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A Aplicação do princípio da insignificância nos crimes de peculato e descaminho

Por:   •  9/5/2018  •  Artigo  •  40.892 Palavras (164 Páginas)  •  219 Visualizações

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A aplicação do princípio da insignificância nos crimes de peculato e descaminho

Autor: Stephan Gomes Mendonça

  • Boletim IBCCrim - 253 - Dezembro/2013

Segundo Maurício Antônio Ribeiro Lopes, o princípio da insignificância decorre da concepção utilitarista que se vislumbra modernamente nas estruturas típicas do Direito Penal que fez nascer a ideia da indispensabilidade da gravidade do resultado concretamente obtido ou que se pretendia alcançar.(1) Em sua visão – e da maior parte da doutrina – o Estado de Direito demanda a intervenção mínima do Direito Penal, exigindo, dessa forma, mínima ofensividade ao bem tutelado.

Assim sendo, aplicando-se o princípio em análise, restaria atípica a conduta, tendo em vista a ínfima lesão ao bem jurídico tutelado.(2)

Contudo, em que pese tal posicionamento, divergem o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça quanto à aplicação do princípio da insignificância no crime de peculato por conta do que a doutrina convencionou chamar de crime complexo.

Crime complexo, grosso modo, é aquele que ofende mais de um bem jurídico penalmente tutelado. No caso do peculato, o patrimônio e a moralidade pública.(2)

Nesse sentido, defende o Superior Tribunal de Justiça que não se aplica o princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfimo, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas principalmente a moral administrativa.(3)

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, entende possível a aplicação do referido princípio, não levando em consideração a ofensa da conduta à moralidade administrativa como óbice para o reconhecimento do crime de bagatela.

No julgamento do HC 112.388/SP, da lavra do eminente Ministro Cezar Peluso (vencido o relator Ministro Ricardo Lewandowski), restou assente que é possível a aplicação da insignificância, desde que o delito satisfaça de forma concomitante, certos requisitos, quais sejam, a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva.(4)

Com efeito, com essa atitude, o Supremo prestigia os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, desfigurando a tipicidade material do crime em exame.

Noutro giro, no que tange à aplicação da insignificância no crime de descaminho, os Tribunais Superiores se mostram em absoluta sintonia, porquanto ambos admitem a aplicação do princípio desde que o valor sonegado seja inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com redação dada pela Lei 11.033/2004.(5)

O artigo supramencionado determina o arquivamento de execuções fiscais de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Ora, se a União abre mão de receber valores inferiores ao referido montante, torna-se injustificável acionar o Estado-juiz, na esfera penal, para eventual aplicação de sanções muito mais severas.(6)

Vale destacar que a Portaria do Ministério da Fazenda 49, de 1.º de abril de 2004 (que previa o não ajuizamento de execuções fiscais de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00), foi revogada.

Em 22 de março de 2012, entrou em vigência a Portaria MF 75, que prevê em seu art. 1.º o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Diante dessa alteração, é certo que haverá nova argumentação perante os Tribunais para que o princípio da insignificância seja aplicado no delito de descaminho quando o valor do débito não ultrapasse esse montante.

Até o momento, no entanto, a alteração legislativa não chegou à análise dos Tribunais Superiores relativamente ao crime de descaminho. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já discutiu em alguns julgados a alteração do patamar de 10 mil para 20 mil reais em relação ao crime de contrabando, oportunidade em que se vetou a aplicação do princípio da insignificância, sob a justificativa de que aludido delito lesa o erário público e tem como elementar do tipo penal a importação de mercadoria proibida.(7)

De mais a mais, ambas as Cortes Superiores ainda entendem que a reiteração delitiva e os indícios de habitualidade impedem a aplicação do princípio, uma vez que revelam o alto grau de reprovabilidade do comportamento do agente.(8)

Destarte, vê-se que pouco a pouco (bem devagar, é verdade) a jurisprudência caminha para homenagear o Estado Democrático de Direito, afastando da tutela jurisdicional-penal os crimes sem uso de violência que apresentam mínima ofensa ao bem jurídico tutelado.

Notas

(1) Lopes, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal:análise à luz da Lei 9.099/95 – Juizados Especiais Criminais e da Jurisprudência atual. São Paulo: RT, 1997. p. 33.

(2) Sobre crime complexo, leia-se Ranieri, Silvio. O crime complexo. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

(3) STJ, AgRg no REsp 1.275.835/SC, 5.ª T., rel. Min. Adilson Vieira Macabu, DJE01.02.2012. Ver também: HC 109.639/SP e HC 165.725/SP.

(4) STF, HC 112.388/SP, 2.a T., rel. Min. Ricardo Lewandowski – redator do acórdão Min. Cezar Peluso, DJE 14.09.2012. No mesmo sentido: HC 107.638/PE,HC 104.286/SP e HC 87.478-9/PA.

(5) STF, HC 112.772/SP, 2.a T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 24.09.2012. Ver também AgRg no REsp 1.181.243/PR.

(6) NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: RT, 2010. p. 172.

(7) STJ, AgRg no REsp 1.366.118/PR, 5.ª T., rel. Min. Campos Marques (Desembargador convocado do TJPR). Ver também: AgRg no REsp 1.354.522/MT e AgRg no REsp 1.350.190/SP.

(8) Nesse sentido: HC 115.514/RS, HC 114.548/PR, HC112.597/PR, AgRg no REsp 1.119.918 e AgRG no Agravo em REsp 288.075/RS.

Stephan Gomes Mendonça
Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Pós-graduando em Teoria Geral do Crime, IBCCRIM-COIMBRA.
Advogado.

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