destacar que a Dinastia Tang era um período bastante tolerante e livre na história chinesa, sobretudo quando diz respeito à atitude para com as mulheres e com casamentos. Mais que isto, como não podia casar direta e abertamente com a sua nora, Imperador Xuanzong o fazia de uma maneira tortuosa. Ele primeiro fez Yang Yuhuan uma freira taoísta com o título de 'Tai Zhen' (Verdade Suprema). O seu "pretexto", era que ela tinha que rezar pelo luto da mãe do Imperador. Ao fazê-lo, ela foi considerada separada do seu ex-marido (o príncipe Shou). Logo, em 745, Imperador Xuanzong conferiu-lhe o título de Guifei (Primeira-dama ou Nobre Concubina), tornando-a na sua mulher mais favorita e mais nobre na corte (na altura a imperatriz já tinha falecido e daí o imperador nunca teve mais imperatriz). Tal como o que aconteceu centenas de vezes ao longo da história chinesa, o destino de toda a família tem sempre uma ligação estreita com o da concubina imperial. Consequentemente, os favores do imperador também se estenderam à Família Yang, que se tornou imediatamente numa das famílias mais poderosas e ricas na época. Especialmente, o seu primo Yang Zhao, uma pessoa perversa e que fez muitos inimigos dentro e fora da corte, foi dado o nome de "Guo Zhong" (Leal à Nação) e mais tarde foi nomeado o primeiro-ministro. A Família Yang desfrutou de tal favor, na medida em que as pessoas começaram a pensar que ter uma filha era muito melhor do que ter um filho (nota: na China antiga, o nascimento de uma filha normalmente foi menos bem-vindo do que o de um filho). No entanto, eles tornaram-se tão insuportavelmente ricos e poderosos que, apesar de terem muitos aduladores, tinham também muito mais inimigos na corte, o que explicará provavelmente a queda da Família e da morte de Concubina Yang.

Imperador Xuanzong era tão apaixonado com Concubina Yang que estava inconsciente da guerra civil que rebentou nas fronteiras. Na primeira década do século VI, o governo Tang estabeleceu muitas fortalezas nas fronteiras nortes e conferiu o título de Jiedushi (governador militar) aos seus líderes principais. Em 755, um Jiedushi chamado An Lushan tornou-se tão poderoso que começou a desafiar a soberania do imperador. Ele liderou uma rebelião sob a bandeira de acabar com a corrupção do primeiro-ministro Yang Guozhong, primo de Concubina Yang. A Rebelião Anshi veio a marcar a queda definitiva da gloriosa Dinastia Tang. Quando o exército rebelde marchou em direção a Chang'an, a capital, Imperador Xuanzong teve que fugir com os seus cortesãos, incluindo Concubina Yang e o primo Yang Guozhong, escoltados pelo exército imperial. Quando chegaram a uma aldeia chamada Ladeira Mawei, os guardas imperiais não foram alimentados e recusaram-se a seguir em frente, cansados e irritados. Eles exigiram que os Yangs fossem executados porque culpavam a rebelião ao Yang Guozhong e ao resto de sua família. Tendo eliminado Yang Guozhong e os seus familiares, os soldados então cercaram o pavilhão do imperador e recusaram-se a sair, mesmo quando o imperador saiu para confortá-los e pedir-lhes para se dispersarem. Finalmente, o imperador não teve outras opções senão ceder à sua demanda, mesmo sabendo bem que ela só se tratava do bode expiatório da sua família. Afinal, a sua própria vida e o destino da dinastia eram muito mais importantes do que a vida duma mulher. Assim, a grande beleza foi estrangulada até a morte por um eunuco, Gao Lishi, num santuário budista. De acordo com o poema Trovas à Dor Eterna, as jóias preciosas de cabelo estavam espalhadas por todo o chão enquanto ela estava a ser estrangulada. O imperador cobriu o seu rosto com as duas mãos, mal capaz de a ver. Concubina Yang foi enterrada na Ladeira Mawei, sem um caixão, o que era bastante miserável e indecente para uma concubina imperial.

Agora voltemos à comparação entre as duas personagens históricas. Observando tudo o que acima se relata, é preciso ter em conta que a história é feita de muitos silêncios e não é tão objetiva quanto parece. Ou seja, só sabemos do passado aquilo que está escrito ou o que os cronistas permitem conhecer. Foi deste modo que a história se tornou em mistérios e mitos. Na minha opinião, a complexidade das suas histórias baseia-se nos dois aspetos seguintes:

Primeiro, sendo a mulher mais amada do rei/imperador, elas nunca chegaram a ser rainha/imperatriz. Acima de tudo, são as famílias poderosas atrás delas e os interesses estatais que estão em jogo. Se D. Inês foi expulsada da corte por ter filhos cuja existência pôs em causa a segurança de D. Fernando e do Estado, Concubina Yang nunca chegou a ser imperatriz provavelmente por não ter filhos. Ao longo da história chinesa, quase não há imperatriz sem filho (nem adoptado) por motivo de manter a estabilidade do poder imperial. Quer dizer, cabe ao imperador garantir que a imperatriz e a sua família não vão constituir ameaças potenciais para o futuro herdeiro da coroa. Se bem que a amasse tanto, o imperador nunca iria correr o risco de deixar a Família Yang controlar a corte após a sua morte. Mais que isto, os dois casamentos eram considerados desonrosos e incestos, e muitas vezes as restrições sociais pesam ainda mais do que o poder real/imperial.

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