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As Teorias sociais da posse

Por:   •  16/10/2018  •  Bibliografia  •  5.721 Palavras (23 Páginas)  •  254 Visualizações

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3.2 Teorias sociais da posse

De uma forma ou outra, seja pela noção de corpus, de domínio, ou ainda pelo animus domini, seja pela fala de Ihering ou da de Savigny, o que se enunciava sobre a posse, nas relações interpessoais, provinha estritamente do direito privado e teve como  foco  a  defesa  do  patrimônio  ou  do  status  quo  individual.

Na  utilização  da coisa,  mesmo  que  de  forma  econômica,  ou  seja,  a  retirar-lhe  imediatamente  a utilidade  ou  frutos  mediados,  apresentava-se  a  posse,  com  extremo  vigor,  no ordenamento privado, e para deleite de seu titular.

A posse teria natureza jurídica mista, ora como fato jurídico, ora como direito subjetivo.

Todavia,  esse  uso  individual,  além  de  interessar  diretamente  ao  titular  da riqueza,  penetra  na  conveniência  do  coletivo.  Os  modernos  Savigny  e  Ihering, mesmo tendo bebido da teoria kantiana, dela se afastaram a partir do momento em que deixaram de considerar a posse como união de vontades; do titular e do alter.

Exemplo disso se verifica quanto à indústria, porque passa a interessar a toda sociedade  a forma  como  ela  se  vale  de  seus  bens,  na  transformação  da  matéria prima em produto ou fruto acabado, e o que é feito com os resíduos desse processo.

Interessa ao coletivo, de outro lado, a forma do condutor  dirigir o  veículo nas vias e logradouros  públicos.  É  relevante  à  sociedade  a  preservação  do  meio  ambiente quando  presente  a  exploração  econômica  da  terra,  dos  rios  e  oceanos,  e  assim também o é com relação às relações de emprego nas fazendas. Merece destaque o destino  que  o  possuidor  de  bens  móveis  consumíveis,  após  consumi-lo,  dá  ao resíduo  que  geralmente  abandona  em  locais  impróprios,  que  em  momentos  de acirrada  chuva  faz  entupir  os  dutos  e  canais  de  coleta  de  água  e  esgoto  nas cidades.

Assim, toda a gama de relações possíveis, todo o horizonte de possibilidades que se refere à posse deve  percorrer sendas para  além dos enunciados jusprivados de  fito  moderno,  porque  a  forma  como  se  exercita  a  posse  alcança  a  toda sociedade. Na posse, o uso e gozo privados são, em si, usos que se dão, ou tocam, no ambiente público. Isso sempre foi assim, porém o civilista pareceu  se esquecer de  que se  situa  ínsito a um ordenamento jurídico  único,  sistêmico e complementar, onde as disposições do direito privado têm seu papel ordenador, mas que há outros influxos normativos que também incidem sobre as relações com as coisas,  ou sobre a coisa mesma, seja do possuidor para o alter, seja do alter para o possuidor.

Isso não é novidade advinda com o estatuir do Estado democrático de  direito.

Roma conheceu as servidões, o direito lusitano as sesmarias, o direito brasileiro as relações  entre  vizinhos.  Tudo  quanto  se  mostra  desses  institutos  se  dá  no  palco social,  no  mundo  intersubjetivo,  seja  ele  formalizado  ou  não  em  direito  real  sobre coisa alheia. Não se exercita a posse, seja ela baseada em Savigny  ou  Ihering, sem que, em algum momento desse exercício, o coletivo seja aí incluído. Kant percebera isso.

O  poder  fático  sobre  a  coisa  móvel  ou  imóvel  que  os  romanistas preconizavam  hodiernamente se verifica como faticidade, como  fenômenos,  fatos e atos humanos que provocam o Jurídico e assim produzem diversos efeitos, públicos (administrativos) e privados. A posse civil é, antes de tudo, um instituto civilizador.

Autores  então, verificando que a posse ocorre também no palco do social  e nele  produz  efeitos  jurídicos,  procuraram  expor  suas  teorias  sociais  ou  ainda econômicas da posse. De certo nada inventaram ou inovaram. Apenas verificaram que o fenômeno posse extrapola os limites da relação de domínio prático sobre a coisa e também a relação jurídica estabelecida  diretamente  entre os indivíduos que a circulam.

Alterou-se,  contudo,  o  foco  justificador  e  funcional  da  posse.  De  guarida  e corolário  de  propriedade,  de  instrumento  e  instrumentalização  de  sua  defesa,  a posse  passa  a  ser  encarada  por  si  mesma  e  com  a  preocupação  de  sua fundamentação  e  real  função  social,  despregada  da  relação  dominial.  A  evolução inicial se deu de forma tímida, obtendo maior expressão em Hernandes Gil.  

Nesse sentido Perozzi, Barassi, e Saleilles, além de Hernandes Gil apostaram suas contribuições para a posse individual no ambiente coletivo, na medida em que o  próprio  Estado  de  matriz  liberal  transmutava-se  para  garantir  a  permanência  do modelo  capitalista,  através  da  ideia  de  se  entregar  bem  estar  social  às  camadas hipossuficientes da população.

3.2.1 Silvio Perozzi

Em  Perozzi,  a  posse  é  fenômeno  social  de  origem  consuetudinária,  um legado dos homens em certo grau de civilização , disse Gil (1.969). Tem, portanto, origem pré-estatal  e  está  a  guisa  dos costumes e mesmo  a  vontade do Estado em nada intervém para sua construção. Ela se mostra, assim, como relação ético-social (ético-cultural)  que  toma  parte  na  moralidade  social.  No  mesmo  sentido,  Toledo (2.006, p. 37).

Isto porque o possuidor, ao exprimir a vontade de possuir a coisa e mantendo sobre ela a plena disposição de fato, estaria, em verdade, revelando a abstenção de toda  a  sociedade  que  se  mantém  inerte  e  afastada,  num  tom  de  respeito,  quanto àquela relação possessória. Essa seria  o principal foco de  sua concepção social da posse, ou seja, a posse de um  advém  do respeito e reconhecimento da sociedade; não de um complexo normativo e positivado.

Todavia,  por  mais  que  tente  se  afastar  dos  seus  predecessores  Savigny  e Ihering, não o concebe, de todo. O que ele fala a sustentar a posse, ou seja, sua força  erga  omnes,  ou  o  reconhecimento do  alter  que  a  relação  possessória  se  dá com  o  caráter  da  exclusividade,  pertence  de  todo,  ao  conceito  de  propriedade privada (direito de sequela) desde sua origem greco-romana.

Possivelmente  esse  querer  dispor  exclusivo  da  coisa,  com  a  abstenção espontânea dos demais, em que finca Perozzi a  essência da posse,  é no fundo uma evocação  –  por outra via ou com outras palavras  –  do domínio.

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