A Tragédia Silenciosa e Atemporal de Clara dos Anjos
Por: dam3 • 8/8/2025 • Artigo • 383 Palavras (2 Páginas) • 18 Visualizações
Resenha Crítica : Clara dos Anjos de Lima Barreto
A Tragédia Silenciosa e Atemporal de Clara dos Anjos
Em “Clara dos Anjos”, o escritor Lima Barreto nos entrega um romance de profunda densidade social, que transcende o tempo ao expor as feridas abertas de uma sociedade marcada pelo racismo, machismo e preconceito de classe. Publicado postumamente em 1948, o romance é uma obra-prima que, embora escrita no início do século XX, ressoa com uma inquietante atualidade, convidando o leitor a uma reflexão sobre as injustiças que persistem até hoje.
A narrativa gira em torno da jovem Clara dos Anjos, uma moça negra, ingênua e de origem humilde, que vive no subúrbio do Rio de Janeiro. Sua vida pacata é abalada pela paixão por Cassi Jones de Azevedo, um sedutor de classe média, branco e de reputação questionável. Cassi, conhecido por enganar moças pobres e abandoná-las após engravidá-las, representa o arquétipo do “malandro” que, protegido por sua posição social e pela cor de sua pele, age com impunidade.
Lima Barreto, com sua prosa afiada e direta, utiliza a trajetória de Clara para denunciar a cruel realidade de uma sociedade que oprimia duplamente: pela cor da pele e pela condição social. A tragédia da protagonista não é apenas pessoal, mas coletiva. Ela se torna o símbolo de todas as mulheres que, como ela, foram vítimas de uma estrutura social que lhes negava o direito de sonhar e de ter uma vida digna. A submissão de Clara é moldada pelo silêncio, pelo conformismo e pela ausência de voz. Sua jornada é uma descida dolorosa, onde a esperança é gradualmente substituída pela desilusão, até a amarga constatação final.
A força do romance reside na habilidade do autor em construir um retrato fiel e comovente da vida suburbana, com seus personagens e conflitos cotidianos. A linguagem de Lima Barreto é visceral, capturando as nuances dos diálogos e das relações humanas. No final, o romance nos deixa com um sentimento de angústia e indignação. A frase final, proferida por Clara – “Eu não sou nada nesta vida” – é um soco no estômago, um lamento que ecoa e questiona: será que a sociedade evoluiu o suficiente para que nenhuma outra “Clara dos Anjos” precise repetir essas palavras? Uma leitura essencial para quem busca entender a complexa formação social e as cicatrizes históricas do Brasil.
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