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Constitucional

Por:   •  1/12/2015  •  Artigo  •  7.959 Palavras (32 Páginas)  •  135 Visualizações

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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL

CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETO

Professor de Direito Constitucional da UFF e da UGF. Mestrado em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-RJ. Doutor em Direito Público pela UERJ. Conselheiro Federal da OAB pelo Estado do Rio de Janeiro. Secretário-Geral do Conselho Federal da OAB. Advogado.

DANIEL SARMENTO

Professor de Direito Constitucional da UERJ. Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ. Pós-doutorado pela Yale Law School. Procurador Regional da República.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Os limites materiais ao poder de reforma constitucional: generalidades – 3. Legitimação das cláusulas pétreas – 4. A interpretação moral das cláusulas pétreas – 5. Direitos e garantias fundamentais como cláusulas pétreas – 6. Conclusão.

1. Introdução

A Constituição Federal, ao enunciar os limites materiais ao poder de reforma, incluiu, pela primeira vez na trajetória constitucional do país, os "direitos e garantias individuais" (art. 60, § 4.º, IV). Esta inovação é mais um sinal da importância central atribuída aos direitos fundamentais pelo constituinte originário, que quis protegê-los até mesmo das maiorias qualificadas necessárias à edição de emendas constitucionais.

O tema é altamente delicado, porque se situa no epicentro daquela que talvez seja a tensão mais importante e fecunda que atravessa todo o direito constitucional: a que se dá entre, de um lado, o Estado de Direito, com a sua pretensão de limitar o exercício do poder em proveito do direito dos governados, e, do outro, a democracia, com a sua aspiração de permitir o autogoverno popular. De uma banda, há o temor de que as maiorias qualificadas instaladas no Parlamento possam atentar contra valores básicos de justiça da comunidade política. Mas, da outra, tem-se o receio de que limitações em demasia ao constituinte derivado, ao subtraírem da coletividade a possibilidade de decidir seus próprios caminhos, representem um atentado contra a democracia. O difícil é encontrar um ponto ótimo entre estas exigências da moralidade política, que permita o convívio harmônico e sinérgico entre democracia e constitucionalismo, visando a realizar com coerência o ideário do Estado Democrático de Direito.

No contexto da Constituição de 1988, esta tensão foi potencializada pela nossa engenharia institucional. Temos, em primeiro lugar, um texto constitucional extenso e detalhista, ao lado de um procedimento relativamente fácil para a sua reforma. Isso, como era de se esperar, multiplicou o número de mudanças formais em nossa Constituição:1 desde a sua promulgação até outubro de 2013, a Constituição de 1988 já sofreu nada menos que 82 alterações – 75 emendas, 6 emendas de revisão e a incorporação, com estatura constitucional, de um tratado internacional de direitos humanos (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) com o respectivo protocolo facultativo. Ao lado disso, contamos com um extenso elenco de limites materiais ao poder de revisão – dentro do qual figuram os direitos fundamentais – plasmados, no mais das vezes, em linguagem vaga e indeterminada. E, para arrematar, convivemos com amplos mecanismos de jurisdição constitucional, os quais, à vista da apontada natureza aberta das cláusulas pétreas, acabam convertendo o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, em árbitro cada vez mais frequente sobre os "limites do decidível" no âmbito do processo político brasileiro.

Neste estudo, pretendemos explorar o tema dos direitos fundamentais como cláusulas pétreas, buscando, em diálogo com a filosofia constitucional e com a jurisprudência do STF, traçar parâmetros para a interpretação adequada do art. 60, § 4.º, IV, da nossa Lei Maior.

2. Os limites materiais ao poder de reforma constitucional: generalidades

Os limites materiais ao poder de reforma subtraem do alcance do poder constituinte reformador determinadas decisões. Tais limites representam o máximo entrincheiramento das normas jurídicas, que são retiradas da alçada até mesmo das maiorias qualificadas necessárias à aprovação de mudanças constitucionais. De acordo com a teoria convencional, reverter alguma decisão salvaguardada por um limite material só seria possível por meio de uma ruptura, decorrente de nova manifestação do poder constituinte originário. A doutrina brasileira vem chamando esses limites de cláusulas pétreas. Na Alemanha, eles são conhecidos como cláusulas de eternidade.

Até a II Guerra Mundial, não era frequente a previsão de cláusulas pétreas nas constituições. Contribuía para isso o fato de que, até então, o pensamento constitucional dominante não distinguia claramente o poder constituinte originário do poder reformador. Dentre as exceções, figura a Constituição francesa de 1875, que, em preceito inserido em 1884, vedou reformas que pudessem atingir a forma republicana de governo. A Constituição norte-americana de 1787 também continha regra, já exaurida, que combinava limitação material e temporal ao poder de reforma, ao proibir a edição de emenda, até o ano de 1808, que abolisse o comércio de escravos. Tal Constituição, ademais, estabeleceu que eventual emenda que alterasse a igual participação dos Estados no Senado só poderia ser adotada com a concordância dos Estados afetados.

Após a II Guerra Mundial, cresceu a desconfiança diante dos possíveis abusos cometidos pelas maiorias políticas, o que serviu para a popularização dos limites materiais ao poder de reforma. Além disso, a experiência negativa com a Constituição alemã de Weimar, que não continha cláusulas pétreas, contribuiu para a difusão das referidas limitações. Como se sabe, a Constituição de Weimar foi formalmente alterada em 1933, por meio do famigerado "Ato de Habilitação", que concedeu poderes quase absolutos a Adolf Hitler, permitindo que o seu governo editasse leis, sem submetê-las ao Parlamento, que poderiam inclusive modificar a própria Constituição. É evidente que a presença de cláusulas pétreas na Constituição de Weimar não seria suficiente para impedir o advento do nazismo. Sem embargo, a existência de limites materiais ao poder de reforma pelo menos evitaria que o totalitarismo pudesse se instalar no poder sob o manto, pelo menos formal, de uma Constituição.

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