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Corpos Autistas

Por:   •  10/12/2015  •  Trabalho acadêmico  •  1.576 Palavras (7 Páginas)  •  198 Visualizações

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Corpos autistas

O autismo pode ser definido por uma grande dificuldade de interação social, distúrbios da linguagem e movimentos repetitivos com o corpo. É facilmente percebido durante os primeiros anos de vida e causa desordem e angústia familiar, visto que a criança idealizada pelos pais “morre” e se estabelece uma nova concepção de vida nesta família. Existem vários graus de comprometimento no autismo, que pode ter uma manifestação leve, passando pela moderada, até a mais severa. Identificamos autistas com grande potencial intelectual, fala coordenada, mas incapazes de manter contato visual, tátil ou social; bem como outros indivíduos que são completamente indiferentes ao outro e ao próprio corpo. De todas as escalas de comprometimento que podemos apontar, é muito clara a dificuldade de todos os sujeitos acometidos pelo autismo, em lidar com o corpo.

Por bastante tempo, prevaleceu a idéia de que pessoas com autismo seriam alheias ao mundo ao seu redor, não tolerando contato físico, não fixando olhar nas pessoas e interessando-se mais por objetos do que por outras pessoas; além disso, não discriminariam seus pais de qualquer estranho na rua. O que difundiu-se pela literatura e mídia sobre o autismo, foi uma figura de gênio disfarçado, engajado em balanços do corpo e agitação repetitiva dos braços, criando assim um esteriótipo, uma figura caricata; mas estudos posteriores vieram comprovar o que os profissionais envolvidos com estas crianças já sabiam: nem todos os autistas mostram aversão ao toque ou buscam o isolamento. Alguns, ao contrário, podem buscar o contato físico, inclusive de uma forma exagerada, mostrando atitudes “pegajosas”, segundo pais e professores. Também existem evidências de que crianças com autismo desenvolvem comportamentos de apego em relação aos pais (mostram-se angustiados quando separados deles, buscam sua atenção quando machucados, aproximam-se deles em situação de perigo), de uma forma diferenciada.

Se buscarmos por informações desde os primeiros momentos de vida da criança, já identificamos falhas na interação mãe-bebê que podem ser bem explíctas ou mais amenas. No próprio ato de amamentar, a criança não estabelece um contato visual com a mãe, e não consegue identificá-la como fonte de carinho e cuidado, pois não distingue seu corpo do dela, é como se tudo fizesse parte de um mesmo corpo. Ao toque, assume postura de rigidez corpórea e dificilmente choram para demonstrar necessidade de afago. Os cuidados e as atenções da mãe em relação a seu filho, referem-se essencialmente ao corpo, suas funções, seu funcionamento. Os discursos que ela formula em relação a ele inscrevem em toda uma rede simbólica de significantes a imagem do próprio corpo, que essa criança é levada progressivamente a se constituir. O corpo, para a psicanálise, não se constitui sem imagem. A imagem da identificação não é o reflexo da criança no espelho, mas a do seu semelhante. Sua identidade nunca deixará de ser algo que lhe vem do exterior, daí Lacan afirmar que é sempre difícil distinguir a identidade do sujeito da identidade do Outro. A relação do sujeito com sua imagem é, certamente, estabelecida pelos significantes, na medida em que esta imagem lhe vem originalmente de fora, a partir da intervenção do Outro como matriz simbólica. No autismo essa imagem não se constrói, o que faz com que o especular compareça na forma de duplo.

Segundo Franco Boscaini (1985), “o corpo é a síntese dos modos de ser do indivíduo... o corpo é matéria, mas também é psique, emoções, linguagem, história, presente, passado e futuro”. O autista não tem a noção da totalidade do seu corpo, ele lhe parece fragmentado, o que torna difícil a integração do esquema corporal e, conseqüentemente, a estruturação da imagem do corpo. No momento em que existem gestos não investidos, tendo uma relação de exclusão com a linguagem, um corpo apenas objeto, pura carne, sem nenhuma representação, sendo puro real que está a serviço de alguma coisa, mas que não se conhece, se ele não possui seu próprio esquema, trata-se de um corpo que não pode ser bem vivido e que não pode ser operacional. O esquema corporal é a percepção geral e diferenciada que se tem do corpo, percepção esta que, segundo Boscaini, seria fruto das informações sensoriais, exteroceptivas e, sobretudo, proprioceptivas, integradas ao nível do córtex cerebral, originadas tanto por uma atividade estática como por uma cinética ou mesmo tônica.  

Os seres humanos, ao serem captados pela linguagem diferenciam-se do reino animal, deixam de ser puro corpo e, pelo ingresso ao universo simbólico, podem se apropriar dele e, portanto, ser sujeito com um corpo. Para os autistas, tanto o corpo quanto as posturas, o tônus muscular, os movimentos, o silêncio, o espaço e o tempo, estão numa relação de exclusão à linguagem. Não fazem superfície, não fazem borda.

Ferreira e Thompson (2002) informam que o autista apresenta dificuldade de compreender seu corpo em sua globalidade, em segmentos, assim como seu corpo em movimento. Quando partes do corpo não são percebidas e as funções de cada uma são ignoradas, pode-se observar movimentos, ações e gestos pouco adaptados, que são denominados movimentos autísticos e não são direcionados para nada ou ninguém. O distúrbio na estruturação do esquema corporal prejudica também o desenvolvimento do equilíbrio estático, da lateralidade, da noção de reversibilidade, que são funções de base necessárias à aquisição da autonomia e aprendizagens cognitivas.

Encontramos ainda, profissionas na área de educação de crianças autistas que tem ignorado enormemente os problemas sensoriais e favorecido a teoria comportamental. Segundo Ferreira (2000), as experiências motoras da criança são decisivas na elaboração progressiva das estruturas que aos poucos dão origem às formas superiores de raciocínio, isto é, em cada fase do desenvolvimento, ela consegue uma determinada organização mental que lhe permite lidar com o ambiente. Pode-se assim dizer que, em termos de evolução, a motricidade é uma condição de adaptação vital. Sua essência reside no fato de nela o pensamento poder se manifestar. Caso existam poucos elementos em seu campo de exploração, irá retardar e limitar a capacidade perceptiva da criança. O equilíbrio ou desequilíbrio do tônus muscular, suas variações ou seus bloqueios, irão traduzir a maneira de ser da criança, suas emoções, suas vivências psíquicas, além de participar também como elemento na comunicação não-verbal. É necessário pensar que ela é um organismo vivo, um ser desejante, atuante, emocional, inteligente. Não deve ser esquecido que também existem outros aspectos do desenvolvimento. A linguagem, sobretudo, é constituinte do sujeito, sendo base para a estruturação psíquica, cognitiva e também psicomotora. Ao falar de corpo, o objetivo é ajudar a pessoa autista a superar algumas de suas dificuldades, permitindo seu desenvolvimento em outros planos, oferecendo novos meios de expressão, favorecendo a conscientização, possibilitando o acesso a funções importantes como o olhar e o tocar, buscando melhorar sua qualidade de vida.

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