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Por:   •  1/11/2013  •  2.684 Palavras (11 Páginas)  •  344 Visualizações

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§ 01/33. A concepção do estádio do espelho que introduzi em nosso último congresso, há treze anos, não me pareceu indigna, por ter-se tornado mais ou menos de uso comum no grupo francês, de ser novamente trazida à atenção de vocês: hoje, em especial, no que tange aos esclarecimentos que ela fornece sobre a função do [eu] na experiência que dele nos dá a psicanálise. Experiência sobre a qual convém dizer que nos opõe a qualquer filosofia diretamente oriunda do Cogito.

§ 02/33. Talvez haja entre vocês quem se lembre do aspecto comportamental de que partimos, esclarecido por um fato da psicologia comparada: o filhote do homem, numa idade em que, por curto espaço de tempo, mas ainda assim por algum tempo, é superado em inteligência instrumental pelo chimpanzé, já reconhece não obstante como tal sua imagem no espelho. Reconhecimento que é assinalado pela inspiradora mímica do Aha-Erlebnis, onde se exprime, para Köhler, a apercepção situacional, tempo essencial do ato de inteligência.

§ 03/33. Esse ato, com efeito, longe de se esgotar, como no caso do macaco, no controle - uma vez adquirido - da inanidade da imagem , logo repercute, na criança, uma série de gestos em que ela experimenta ludicamente a relação dos movimentos assum[96]idos pela imagem com seu meio refletido, e desse complexo virtual com a realidade que ele reduplica, isto é, com seu próprio corpo e com as pessoas, ou seja, os objetos que estejam em suas imediações.

§ 04/33. Esse acontecimento pode produzir-se, como sabemos, desde Baldwin, a partir da idade de seis meses, e sua repetição muitas vezes deteve nossa meditação ante o espetáculo cativante de um bebê que, diante do espelho, ainda sem ter o controle da marcha ou sequer da postura ereta, mas totalmente estreitado por algum suporte humano ou artificial (o que chamamos, na França, um trotte-bébé [um andador]), supera, numa azáfama jubilatória, os entraves desse apoio, para sustentar sua postura numa posição mais ou menos inclinada e resgatar, para fixá-lo, um aspecto instantâneo da imagem.

§ 05/33. Essa atividade conserva para nós, até os dezoito meses de idade, o sentido que lhe conferimos - e que é não menos revelador de um dinamismo libidinal, até então problemático, que de uma estrutura ontológica do mundo humano que se insere em nossas reflexões sobre o conhecimento paranóico.

§ 06/33. Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem - cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago.

§ 07/33. A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o filhote do homem nesse estágio deinfans parecer-nos-á pois manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o [eu] se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito.

§ 08/33. Essa forma, aliás, mais deveria ser designada por [eu]-ideal(02), se quiséssemos reintroduzi-la num registro conhecido, no sentido [97] em que ela será também a origem das identificações secundárias, cujas funções reconhecemos pela expressão funções de normalização libidinal. Mas o ponto importante é que essa forma situa a instância do eu, desde antes de sua determinação social, numa linha de ficção, para sempre irredutível para o indivíduo isolado - ou melhor, que só se unirá assintoticamente ao devir do sujeito, qualquer que seja o sucesso das sínteses dialéticas pelas quais ele tenha que resolver, na condição de [eu], sua discordância de sua própria realidade.

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02: Deixamos em sua singularidade a tradução que adotamos neste artigo para o Ideal Ich de Freud, sem lhe dar maiores motivos, acrescentando que não a mantivemos desde então.

*. Número da página que aqui termina na ed. Jorge Zahar;

§ 09/33. Pois a forma total do corpo pela qual o sujeito antecipa numa miragem a maturação de sua potência só lhe é dada como Gestalt, isto é, numa exterioridade em que decerto essa forma é mais constituinte do que constituída, mas em que , acima de tudo, ela lhe aparece num relevo de estrutura que a congela e numa simetria que a inverte, em oposição á turbulência de movimentos com que ele experimenta animá-la. Assim, essa Gestalt, cuja pregnância deve ser considerada como ligada á espécie, embora seu estilo motor seja ainda irreconhecível, simboliza, por esses dois aspectos de seu surgimento, a permanência mental do [eu] à estátua em que o homem se projeta e aos fantasmas que o dominam, ao autômato, enfim, no qual tende a se consumar, numa relação ambígua, o mundo de sua fabricação.

§ 10/33. Com efeito, para as imagos - cujos rostos velados é nosso privilégio ver perfilarem-se em nossa experiência cotidiana e na penumbra da eficácia simbólica(03) -, a imagem especular parece ser o limiar do mundo visível, a nos fiarmos na disposição especular apresentada na alucinação e no sonho pela imago do corpo próprio, quer se trate de seus traços individuais, quer de suas faltas de firmeza ou suas projeções objetais, ou ao observarmos o papel do aparelho especular nas aparições do duplo em que se manifestam realidades psíquicas de outro modo heterogêneas. [98]

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*03: Lévy-Strauss, "L’éfficacité symbolice", Revue d'Historie des Religions, janeiro-março, 1949 ["A eficácia simbólica", in C. Lévi-Straus, Antropologia estrutural, Rio de janeiro, Tempo Universitário, 1975, cap. X.]

§ 11/33. Que uma Gestalt seja capaz de efeitos formadores sobre o organismo é atestado por um experimento biológico, ele próprio tão alheio à idéia de causalidade psíquica que não consegue resolver-se a formulá-la como tal. Nem por isso ele deixa de reconhecer que a maturação da gônada na pomba tem como condição necessária a visão de um congênere, não importa qual sexo - e uma condição tão suficiente que seu efeito é obtido pela simples colocação do indivíduo ao alcance do campo de reflexão de um espelho. Do mesmo modo, no gafanhoto migratório, a transição da forma solitária para a forma gregária, numa linhagem, é obtida ao se expor o indivíduo, numa certa etapa, á ação exclusivamente visual de uma imagem similar, desde que ela seja animada por movimentos de ume estilo suficientemente próximo dos que são próprios à sua espécie. São fatos que se inscrevem numa ordem de identificação

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