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A Dimensão Ontológica da Mulher em Niketche de Paulina Chiziane

Por:   •  12/8/2018  •  Artigo  •  3.027 Palavras (13 Páginas)  •  226 Visualizações

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A Dimensão ontológica da Mulher em Nikethe, Uma História de Poligamia de Paulina Chiziane

Por: Timóteo José Carlos[1]

Resumo

As discriminações sociais baseadas nas diferenças biológicas e socio ˗ culturais caracterizaram o mundo desde outrora, como consequência disso, a luta contra essas práticas destrutoras das sociedades foi vista como o mecanismo de inversão do fenómeno, embora se efectivasse sob diversas formas. Niketche, uma história de poligamia, de Paulina Chiziane, constitui uma dessas lutas que não se reduz apenas à reivindicação pela igualdade de direitos entre homens e mulheres como também se revela como um palco onde desfilam actores da formação e transformação da sociedade como um todo. É inegável afirmar que o foco da luta descrita nessa obra é a emancipação da mulher, mas há elementos centrais à abordagem que espelham de forma inequívoca o convite a introspecção. A nosso ver, Niketche é uma dança plural dessa “formação e transformaçãoˮ.

Palavras-chave: Identidade feminina, igualdade, diferença, auto ˗ afirmação da mulher.

Breve introdução

Não é por acaso que a obra Niketche de Paulina Chiziane tem arrastado milhares de admiradores e críticos literários, a sua abordagem que oscila entre o lírico e o dramático, o seu conteúdo que antagonicamente liga a luta e a negociação para além da seu carácter peculiar de se situar entre o tradicional e o moderno consubstanciam essa força de atracção. Estas curvas metafóricas da ligação do simbólico ao real numa constante procura do “euˮ enquanto parte de um grupo e a preocupação por todos enquanto constituintes de uma sociedade tornam-se elemento fortes da nossa existência, facto que nos leva a reflectir sobre esta obra, no que diz respeito a condição da mulher no drama do ser humano e o dilema de reconstruir ou reconquistar a sua identidade.

As personagens do Niketche: o perfil e o discurso face à identidade feminina

O poder feminino em Niketche constrói-se a partir da fragilidade mítica e cultural que as personagens representam, num universo pluricultural. Uma desconstrução precisa do mito e dos preconceitos impostos pela hegemonia do poder o homem. Os discursos das personagens dramatizam a condição social e circulam em torno de uma mediatriz que subdivide o cultural discriminatório do cultural necessário (legal), ou seja, entre aquilo que se acredita que a natureza impos mas prejudica e aquilo que a cultura reserva do bom. Esses discursos não se destinam a negar a cultura mas sim a repensar na melhor forma de restruturar.

De uma forma irónica as personagens começam a apresentar a sua condição social que começa com as lamentações e aflição da Rami pela ausência do marido, seu protector, por causa da quebra do vidro pelo seu filho, Betinho. Nela, outras personagens apresentam casos similares de sofrimento pela ausência do marido, como se pode ler:

˗Esta falta de ordem é falta de homem nesta casa ˗desabafo ˗ O Tony é culpado de tudo isto. Sempre ausente […].

˗Não és a única, Rami. O meu marido, por exemplo ˗ diz uma vizinha ˗ largou-me faz anos e correu atrás de uma menininha de catorze anos, para começar tudo de novo. Um velho que se tornou criança.

˗ O meu tem aquelas concubinas que conheces, com filhos e tudo ˗ diz outra. Pensas que me ralo? Chiziane (2012:12)

A pergunta que encerra as lamentações nesta primeira conversa exprime indiretamente a desconstrução de preconceitos e mitos que colocam em causa a liberdade da mulher. Para além de elucidar a dependência da mulher, esta conversa vem claramente convidar a própria mulher a reflectir sobre a sua condição e encontrar soluções próprias, justas e que observa valores éticos. Note-se, ainda, que a pergunta retórica do excerto acima se traduz num convite a introspecção diante dessa dependência que a mulher está sujeita, expressa na epígrafe da obra: Mulher é terra. Sem, semear, sem regar, nada produz. Esta epígrafe introduz ironicamente a construção da nova identidade aliás funciona como um elemento central à reafirmação da mulher.

Seguidamente, observamos discursos da personagem/narradora que apresentam a deslealdade, a falta de compromisso e a insensatez do homem diante da sua companheira, uma denúncia de injustiça. Na sequência dessas injustiças a personagem protagonista, num discurso quase monólogo diante de um espelho, elemento simbólico que julga ser sua confidente, nos problemas da sua vida, desencadeia um discurso paradoxal, de conflito interno, por falta de amor de que a deve, pela mocidade perdida e não reconhecida pelo quem a fez perder e pelo peso de consciência de não poder escolher a pessoa certa e diante disso, longe de se vingar como tantos outros problemas são resolvidos decide perguntar o seu lado errado ao espelho ˗ introspecção. Este elemento simbólico representa o seu interior, seu coração, um exame de consciência.

Não consigo aceitar a ideia de ser rejeitada. Eu, Rami, mulher bela. Eu mulher inteligente. Fui amada. Disputada por vários jovens do meu tempo. Causei paixões incendiárias. De todos que me pretenderam escolhi o Tony o pior de todos, que na altura julgava ser o melhor. […]

Ninguém pode entender os homens. Como é que Tony me despreza assim, se não tenho nada de errado em mim? Obedecer, sempre obedeci. As suas vontades sempre fiz. Dele sempre cuidei. Até as loucuras suportei. […] Fiz dele o homem que é. Dei-lhe amor, dei-lhe filhos com que ele se afirmou nesta vida. Sacrifiquei os meus sonhos pelos sonhos dele. (CHIZIANE, 2012:14)

Apesar destas injustiças que a personagem denuncia não retribui por uma guerra expressa mas por uma reconstrução do “euˮ que é feito através da consulta interior representada pelo espelho, um elemento que representa o ser na sua outra dimensão (a imagem é o outro lado do ser). Se tivermos em conta estas constatações, dependência da mulher, sofrimento perpetrado pelo seu parceiro/companheiro e a capacidade de rever a vida através da introspecção permitem-nos afirmar que Niketche promove a construção da identidade feminina que estava adormecida sob olhar sereno do homem por meio de dois discursos: 

I.        O discurso de denúncia de injustiças e de chamada de atenção para uma introspeção.

II.        O discurso de renovação da imagem da mulher através do seu empenho nas diversas dimensões, fruto dessa introspeção.

Ou seja, os discursos aqui veiculados estão virados a construção de uma identidade que não seja necessariamente nova, mas uma conjugação entre o tradicional, cultural e o moderno. Uma identidade que reconstrói a mulher dentro de paradigmas universais, mas que respeita a cultura, uma identidade que reedifica os mitos e une a diversidade cultural. Uma transformação contínua que se ajusta as novas realidades. A introspecção, aqui apresentada, representa as novas atitudes que a mulher deve assumir para sua autoafirmação, conforme aponta Campos:

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